Matilda
Realmente a vida nos reserva de tudo e nos surpreende a cada instante. Saber aproveitar o amargo do limão para fazer uma limonada, não é fácil e acho até que não é pra qualquer um.
Se me perguntarem sobre o início da minha vida, não sei responder. Não lembro de onde vim, se tenho irmãos, quem foi meu pai e nem se foi minha mãe que me abandonou por vontade própria, ou se foi obrigada a se separar de mim.
O que me lembro é de estar me sentindo meio fraca e perambulando num grande pátio, cheio de caminhões e gente indo e vindo. Um dia, vi duas pessoas conversando e meu instinto me levou até elas. Gostei do pé pequeno da mulher, que se abaixou, me fez um carinho e disse que se eu a acompanhasse até seu carro eu teria um lar. Pensei um pouco e conclui: quem troca a plena liberdade de andar nas ruas, por um local fechado? Eu é que não.
Passado uns dias vi a mulher dos pés pequenos novamente e, do nada, senti vontade de me deitar em seus pés. Novamente ela me fez a proposta de eu ir até seu carro e ter um lar. Confesso que me senti tentada dessa vez, pois sentia que minha fraqueza estava aumentando, afinal a situação do país está difícil pra todo mundo. Fui com a pequena mulher, tratei de pular em seu colo, ela fez uma fotografia dessas modernas e um tempinho depois, não entendi mais nada... ela me deixou lá na rua.
Minhas perninhas começaram a ficar cada dia mais fracas, veio muita chuva e eu, literalmente, entreguei minha alminha. Já não tinha mais por que viver, a rua, o mundo era tudo muito grande pra mim, não estava dando conta. Me deitei na grama daquele pátio enorme e me deixei ficar ...
Estava assim, inerte, eis que sinto um calor no meu corpinho, cheguei a achar que era um anjinho me levando pra morada final, mas era a pequena mulher me carregando e junto com outras pessoas amarrou um barbante no meu pescoço e me deitaram numa caixa bem quentinha. Mas senti medo, aquilo não era bem o prometido, estava mais para uma prisão e, cá pra nós, ninguém troca a liberdade da rua por um barbante e uma caixa, mesmo que quentinha. Por isso, tratei de fugir.
Mas, como falei no início, a vida nos reserva de tudo. Devido a minha fraqueza não consegui ir muito longe e fui encontrada novamente deitada inerte. Dessa vez eram umas moças lindas, que me colocaram num lugar quentinho e não tentaram me amarrar. Então pensei: se vou partir dessa pra uma melhor, que seja aqui nesse lugar quentinho e fiquei lá bem quieta. Mas e a mulher pequena, que fim levou? Ah, as promessas vãs...
Eis que de repente a mulher pequena reaparece. Achei até que estava delirando. Ela me pegou no colo, me acariciou e fomos para o carro. Suspirei fundo, já imaginando que meu fim seria ainda mais digno, junto a uma família. Mas a mulher me levou no doutor, imaginem? Fui examinada e medicada e depois fomos pra casa. Eu estava me sentindo muito mal mesmo, durante dois dias minha protetora me deu água de hora em hora com a seringa e eu só vomitava, mas com tanto cuidado e carinho, dela e de seu companheiro, comecei a reagir.
Levantei e reconheci o ambiente, as pessoas e mais dois seres da minha espécie. Ali era a casa da minha pequena-grande-mulher-protetora, Patrícia, do também protetor de animaizinhos indefesos Lucas e das amiguinhas Kika e Amy. Eu fui batizada de Matilda e gostei do nome!
Nossa, estava indo tudo muito bem, comendo, bebendo , dormindo, brincando muito, principalmente com a hiperativa da Amy, tudo na maior paz. Porém, comecei a ouvir umas conversas sobre Matilda num lugar chamado sítio, que seria dada de presente, coisa e tal e tal e coisa... Fiquei com a pulga, não só atrás da orelha, mas por todo corpo. O que será que minha vida, tão curta aínda me reserva?
Até que numa madrugada meus protetores me levam para o carro, deixando minhas amiguinhas, que pensei seriam minhas irmãs. Dormi a viagem toda, acho que nem queria acordar, com medo do que me estava reservado.
Mas agora, depois de uma semana no tal sítio, posso dizer, que a vida vem me reservando boas surpresas. Fui dada de presente para o José Carlos. Gostei da pessoa de cara, assim, tipo amor a primeira vista. Já estou quase que totalmente adaptada a nova vida, tirando que aqui tem três seres muito estranhos, que não gostam de brincar comigo, fazem um barulho estranho quando chego perto, tipo fhisss, e uma metidinha até levantou a pata pra mim. Me foram apresentados como os gatos Deim, Faísca e Filó.
No dia que cheguei, conheci toda família que passarei a fazer parte, pois vieram cantar parabéns para o meu novo amigo-protetor-dono humano. No dia seguinte conheci a tia Lúcia e sei que seremos grandes amigas.
Enfim, acho que agora posso me identificar um pouco: sou Matilda, tenho em torno de oito meses de vida, nasci em Santa Catarina e hoje vivo no Rio Grande do Sul, portanto, sou uma cadelinha "catucha" (mistura de catarina com gaúcha) e me sinto muito feliz.
Obrigada a toda a galera que ajudou no meu resgate da vida na rua. #amomuitovoces