João, no Mundo de Natur
Como de costume em toda tarde, meu pai chegava do trabalho, ligava a televisão enquanto bebia água em uma garrafa pet sempre meio vazia. Ia estalando os dedos e prestando atenção em cada palavra que o jornalista dizia, em pé no estúdio também ao lado de uma televisão. Era esse o momento mais propício, para meu pai permitir qualquer pedido que eu fizesse.
- Pai, posso brincar com os meninos na rua? A tarefa eu faço a noite e já alimentei o Rufos.
Meu pai só concordou com a cabeça e sai brincar com meus amigos.
Era comum a gente ficar até tarde brincando até a mãe de cada um chamar para jantar, aproveitávamos a luz dos postes enquanto o sol adormecia e assim, também ia embora o dia, levando nossas risadas. No outro dia, a mesma coisa, meu pai em frente a TV, ele concordando e eu fui jogar bola com os meus amigos, eu era o dono da bola então todos aguardam ansiosamente minha chegada, eu adorava esse sentimento de necessidade. Começamos o jogo perdendo, levei um gol vergonhoso, e sorrindo da minha falha fui pegar a bola, e trombei com um velho todo estranho. Nunca tinha o visto por ali, e meus amigos ficaram todos olhando a cena. Levantei-me e olhei bem seu rosto, parecia que era cego de um olho, sua barba grisalha aparentava mais de 60 anos e suas rugas tinham muitas histórias pra contar. Estava com uma capa de chuva e suas botas de borracha diziam que recém havia chegado do cais. Ele olhou para o lado de casa e se dirigiu até a porta sem dizer uma palavra. Fiquei curioso e fui até lá, enquanto os garotos ficaram jogando sem mim. Ao chegar na porta, meu pai também surpreso olhou pra mim com uma cara triste e convidou o velho para entrar. Meu pai impediu que eu acompanhasse a conversa e me mandou ficar no meu quarto. Me aproximei da porta para ouvir e eles diziam coisas sem sentido:
- chegou a hora sr. Albino, ja se despediu?
- eu achei que você não voltaria mais depois de ter levado a Helena.
Quando meu pai disse isso, pensei milhões de coisas em minha cabeça. O meu pai nunca falou sobre a minha mãe, nem sequer mencionou seu nome. Será que Helena seria minha mãe?
Enquanto pensava isso, ouvi os dois subindo as escadas e meu pai bateu na porta. Abri e meu pai me abraçou e disse:
- João, meu filho, amanhã bem cedo, terei que ir com o senhor Boss para uma viagem. Ele precisa que eu faça alguns reparos no motor do barco dele, e espero que você se comporte na casa de seus primos.
Eu odiava meus primos. Mas estava tão assustado com tudo aquilo, que o que saiu de mim foi apenas:
- o senhor vai voltar papai?
- claro que volto meu filho, não diga bobeira. A viagem deve durar apenas dois dias. Com sorte se eu conseguir carona até aqui, te busco ainda na quinta da sua tia.
Após a conversa os dois foram até a varanda, o velho acendeu um caximbo e meu pai quieto. Arrumei minhas coisas e apreensivo, escutei batendo na janela o meu colega Tales. Medroso porém, era meu melhor amigo. Abri a janela que ele escalou com muito medo, pois queria saber porque eu havia abandonado o futebol e o principal, a bola. Contei o ocorrido e ele também achou estranho. Foi aí que tive a idéia de ficar na casa do Tales, falamos com meu pai e ele concordou se eu me comportasse. Fomos pra casa do Tales, meu pai foi pessoalmente, conversou com o senhor Dito, excelente pessoa no bairro e pai do Tales. Quando chegamos no quarto do Tales minha expressão mudou. Eu precisava fazer algo, queria saber mais. Meu pai estava estranho e aquele senhor não era um cliente sem dúvidas. Fui separando algumas coisas necessárias como sempre fazíamos quando ia acampar, e Tales disse:
- Você vai segui-los?
- Claro. Posso saber mais sobre minha mãe e entender o que está acontecendo
- Tem certeza?
- Claro, me dê cobertura. Se teus pais falarem para o meu pai que eu fugi, bom, é melhor nem pensar nisso. Já sabe né.
Coloquei a mochila nas costas e corri para a garagem para esperar chegar a hora deles partir e me infiltrar. Porém, antes de chegar na garagem notei as luzes acesas, e meu pai estava colocando as decorações do escritório dentro do carro. E o mais impressionante, elas estavam encolhendo. Eu mal podia acreditar. Ele colocou quadros enormes que nem cabia no porta malas, mas eles era sugados para dentro do porta malas. Foi quando então, meu pai saiu para buscar mais itens. E então entrei na porta de trás do carro, e me escondi debaixo de um cobertor que meu pai sempre deixava no carro para evitar que eu pegasse resfriado em manhãs frias que me levava na escola.
Fiquei ali por mais 40 minutos quando meu pai disse, tudo pronto.
Os dois subiram no carro, e saíram. Peguei no sono e acordei quando percebi que o asfalto havia acabado e que estavam entrando em uma estrada de chão. Pelo cobertor dava pra ver pouca coisa, luzes pelas janelas que mostrava os raios de sol ultrapassando as árvores, cheguei a incrível dedução que já havia amanhecido. Os dois não falavam um com o outro e poucas horas de estrada eles pararam. Antes que eu pudesse me queixar da dor nas costas daquela posição incômoda, ouço abrirem as portas, o velho foi para o porta malas e meu pai me descobriu e me viu. Eu não vi muita coisa, porque me ofusquei com a luminosidade. Mas, meu pai me cobriu de volta bem rápido e fechou a porta. Ouvi ele dizer:
- Eu tenho que voltar, preciso de mais uns dias.
