A Ilha da Morte - Parte VII - O Terceiro Dia
O tempo passava, mas a impressão que dava era de que a noite jamais terminaria.
Sentia-me desconfortado com essa situação pelo fato de não sabermos o que enfrentaríamos a seguir.
Foi nesse instante que Rico e Albert acordaram e viram uma árvore bloqueando nosso caminho. Eles então foram até a clareira para encontrar um caminho alternativo não tendo êxito.
A neblina estava ficando mais densa a cada momento e todos nós acordamos sobressaltados. Era o meio que estava começando a ser afetado pelo desequilíbrio que Gaudrus havia dito.
Myrymia acordou mais agitada do que o normal e devido a esse extremo nervosismo, acabou ficando catatônica com o que supostamente ela viu de tão horripilante.
Por sorte, Baltazar a acalmou com suas palavras, as vezes um pouco ríspidas, mas firmes para aquela situação.
A meia-elfa então juntou alguns pedaços de gravetos e desenhou algumas constelações no chão. Depois se levantou e olhou para o céu vendo um cometa em alta velocidade indo para o leste.
Lembrou-se dos ensinamentos de seu mestre e tomou a frente do grupo nos orientando a ir rumo ao leste onde descobriu um pilar de luz. Era o que precisávamos para seguir em frente e esperar por um dia que nunca raiava chegando ao máximo no lusco-fusco.
No meio do caminho, o rosto de Rico começou a empalidecer. O rapaz sentiu fortes dores no peito e tossia violentamente.
Ajoelhou-se e quase ficou sem ar só não perdendo os sentidos e desmaiando ali mesmo por causa de Albert, que o amparou.
Baltazar começou a preocupar-se com o amigo percebendo que o ambiente começou a afetar sua saúde.
Continuamos andando com Albert ajudando Rico a andar e descobrimos que estamos praticamente sozinhos no mundo.
Nada de animais nem mesmo seres humanos vivos ou escalpelados até a morte.
Chegamos ao pilar de luz seguindo as instruções de Myrymia e paramos para ganhar fôlego e cuidar de Rico.
Graças a magia de Corinna, a saúde de Rico se estabilizou e até por alguns momentos conseguiu caminhar sozinho antes de ajoelhar-se novamente.
Baltazar então sugeriu que Rico ficasse em uma maca próxima do rapaz escalpelado.
Ele agonizava, apesar da sacerdotisa tentar curá-lo de todas as formas, e poderia morrer a qualquer momento.
Foi então que Albert encontrou outra trilha e estava averiguando o local quando ouvimos um bater de asas.
E guinchos assustadores e bastante familiares.
Eram morcegos humanos.
Os mesmos que nos atacaram na Caverna do Horror e mataram o líder do vilarejo.
Vieram em numerosos bandos prontos para investir contra nós.
E transformar o chão da ilha em um mar de sangue.
* * *
Um dos morcegos deu um rasante nas macas e despedaçou o pobre rapaz escalpelado sem piedade, enquanto seus companheiros nos atacavam de várias direções.
Nós nos defendíamos como pode e Albert e Baltazar atacaram o primeiro morcego com um golpe conjunto e fizeram-no recuar para a escuridão.
Cassandra viu outro morcego nos céus que ataca Rico com outro rasante. Ela se atirou na frente dele para protegê-lo sendo agarrada e erguida para o ar.
Ainda assim, reuniu forças para dar uma pancada no peito do morcego que o fez guinchar.
O guincho chamou nossa atenção e Corinna não pensou duas vezes antes de atacar o morcego com um raio de luz que o pegou em cheio e com Cassandra sendo atingida de raspão ganhando um belo bronzeado antes de cair de cara no chão.
Baltazar viu a perna de um terceiro morcego humano e Albert mandou uma flechada certeira no monstro fazendo-o guinchar bem alto dando tempo suficiente para Myrymia liquidá-lo com uma bola de fogo.
Enquanto isso, outro morcego levantou Cassandra novamente para o ar, mas a ladra fez uma de suas loucas piruetas e conseguiu escapar das garras do monstro tempo o bastante para que eu desse um forte golpe o suficiente para atordoa-lo.
Cassandra então acertou um segundo golpe na tentativa de liquidá-lo, mas este se levantou para contra-atacar.
A luta estava bem equilibrada entre a ladra e o monstro até este jogá-la novamente ao chão. Estava pronto para destruí-la quando ocorreu um forte estrondo e um guincho tão violento que a ilha inteira deve ter escutado.
Era Corinna que tinha atingido o monstro com um golpe bem dado na canela, fazendo-o cair e ser definitivamente aniquilado a facadas por uma raivosa Cassandra.
Outros três morcegos humanos deram seus rasantes e atacaram Baltazar e eu. O espanhol chegou a ser agarrado por um deles, mas escapou com um belo giro de costas mostrando uma agilidade incomum para um homem naquela situação.
Eu não tive a mesma sorte. Fui agarrado por outro morcego, erguido por alguns metros e jogado de volta ao chão feito saco de batatas. Ainda zonzo do golpe que levei, nem percebi que outro morcego tinha dado seu rasante e em seguida um chute no meu estômago fazendo-me cair de cara no chão.
