Tudo o que você merece

Naganori Sakimoto, um homenzinho magro de modos afáveis, parou em frente ao cartaz colado na vidraça da agência de Correios. Com tristeza, leu o que já havia vindo sendo declarado abertamente há alguns meses, desde aquele fatídico dia de dezembro do ano anterior, quando a Marinha Imperial Japonesa desfechara um traiçoeiro ataque contra a base de Pearl Harbor, no Havaí. Um homem parou ao seu lado, um de seus vizinhos na granja que mantinha fora da cidade.

- Então... agora é oficial, não é Sakimoto?

- Sim, Preston... não resta a menor dúvida. Teremos que ir.

O homem o encarou, intrigado.

- Você diz isso, com essa calma? Você é um cidadão americano... pode ter sangue japonês nas veias, mas nasceu neste país!

- Parece que a procedência do sangue conta muito agora - resignou-se Sakimoto. - Você está lendo o mesmo que eu... todos os cidadãos de ascendência japonesa residentes próximos ao litoral da Costa Oeste serão transferidos para... "centros de internação". Imagino que por toda a duração da guerra...

- Isso é um absurdo! - Exclamou Preston. - Será que julgam que pessoas como você e sua família, nascidos e criados nesta cidade, irão trair os Estados Unidos ou fazer espionagem para os japoneses?

Sakimoto concedeu-lhe um discreto sorriso.

- Para quem nos vê, continuamos a ser... japoneses. Exatamente como os que atacaram Pearl Harbor. Talvez, para nossa própria segurança, seja mesmo melhor que sigamos para os tais "centros de internação".

- "Campos de concentração", talvez fosse a palavra mais acertada - resmungou Preston.

- Estamos numa situação de guerra - prosseguiu Sakimoto sem se alterar. - Me entristece ter que passar por isso, assim como meus familiares, mas como bom cidadão que sou, irei acatar as ordens que me foram dadas. Vão providenciar um ônibus para nos levar, e eu minha família estaremos nele. Shikata ga nai.

- O que disse? - Indagou Preston.

- É uma expressão japonesa... "vida que segue". Com sua licença, tenho assuntos a resolver antes da partida.

Inclinou brevemente a cabeça em saudação, e retirou-se. Preston aguardou um momento, e depois entrou na agência. O agente por trás do balcão o encarou em expectativa.

- Parece que vamos nos livrar de todos os japas desta vez - comentou Preston, apoiando os cotovelos no balcão.

- Pensei que esse japa fosse seu amigo - retrucou o agente com um esgar.

- Eu não tenho amigos japas - atalhou Preston secamente. - Chegaram à esta cidade para trabalhar para nós, e acabaram por comprar propriedades. São nossos competidores, não nossos amigos. Quanto antes forem embora, melhor. Podemos produzir tudo o que cultivam em suas fazendas, e melhor.

- E depois que a guerra acabar? - Questionou o agente.

Preston o olhou com desagrado.

- Não os queremos de volta. Nem quando a guerra acabar.

O agente balançou a cabeça, lentamente.

- Eles não se misturam, não é mesmo?

- Que sejam segregados então - concluiu Preston.

- [05-10-2018]