Recordações de um cavaleiro
Sob os pontos luminosos que cintilam o céu, desafiadores e incognoscíveis por si só. Trotava o impávido corcel, em um galope desnorteante. A relva, úmida do orvalho, permeava o caminho rural, e a noite escura trazia na sua ocultes surpresas ingratas. Montado sobre o cavalo, andava sorrateiramente Don Lorenzo Diniz. Este distinto Senhor, combalido pelo tempo, e cansado da jornada extenuante, apenas recordava nostalgicamente do seu passado glorioso. Na sua juvenil mente, pensamentos fortuitos a povoavam, e recordações especiais materializavam-se em forma de musa inspiradora.
A mente o transladava para o seu passado, onde praticamente tudo começou. E na ocre realidade que se apresentava, nada mais restava, a não ser a jubilosa recordação.
A muitos anos atrás este distinto senhor, era jovem, um esbelto e esfarrapado rapaz. Seu passatempo predileto era vagar pelas vielas apertadas da vila subjacente ao grande palácio do Conde de Ávila, o avarento Miguel. Lorenzo nada possuía, além da roupa do corpo, pobres trapos já desgastados. E andava a perambular sem um futuro a ter, a não ser a miserável condição social que o fustigava a cada instante. Entretanto naquela manhã frugal, onde a parcimoniosa rotina parecia uma vez mais engoli-lo e sorvê-lo por completo. Eis que tudo mudou. Lorenzo andava vagarosamente pela estreita rua, apenas um caminho secundário da pobre e humilde vila, posicionada na encosta do monte, onde o impávido palácio fora edificado séculos antes, e era ator dominante na bela paisagem. Era manhãzinha e todos os servos do Conde estavam se deslocando para a labuta diária. Eram trabalhadores marcados pela dureza da vida, de sol a sol, regando a terra com as suas gotas de suor, tiravam seu minguado sustento e abarrotavam os celeiros do Conde. Mas Lorenzo ignorava esta situação difícil de seu povo. Perambulava de um lado para o outro, sem se preocupar com absolutamente nada. Vivendo de esmolas e doações fraternas, junto a ponte de pedra que cruzava o rio, próximo ao vilarejo que fornecia água potável a comunidade e ao castelo. Mas naquela manhã normal, tudo estaria prestes a muda na vida deste saltimbanco.
Estava ele, o pobre e despreocupado Lorenzo, encostado no na mureta de pedra da ponte velha, a espera de uma boa alma a lhe garantir o almoço. Quando ao longe na estrada cercada pela mata espessa, surge um pequeno exército a cavalo, eram todos cavaleiros com armadura. Lorenzo fica apreensivo, o que pensar naquele momento, seu coração queria saltar ela boca, a respiração ficou ofegante. O tropel dos corcéis imponentes irrompia o silêncio fúnebre do local. Lorenzo no outro lado da ponte estava apreensivo, pensou em fugir do local, mas as pernas lhe faltaram, o medo havia tolhido seus movimentos. Restava apenas aguardar, apreensivamente o desfecho fatídico. Porém quando o primeiro cavaleiro pôs-se a sua frente, ele pensou o pior. Seria degolado brutalmente! Torturado? Enfim pensamentos borbulhavam sem parar. O homem, encorpado montava um cavalo negro como a noite, sua indumentária denunciava a sua patente, deveria ser o comandante ou o chefe daquele bando, seria um exército, corpo de cavalaria talvez, o pobre rapaz não sabia distinguir, sua ignorância era latente. O altivo comandante se aproximou, com um olhar taciturno fitou o jovem, como se estivesse a ponto de atropelá-lo sem o menor êxito. O jovem, entregue a própria sorte devolveu-lhe o olhar; retratando extrema doçura e comovente humildade. Ao atingir o âmago profundo do sentimento superior do comandante, o rapaz franziu a testa como se quisesse expressar algo, seus olhos retratavam sua inocência e ternura, não havia maldade naquela incólume alma. O comandante tomado de compaixão, exprimiu toda a sua bondade que estava recôndita no fundo do seu sentimento, estendeu a mão ao jovem e levou-o para vivenciar instigantes aventuras.
Lorenzo foi treinado na arte da guerra, do combate, e o seu passado ficou relegado no fundo da memória. Passaram-se os anos, as décadas, o jovem que perambulava nas vielas do vilarejo, tornou-se homem, um guerreiro, lutou em muitas batalhas, ganhou e perdeu. Viu a morte ante seus olhos, inúmeras vezes e conviveu com o perigo constantemente. Calejado pelo tempo, e já com idade avançada, sentia dificuldade ao montar. Entretanto sua memória estava vívida, clara como um cristal, e ele ainda podia recordar-se de fatos passados que o enchiam de nostalgia.