Recordando

 
     Enquanto comia observava os movimentos na casa de Juversina, vendo quando o Trovulino, grande corno satisfeito, entrou na choupana arrastando-se com ar cansado e de quem trabalhara durante todo o dia, depois disso viu a morena chegar mais duas vezes à janela antes da noite cair. As lamparinas na casa foram acesas. Na venda, o português mais sofisticado tinha acendido dois lampiões e logo começou a chegar algumas pessoas o rapaz que não tinha interesse em conhecer ninguém, pagou sua despesa e saiu sem dar qualquer satisfação.


TROVULINO 04
 
     Depois de passar por dentro do povoado, ele se afastou o suficiente da vila e escondido aguardou as horas se arrastarem lentamente até que o povoado se aquietou. Calculou que deveria ser mais de nove horas e retornando por trás das casas margeando o rio, se aproximou das moitas de amoras. Apeou do animal e depois de alisar sua testa como a acalmá-lo, atou o cabresto de forma que ele pudesse alcançar as folhas de amora e afastou-se até aproximar-se da casa, dali ficou observando o movimento encostado a um pé de coco dos muitos que havia por ali.

     Algum tempo depois ouviu barulho dentro da residência e ficou atento. Viu quando uma lamparina se acendeu pelas frestas da janela, quase que ao mesmo tempo ouviu uma voz que reconheceu ser de Juversina. – “Trovulino, acorda homem, estou com dor de barriga, ô Trovulino acorda!” Ouviu uma voz sonolenta que imaginou ser a do corno - Que foi Juva, to com sono, que há? Se você está com dor de barriga faz no pinico. – Não, se eu fizer no pinico vai ficar catingando aqui dentro a noite inteira. – “Então vá fazer lá fora ô daneira, pra que você esta me incomodando?” – Eu to com medo de ir lá fora, os meninos viram cobra um dia destes, lá nas moitas de amora. – E daí? Você faz mais perto da casa, amanhã você limpa.

     O pistoleiro tinha que segurar a boca para não cair na gargalhada, como pode casar com um sujeito tão besta. Que mulher mais maluca ele tinha conhecido, esta era uma mulher boa mesmo de ir para a zona, ia ser difícil alguém ser melhor do que ela para enganar os incautos. Novamente ouviu a voz da mulher: – Acorda homem, é só procê segurar a lamparina pra eu. – Esta bem, então vai logo, que eu estou cansado de trabalhar, mas vê se anda depressa que eu tenho que dormir, pois amanhã eu vou cedo para a roça.

 

     S. R. S viu a porta se abrir e sair primeiro Juversina, logo a seguir o homem segurando a lamparina, pensou... que pateta é este sujeito, nasceu para ser corno. O casal se aproximou das amoras e ele ainda ouviu o maridão dizendo: - Aí está bom Juva. Viu o vulto da morena se aproximando, agarrando-o e cochichando: - não disse que vinha? O bandidão sorriu para dentro pensando que aquilo ia ser mote para repentes e até livros de cordel pelo sertão, ele e Juversina ficariam conhecidos no Brasil inteiro, ele ia ganhar mais fama e mais dinheiro por causa daquela façanha. O cabra era dos bons, a mulher era das boas e a adrenalina estava fazendo tudo virar tesão, logo sem pensarem em perigo, começaram o vem cá meu bem que eu estou querendo.

     Trovulino como bom corno, ainda perguntou: - Vai demorar muito? Eu estou com sono. Ela respondeu: - Espere já vai. - S. R. S teve que segurar o riso, afinal, não era de bom tom estragar a brincadeira antes da hora, dedicou mais atenção ao vai e vem e nas carícias. Trovulino estava impaciente, de repente Juversina começou uma gemeção, ele dormindo em pé com a lamparina na frente dos olhos não via nada, perguntou: - Que foi que você comeu que te fez mal deste jeito Juva? A morena safada ainda se deu ao trabalho de responder com gozação, enquanto beliscava as costas do rapaz rindo num sussurro, e provocando nele uma vontade quase incontrolável de parar com o “vai e vêm”, e rir tudo que tinha para rir de uma só vez, mas se segurou e Juva como a chamava o seu corno de prontidão respondeu: - Deve ser aquele salame do português que eu comi. Com isto o Trovulino se deu por satisfeito e o S. R. S teve que parar de vez a safadeza antes que não agüentasse mais sem rir, mas já tinham feito o proposto e era o que importava.

     Ela esperou ele se afastar e saiu arrumando a camisola, feita de saco de açúcar, que o português lhe dava e ela clareava com soda e sabão assim com eram feitas a maioria das roupas de baixo do casal, não apenas no nordeste, mas em todo o país pobre. S. R. S afastou-se um pouco e voltou a encostar-se ao pé de coqueiro onde ficou aguardando até o casal voltar para a casa. Só quando a lamparina se apagou é que em silencio foi até onde estava o cavalo e o desamarrou saindo a passo até alcançar a estrada.

     Atravessou a ponte e continuou trotando por mais de três quilômetros. Em certo ponto desviou o animal para uma zona de pedras não muita altas e já conhecida dele a procura de um lugar para passar uma noite, já que: como bom pistoleiro, ele sabia que qualquer lugar era perigoso e o mais seguro era sob o manto de um céu estrelado. Quando chegou ao lugar que estivera procurando, desarreou o animal e o soltou, pois, sabia que ele não se afastaria permanecendo perto da moita de capim e onde tinha um poço de água de uma nascente daquele local.

     Deitou-se sobre as mantas do animal, forradas com o pelego e com a cabeça apoiada na sela, puxou a capa gaúcha sobre o corpo e riu um riso de anjo sem pecados olhando para a lua nova que começava a derramar os raios sobre o sertão. Repassou os acontecimentos do dia. Pensou um pouco em como tiraria proveito de tudo o que estava acontecendo, pois, nada valeria à pena se não tivesse lucro, riu e dormiu o sono dos inocentes, na firme convicção de que ser esperto não é crime.

     No outro dia ao acordar, ainda pensou um pouco sobre os acontecidos do dia anterior. Sorriu de novo e foi até o poço, onde pensava fazer a costumeira higiene natural, ou seja, lavar o rosto e bochechar um pouco de água, e passar os dedos nos dentes e gengivas a guisa de escova de dente, escassa naquela época. Devido ao calor e sentindo ainda o cheiro do sexo da noite anterior, resolveu que um banho seria bom. Despiu-se e se atirou na água que lhe pareceu fria, mas logo achando delicioso o banho que prolongou até achar que já estava bem limpinho e pronto para enfrentar um novo embate se aparecesse. Vestiu-se, chamou seu belo cavalo e, assobiando uma melodia antiga, selou o animal se dispondo a voltar à venda do português para saber as novidades, e também tentar rever a fogosa Juversina, que tanto o tinha impressionado e a quem devia uma aposta que pensava seriamente em cumprir, pois não era homem de faltar a compromissos firmados. Quando entrou no povoado, desta vez depois de dar uma volta muito maior e vir de novo pelo outro lado, notou que tinha alguma coisa errada, não sabia o que era.

 
Trovador das Alterosas
Enviado por Trovador das Alterosas em 08/12/2018
Reeditado em 08/12/2018
Código do texto: T6521686
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