Cowboy

O rapaz era todo estiloso, nascera numa cidadezinha no interior de SP, fora menino daqueles que não se metia em fazer molecagem, não mostrava medo de nada, mas coragem estava longe se seus semblantes, era assim, uma água morna, um riacho a correr. Respeitava limites, as vezes era até exagerado, não conseguia nem sujar as mãos, vivia envolvido com jogos de xadrez, filmes e muita leitura. O universo era paralelo, a qualquer jovem de sua idade. Não é que houve um momento que o tal rapaz arranjara uma namorada! Sim, e não podia ser diferente daquele Faroeste Caboclo. A garota magra, alta, bem mais do que ele, num olhar agudo conquistou aquele franzino engravatado que não sujava as mãos por nada. Já a garota uma amazona, curtia boi, festa de peão, cavalgada, chapéu e muito rodeio.

O gravatinha, achara um novo universo, agora estava pela primeira vez saindo da cidade, ia conhecer a vida do campo. Tão logo saiu da área urbana, uma renite quisera apropriar-se dele que se pôs a espirrar continuamente, minutos depois bebera um antialérgico e tudo já resolvera, 45 minutos aquela trajetória, poeira, vento, e o fedor insuportável das pocilgas. Todo esse contraste fortalecia os olhos esverdeados que brilhavam como lanternas a procura da pedra filosofal. O ônibus parara no patrimônio de Cabuacã, alí todos eram parentes, primo casara com a prima, que era sobrinha do vizinho do vizinho, certo era que todo mundo tinha um vínculo de sangue. Quando o ônibus chegou, houve um cortejo espiando nas frestas das janelas para conhecer o novo casal de namorados. Eles caminhavam por Cabuacã aos passos lentos, sorrindo, ele, cumprimentava timidamente aqueles desconhecidos que pelas ruas vestidos de cowboys, exibiam seus animais, seus chapéus e fivelas que pareciam uma frigideira.

A garota, já acostumada, queria chegar à fazenda caminhando, eram três quilômetros a aventura, e não é que o abestado aceitou, queria parecer-se forte, queria surpreendê-la, assim se fez, começou a trilha, que em minutos parecia procissão, nunca acabava, o rapaz foi mudando de cor, o suor começava a escorrer em seu rosto que mais parecia um pimentão, todo avermelhado. O sol começava a arder. Ela prudente que era, de chapéu, manga longa se protegia, e naquele contentamento a menina se mostrava toda empolgada, o cansaço para ela não existia. De repente, ela tirara um boné, num gesto todo carinhos, colocara sobre o cabelo do urbanizado, água fresca na garrafa e uma sombra; era uma trégua que se abria naquele instante, ele sentara no barranco gramado, e até deixara seu dorso relaxar por alguns minutos.

Passavam carros, motos, carroças, cavalos, cada um que aparecia ali era a esperança de uma carona, mas a jovenzinha, nem sonhava com isso, queria mesmo era curtir o rapaz, naquela caminhada que já estava por exterminá-lo. O mundo desaparecera a frente, nada mais se via, se não pastos, pastos e pastos. Quando surge quase do tamanho de uma fotografia três por quatro, uma porteira branca; ela eufórica mostrava os detalhes da fazenda que sumia de vista. A casa era de dois andares, com muito vidro, jardins, piscina. Mal entrara, fora direto para o banheiro, passava mal, a visão escurecia, ia desmaiar, o vómito, a pressão, o batimento cardíaco estava tudo descontrolado, mas naquele refrescante banho restabeleceu toda sua energia. O fera acabara de descobrir seus limites, mas não sabia que ainda podia superá-lo. Café, rede, descanso, almoço, pomar e balanço, a noite viola cantorias, muita risada, o menino ria até sem entender, ria porque todos riam, pois em nome do amor o mundo novo era conquistado, aprendido, e ela era o universo com qual ele sonhara.

Na manhã seguinte uma surpresa, roupa de peão para ele, vestiu-as e exibiu-se no espelho gigante da parede do quarto, em seguida desfilava pela casa. Camisa xadrez, calça jeans apertada, cinto de couro com fivela em relevo, um panamá todo trabalhado, e a bota com ponta de ferro. Tudo estava fantástico, se não fosse o andar desequilibrado, parecia estar em salto awq21lto, mas logo fora pegando o jeito. O pai da menina olhava aquele ser com indignação, diante de tantos boiadeiros de verdade como podia ir pela contramão, questionava em pensamento.

O novo cowboy nascia na mais hilária da situação. Todos desceram até a mangueira, iam vacinar a boiada, dez peões verdadeiros e projeto, todos estavam lá. Não é que um touro escapou! Não havia que o pegasse, foi horas de peleja, mas o animal estava assustado, se precisasse por nome naquele bicho, certamente seria Ferdinando, no exato momento da dor e da fúria; assim o raquítico ser, o peãozinho estava meio da estrada quando o animal veio a sua direção, o ser minguado, desviou do touro e pôs-se a correr atrás dele, nem Papa-Léguas correria tanto como naquela cena, assim os peões pararam a assistir, foi questão de segundos, sobre aqueles saltos desajeitado alcançou o bicho, e só deu um puxãozinho no rabo do animal e colocou-o no chão, foi tempo dos peões correrem paralisar a fera, o olhos de orgulho garantiram o enlace, mas fora pura tapeação, agora casados, o rapaz não mata nem frango, para pegar um rato uma tempestade, passa o dia inteiro deitado na rede, lembrando e relembrando mil vezes, como herói, conta aos netos, cada detalhe do feito.

Paulo Sergio Barbosa
Enviado por Paulo Sergio Barbosa em 17/07/2018
Reeditado em 17/07/2018
Código do texto: T6392437
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