1086-KOROWAI - 2a. Parte

Continuação - Anterior – conto # 1.085

Na tarde daquele dia em que visitara pela primeira vez minha inesquecível amiga Suzana, procurei-me inteirar dos acontecimentos daquela expedição. Telefonei e passei mensagens pela Internet para as principais pessoas que a acompanharam e a resgataram ainda com vida da tribo dos Korowai.

Todos os componentes do grupo forneceram informações. A mais bem informada e que relatou com mais detalhes foi a Dra. Miriam, antropóloga. As histórias que me contaram formavam um quebra-cabeça, que reconstitui e resultou no seguinte:

A expedição chefiada por Suzana compunha-se de oito homens e quatro mulheres, com diversas qualificações, como acontece em todas as expedições bem organizadas: ela e mais duas mulheres eram antropólogas formadas em universidades americanas. A quarta mulher era bióloga e médica. Entre os homens havia também antropólogos, fotógrafo, dois repórteres e um cinegrafista da TV ARGOS, um engenheiro especialista em sobrevivência na selva, e um o guia: homem de experiência nas selvas principalmente em estabelecer contatos com os selvagens que as habitavam.

A expedição destinava-se a manter contato com algumas tribos de Papua que ainda praticam o canibalismo. Papua é a parte ocidental da ilha Papua-Nova Guiné, e é um departamento da Indonésia. O local que deveriam alcançar fica no centro da ilha, região montanhosa de altos picos e cuja referência é a Pirâmide Carstenz.

Papua é habitada por cerca de 300 tribos de nativos, cada qual com uma linguagem diferente, o que dificulta o contato com os exploradores e missionários. E nos elevados rincões da formidável cadeia de montanhas estão ainda tribos de canibais.

A floresta cobre toda a região. Floresta úmida e tropical, ou seja, com chuvas quase todos os dias, temperaturas de trinta graus durante o dia, que caia para vinte ou menos, durante a noite.

Os doze componentes chegaram com seus veículos adaptados para as piores situações até o local chamado Papua Farpoint, ponto final para o acesso a veículos. Estavam já a l.400 metros de altitude e ainda havia um percurso montanhoso impossível de ser feito nos veículos. Foram contratados quatro fortes carregadores nativos, para o transporte do material estritamente necessário montanha acima.

Os membros da expedição subiram cerca de mil e quinhentos metros, onde encontraram um pequeno platô propício para acampar.

— Estamos nas terras dos Korowais. — Avisou o guia. — Pouco se sabe deles, por isso devemos ter cuidado.

Começaram a desamarrar os fardos e a montar as barracas. De repente, um zunido e uma flecha aparece cravada no topo do mastro que já haviam erguido para arrimo da barraca maior.

— Escondam-se atrás dos fardos. DEPRESSA. — Gritou o guia.

Todos se agacharam por trás dos pacotes ainda não desamarrados.

Silêncio, só cortado pelo zumbido dos insetos na floresta.

Três figuras surgiram das sombras da floresta, numa distância de cem metros de onde estavam os expedicionários.

Escuros, quase negros. Magros, quase esquálidos. Feições cruéis, quase ferozes.

Como vestuário, apenas uma tanga. Nas cabeças usavam tiras de couro ou tecido, como se fossem bandanas. Os cabelos, abundantes, amarrados para cima, aumentavam a impressão de elevada estatura. Pendentes dos pescoços, argolas, colares e tiras de cipós ou couros.

Escondidos atrás dos fardos o pessoal da expedição esperou. Todos os componentes da expedição portavam armas de diferentes calibres, inclusive o guia.

— Esperem, não atirem! — Determinou a doutora Suzana. — Vamos ver o que querem de nós.

Ela levantou-se de braços erguidos, as mãos espalmadas com sinal de paz.