- Tarde demais senhor Guller, regras são regras.
Ouvi um barulho alto e estranho e um silêncio depois disso. Aos poucos fui me destapando, abri a porta. E eu estava em um precipício, matas em volta e o solo pedregoso, e quando olho para o lado do precipício, vejo o relógio do meu pai. Corro até lá, e somente o relógio permaneceu, verifiquei o fundo do princípio, mas não havia nada naquele 40 metros de queda livre, tento me virar e pedras se esfaleram de onde piso e percebo uma coisa que meus olhos não acreditaram. As pedras que eu chutava para o precipício não chegavam ao chão, elas desapareciam na metade do caminho. Fiquei de boca aberta e olhei para cima e havia um pé de frutinhas do mato, e quando olhei para baixo, notei que aquelas frutinhas nunca tinham chegado ao chão, porque nem sementes e nem plantas ali nasceram. Peguei uma pedra maior, com as duas mãos e joguei no precipício, e ela também sumiu. Não restava dúvidas, meu pai sumiu por ali também.
Foi então que respirei fundo, tomei coragem e pulei. Senti um frio na barriga e quando cheguei na metade da queda, todo meu corpo ficou gelado e senti que estava em um lago. Nadei e quando consegui respirar, abri os olhos e vi um mundo impressionante. Havia aves com penas enormes em suas caudas, borboletas tão rápidas quanto beija flor, e então senti o chão subindo sob os meus pés. Até que percebi que não era o chão, mas sim uma tartaruga enorme cheio de elevações em seu casco, parecendo bolhas em suas costas. Quanto mais ela saia da agua, menor as bolhas de suas costas ficavam. Foi aí que seu casco partiu bem no meio e cai no chão, e senti uma tremenda ventania. Depois de me recuperar, eu olhei a tartaruga que estava voando, parecendo uma gigante joaninha. Eu estava rindo comigo mesmo e nem percebi que a água em que me afundei. Tinha me deixado levemente corado de azul, aquela agua devia ter algum corante. Aí lembrei do meu pai, procurei por pegadas em todo o litoral do lago, até que finalmente achei. Elas trilhavam as pegadas para o meio de uma floresta nada amigável. As árvores eram baixinhas, de 4 metros e seus troncos eram grossos como uma sequóia. Mas as suas folhas se mexiam mesmo sem vento algum. Mas para não perder a trilha, continuei seguindo as pegadas.
O caminho continuou ficando escuro e não via mais as pegadas, busquei minha lanterna na mochila e liguei. Quando escutei um monte de gritos, parecendo morcegos. Levei a lanterna para o rumo dos gritos, quando vejo centenas de olhos vindo em minha direção. Abaixei e senti os enormes morcegos passando sobre mim, eram enormes. Pareciam com arraias. Depois do susto, consegui sair da floresta anã, mas os rastros haviam sumido.
Sem saber o que fazer, avistei um pequeno córrego. Me serveria para beber água ou pelo menos provar se era consumível, me aproximo e cheiro a água, estava tudo bem aparentemente, mas quando olho no reflexo, vejo uma criatura parecida com um macaco, de cor cinza e com dentes bem carnivoros em sua mandíbula, estava rosnando pra mim. Suas garras eram afiadas e seus olhos eram negros como a noite, eu podia sentir a sua raiva contra mim, sua respiração alertando me atacar. Não tive escolha, sai correndo gritando. Atrás de mim aquela fera correndo com as quatro patas atrás de mim, pulando galhos e pedras. Rasgou minha mochila e perdeu algum tempo farejando minhas coisas. Com uns poucos retalhos da mochila nas costas continuei correndo até que encontrei uma árvore e me escondi atrás dela. Tentei ficar calmo e olhar onde a fera estava, ou se havia despistado-a. Foi quando senti aquele bafo quente em meus ombros, olhei para cima e aquela fera tentou me golpear com sua garra, mas desviei e corri para uma outra árvore maior, que tinha uma fenda onde me abriguei. Mas a fera chegou em segundos e tentou me alcançar com suas garras, a medida em que tentava, o espaço estreito foi ficando mais largo, eu estaria morto se aquele monstro chegasse até mim. Foi aí que aquele monstro parou de se mexer e desmaiou. Eu abri os olhos, e pude ver as enormes garras da fera no chão a poucos centímetros de mim. Noto alguém se aproximando, foi quando vi uma espécie de indígena puxando a fera pra fora, eu fiquei olhando por aquela fresta da árvore, até que ele me viu e sacou uma faca e recuou. Eu também fiquei com medo e ele notou que eu era apenas um menino. Foi aí que ele desempunhou a faca e disse:
- konipua tuapalu
Eu sem entender nada sai bem devagar mas ainda perto da árvore caso ele me atacasse. O indígena colocou a mão sobre o peito e disse.
- Kuman
E sorriu pra mim estendendo a mão. Me pareceu que ele estava se apresentando então eu disse meu nome também com a mão sobre o peito.
- João
Parecia que ele tinha entendido e seguiu a conversa. Fez uma cara mais séria e apontou para a fera dizendo Paniruá.
Ele colocou a fera nas costas e quis que eu o seguisse, sem muitas opções assim o fiz.