Último aviso
Um arauto inglês e dois soldados normandos usando cotas de malha, entraram a cavalo na fazenda de Hrodgar de Ytene. Depois dos dias conturbados da invasão da Inglaterra por Guilherme, o Conquistador, mais de dez anos atrás, as coisas andavam relativamente calmas na região. Hrodgar especulou que o arauto certamente não estava ali para cobrar impostos, embora a presença dos soldados fosse pouco auspiciosa. Como nada tinha a esconder, saiu da casa de madeira com telhado de palha para receber os visitantes.
- Viemos em nome do rei! - Gritou o arauto. - Quantas pessoas vivem aqui?
- Eu, minha esposa, nossos três filhos, minha sogra, um cunhado, sua esposa e dois sobrinhos - enumerou Hrodgar.
- Muito bem - aprovou o arauto, encarando-o do alto da sua montaria. - Pois devo adverti-lo que, por ordens do rei, toda esta região, num raio de 30 milhas, será transformada numa floresta real, para que sua majestade e a corte possam caçar bestas selvagens.
- Uma floresta real... - Hrodgar estava aturdido. - Está me dizendo que terei que deixar estas terras, onde minha família vive há gerações, para que esse... para que o rei Guilherme... possa fazer suas caçadas?
- Compreendeu bem, inglês - retrucou um dos soldados com um sorriso zombeteiro, mão no cabo da espada.
Hrodgar respirou fundo.
- E para onde iremos? - Indagou.
- A Inglaterra é grande - respondeu o arauto.
- Vão nos pagar alguma indenização? - Arriscou Hrodgar.
- Prometo que se saírem em duas semanas, continuarão vivos - replicou secamente o arauto. - Findo este prazo, todas as construções que estiverem dentro do perímetro da "Nova Foresta" serão derrubadas, e os eventuais residentes tratados como invasores.
O outro soldado normando, igualmente parecendo divertir-se com o desconforto causado, passou o dedo pela garganta, indicando o tratamento dado aos invasores de florestas reais.
- Nós vamos sair - admitiu Hrodgar.
Ficou parado algum tempo à frente da casa, enquanto o trio a cavalo partia rumo à fazenda do seu vizinho, Godric. Finalmente, entrou para falar com seus familiares assustados.
- O que vai ser de nós? - Indagou aflita a esposa, Eadburga.
- Iremos para a Escócia - decidiu Hrodgar com determinação. - Hereward e seus homens fugiram para lá, após serem declarados foras da lei pelos normandos. Ele é nossa última esperança de conseguirmos expulsar os invasores de volta ao continente.
- Mas há vários anos que ninguém ouve falar de Hereward - ponderou seu cunhado, Cynesige. - Quem poderá dizer se ainda está vivo?
- Ainda assim, a Escócia é nossa melhor possibilidade de sobrevivência - insistiu o fazendeiro. - Os normandos não a tomaram, e duvido que venham a conquistar as Terras Altas algum dia.
E assim, uma semana após a visita do arauto do rei Guilherme, Hrodgar de Ytene e sua família, seu vizinho Godric e os seus, reuniram seus poucos pertences em quatro carros puxados por bois e começaram a trilhar o longo caminho que os levaria através da Inglaterra, até as distantes Terras Altas escocesas. Na última curva do caminho da qual ainda era possível avistar a casa da fazenda, o filho mais velho de Hrodgar, Eadgar, virou-se para ele e indagou:
- Acha que voltaremos aqui algum dia, pai?
O fazendeiro acariciou seus cabelos e respondeu:
- Apenas em espírito, filho.
E virou as costas em definitivo, para o seu passado que ficava para trás.
- [16-10-2018]