O mais alto dos três selvagens também ergueu a mão direita, deus dois passos à frente e falou uma algaravia que ninguém entendeu; ou melhor. O guia compreendeu e, ainda escondido, falou:

— Ele não quer brigar. Disse que quer conversar.

Suzana chamou o guia:

— Dijibuto, venha comigo. Quero que traduza o que ele está falando.

Dijibuto levantou-se de mãos para o alto e aproximou-se de Suzana.

— O que eles querem? — perguntou a doutora Suzana.

O guia emitiu alguns sons e esperou a resposta, que veio a seguir. E traduziu:

— Ele é o chefe da tribo que manda por aqui. Diz que seu nome é Rangu-kalan. Falou que não podemos ir até ao local onde moram. Se lhe dermos comida, disse que podemos ficar estacionados aqui.

— Diga-lhe que estamos com pouca comida. Que queremos ir até sua tribo apenas para conversar com eles.

O guia falou as palavras da doutora Suzana na algaravia que era a linguagem rústica do chefe selvagem.

A resposta veio a seguir, que traduzida por Dijibuto, foi mais ou menos assim:

“Se vocês não têm comida, podem voltar. Não precisamos de gente estranha na nossa aldeia.”

Susana, a chefe da expedição insistiu:

— Diga-lhe que só queremos visitá-los. E que temos remédio para curar o kuru.

Ao ouvir a palavra KURU o indígena Rangu-Kalan sobressaltou-se. Dirigiu-se aos dois companheiros, e os três conversaram durante alguns minutos. Então, o alto Kirowa disse:

“Então o chefe de vocês pode vir, trazer remédio e visitar a tribo. Só o chefe.”

— Diga-lhe que sou o chefe e que só vou com dois ajudantes.

Depois de consultar os amigos, o indígena alto respondeu:

“A mulher chefe e mais um ajudante. O homem que sabe nossa língua”.

— A Doutora Suzana dialogou com seus amigos. Era uma líder autêntica, mas arriscava-se em demasia para conseguir seus objetivos — disse a doutora Miriam, que era a melhor informante do grupo.

A muito custo convenceu os companheiros da expedição — e ao guia Djibuti — que sua ida iria ser tranquila, pois ela levaria um antídoto contra a rara doença que atingia as tribos de Papua que ainda praticavam o canibalismo.

— É o meu salvo-conduto, disse ela. Os selvagens me respeitarão. E eles vão gostar do “remédio” que levarei.

Disse ao interprete Djibuti:

— Fale com eles que amanhã cedo partiremos.

Os indígenas compreenderam. O chefe respondeu:

— Vamos esperar aqui.

E ali ficaram, de pé, o tempo todo que restava do dia, vendo os homens e mulheres desamarrarem os fardos e montar as barracas. Três estátuas de carne e osso, observando toda a atividade do acampamento sem emitir um único som.

Era já de tardinha quando terminaram a tarefa. O cozinheiro já tinha preparado a refeição e armou uma mesa para colocar as comidas. Os expedicionários se serviam e sentavam-se próximo a ela.

Os selvagens foram convidados a comer, mas recusaram.

Ao anoitecer, dois homens da equipe, armados, ficaram encarregados da vigília noturna, pois Rangu-Kalan e seus dois companheiros ainda estavam no mesmo lugar, observando tudo. Por certo iriam passar a noite ali e era melhor mantê-los sob vigilância.

A noite desceu. O acampamento era parcamente iluminado pela fogueira no centro do circulo formado pelas oito barracas em cada qual brilhava os lampiões. O mais era um negrume sinistro. Da selva, mergulhada num negrume sinistro, chegavam os sons assustadores de animais noturnos.

E os três korowais ali, de pé, pareciam nem piscar.

A noite inteira. Como três seres emblemáticos dos perigos que rodeavam os exploradores.

CONTINUA NO CONTO $ 1087

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 12 de setembro de 2018.

Conto # 1.086 da série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/12/2018
Reeditado em 11/12/2018
Código do texto: T6524464
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