Perda total
A manhã raiava na costa de Singapura, quando, do alto do cesto da gávea, o gajeiro gritou a plenos pulmões para a tripulação no convés:
- Vela à vista!
- Amigo ou inimigo? - Gritou de volta o capitão Ferrão, que estava passando próximo ao mastro.
- Não são portugueses, meu capitão! - Replicou o vigia.
- Nestas águas, melhor considerar qualquer navio suspeito como inimigo - comentou o capitão para o imediato. - Mande preparar as bocas de fogo.
As velas aproximaram-se e dividiram-se em três embarcações; agora, os marujos com vista mais afiada identificaram-nas positivamente como sendo holandesas.
- Levantar âncora! - Ordenou o capitão.
- Rumo, capitão? - Indagou o imediato.
- Sultanato de Johore.
- Mas... nem sabemos se a trégua que assinamos com eles ainda está valendo.
- Sabemos que os holandeses não vieram tomar vinho do Porto - atalhou Ferrão. - A todo pano para o estreito de Singapura!
Contudo, a carraca, atulhada de mercadorias trazidas da China e Japão, não podia competir com a velocidade das três embarcações de guerra holandesas. Não muito depois, antes de chegarem ao estreito, uma delas interceptou o curso dos portugueses e disparou uma salva de advertência.
- Ou paramos ou nos afundam, capitão - alertou o imediato.
Ferrão olhou para o céu matinal em busca de iluminação da Providência Divina, e subitamente deu um murro na mão esquerda.
- Já sei! Mande subir uma dúzia de barris de pólvora dos canhões para o tombadilho!
Assim foi feito, enquanto os holandeses os cercavam como lobos em torno de uma ovelha desgarrada. Finalmente, Ferrão acendeu um archote e exibiu-o para o navio holandês mais próximo. A simbologia era clara: se chegarem muito perto, irão para o fundo conosco.
Os holandeses decidiram não pagar para ver. Desistiram da perseguição e lançaram âncora à entrada do estreito de Singapura.
- E agora, capitão? - Indagou o imediato. - Para chegar à Malaca teremos que passar por aqui novamente, e com certeza esses holandeses estarão nos esperando.
- Vamos fazer uma visita ao sultão de Johore - ponderou Ferrão. - Sempre é tempo de reforçar nossos laços de amizade com os amigos da coroa portuguesa... e pedir reforços.
E na manhã que se iniciava, a "Santa Catarina" entrou no estreito de Cingapura, carregando em seus porões um butim equivalente a mais de 50% de todo o capital da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Soubessem disso, talvez os holandeses houvessem preferido afundá-la a permitir que escapasse incólume.
- [09-12-2018]