O especulador
Sjaak van der Vecht fez uma vênia com o chapéu emplumado perante Stefan Wolthers, ao encontrar o mercador no porto de Amsterdã.
- Meu caro Wolthers! Soube que não está mais comerciando açúcar, o que muito me surpreendeu.
- Não mais, distinto amigo. Quando a Nova Holanda foi reconquistada pelos portugueses, eu pensei que investir em plantações no Suriname seria um bom negócio. Afinal, como tínhamos um tratado de paz com os ingleses, as perspectivas à longo prazo me pareciam auspiciosas. O problema foi que eu desconhecia então a questão dos "djukas", os escravos que fogem para a selva e de lá voltam para atacar as plantações e roubar...
- Ouvi falar que muitas plantações foram queimadas em revoltas de escravos, gerando grande prejuízos aos investidores...
- Pois me inclua entre estes que sofreram perdas. Foram tantos os infortúnios, que concluí ser melhor investir no mercado de ações. Menos aborrecimento e maiores lucros, com menor esforço.
- No meu trabalho como editor, já ouvi muitos comentários sobre este mercado de ações... tanto positivos quanto negativos. E, confesso-lhe que todas as vezes em que penso em arriscar meus florins nele, lembro-me da triste história da mania das tulipas. Quantos comerciantes não perderam fortunas quando o preço dos bulbos baixou, e ninguém mais queria comprá-los!
- Decerto que a crise das tulipas foi um caso extremo, distinto amigo. Negociar ações vai muito além de modas passageiras como esta, e envolve interesses em bens necessários e de uso cotidiano. Mas, naturalmente, há sempre alguma especulação envolvida; se não houvesse, não haveria possibilidade de lucro, como bem o sabe.
- Mas conte-me: com tantas perdas no Suriname, como obteve capital para lançar-se como investidor na bolsa de valores?
- Oh, meu distinto amigo, da única maneira que seria possível: não paguei meus credores. Isto é, não de imediato.
- Notável! Mas, tenho que comentar em sua presença que esta não me parece uma ação (desculpe-me o trocadilho infame) das mais honrosas...
- Decerto que preferiria ter obtido o dinheiro de outro modo, mas me vi sem... opções. E, como lhes disse, eu não seria capaz de pagar a todos a menos que obtivesse algum substancial retorno financeiro. E como obter tal retorno de modo honesto? Mercado de ações, claro!
- Compreendo o que propôs, meu caro Wolthers... mas e se a sorte não lhe for favorável e não conseguir recuperar suas perdas e pagar os credores?
- Raciocine comigo: é melhor ter a perspectiva de receber algo, mesmo que a médio prazo, ou nada a curto prazo?
- Sim, sim, percebo... mas e o seu crédito, a sua honra?
- Meu crédito e minha honra? Valorizo muito mais minha paz de espírito, distinto amigo. Desde que tomei essa decisão, tenho dormido muito bem, todas as noites. E, se funcionar da forma como prevejo que funcionará, poderão reaver o que me emprestaram... em alguns anos.
E tendo disto isto, Stefan Wolthers despediu-se cordialmente de Sjaak van der Vecht e seguiram em direções opostas pelo porto de Amsterdã.
- [13-08-2018]