Ainda tentava me levantar quando o terceiro morcego, o mesmo que agarrou Baltazar, havia acertado uma garrada no meu rosto e depois me prendido com toda força ao chão pronto para estripar-me quando ouvi uma pancada muito forte.
Era Corinna que havia despedaçado a cabeça do morcego humano com a maça feita por Rico e salvado minha vida.
Quem poderia imaginar que por trás daquela doce sacerdotisa de Meliteli, se escondia uma tremenda guerreira hábil com uma arma tão pesada como uma maça?
E quem poderia imaginar que ela seria capaz de zoar as minhas custas chamando-me de fracote e outras coisas mais?
Pois é. Ela fez isso comigo lembrando-se do incidente com os escudos.
Enquanto Corinna arrumava tempo pra tirar sarro com a minha cara, Baltazar tentava atacar mais um morcego, no entanto a arma caiu de sua mão e se tornou um alvo fácil por causa disso. Lógico que o morcego não se fez de rogado e derrubou o espanhol com um chute no estômago.
Porém, o monstro começou a dançar de dor e caiu agonizando pelas chamas de uma bola de fogo disparado por Myrymia.
Mais três morcegos humanos atacaram Rico e o feriram gravemente. Numa tentativa desesperada e totalmente estúpida de minha parte de salvar Rico de ser aniquilado pelos monstros, eu os atraí só para ser agarrado de novo, erguido para o ar de novo e jogado de novo ao chão tomando um dano considerável.
Cassandra atacou mais um morcego com sua adaga sem resultado prático e Albert finalmente colocou Katherine pra trabalhar mostrando a fama desta “moça adorável”.
Cortou a cabeça do primeiro morcego humano, estripou o segundo com um forte golpe com direito a um giro de costas, matou o terceiro com um golpe que o cortou ao meio e liquidou um quarto com a ajuda do raio de luz de Corinna.
Ainda assim, a batalha estava em um ponto crítico. Mais e mais morcegos humanos surgiam e nos cercavam.
Um deles atacou Rico mais uma vez e outro atacou Cassandra só pra ser cortado pela garganta com gosto pela ladra.
Enquanto isso, consegui levantar com muitas dificuldades e pensava em juntar-me a Albert e a Myrymia quando outro morcego me agarrou, ergueu-me mais uma vez para o ar e mais uma vez jogou-me no chão imobilizando-me no processo.
Estava sem forças pra me levantar e já via aquela bocarra com a baba escorrendo pronta para almoçar um Rashid mal passado quando ouvi um guincho agônico seguido de um baque seco.
Era Albert fazendo mais uma vítima.
E graças a ele, finalmente consegui me levantar.
* * *
O combate seguia encarniçado. Corinna atacou um dos morcegos que conseguiu por milagre se esquivar e Baltazar atacou outro morcego humano que caiu morto com um disparo de besta bem no meio da testa.
Cassandra estava lutando contra outro morcego e a luta estava equilibrada até Corinna disparar um raio de luz fazendo-o torrar até a alma.
Enquanto isso, Myrymia tinha achado uma saída para o leste e resolvemos segui-la mesmo com mais sombras aparecendo por todos os lados e com a lamparina de Rico se apagando aos poucos.
Mas havia um problema.
Albert havia perdido o controle e partido pra cima dos morcegos restantes com uma vontade de matar, cortar e estripar até que seus braços se cansassem e quando isso acontece, tínhamos sempre que resgatá-lo de sua própria raiva.
Lá fomos Baltazar e eu tentar tirá-lo do entrevero que ele mesmo provocou embora Albert já tivesse feito uma verdadeira limpa matando dezesseis atônitos morcegos humanos com golpes, cortes e perfurações na cabeça, tronco e membros sem falar de vísceras partidas e cabeças cortadas ao meio em alguns deles.
E ele poderia ter matado bem mais se Baltazar não tivesse acalmado – quero dizer, intimidado Albert com seus berros tonitruantes capazes de parar a sanguinolência do meu amigo.
Depois de eu finalmente conseguir matar o último morcego humano remanescente com um golpe de fora a fora descarregando toda minha raiva após ter levado uma vergonhosa surra desses monstros, conseguimos enfim sair daquela maldita floresta.
Tínhamos passado por outro desafio, mas sofremos uma perda irreparável.
Baltazar estava chorando pela perda de seu melhor amigo.
Rico estava morto.
Horrivelmente retalhado de fora a fora pelos morcegos humanos.
Não podíamos fazer mais nada por ele a não ser dar um enterro digno.
E rezar para Alá, Deus, Meliteli, ou qualquer outra entidade acolhê-lo bem no outro mundo.
Porém não tínhamos mais tempo para lamentar a morte de Rico.
Porque temos mais um dia para resistir.
E uma ilha para explorar.
* * *
Chegamos enfim a uma bifurcação onde ali tínhamos que decidir onde prosseguiríamos com nossa trilha.
Depois de muito debater, decidimos ir pelo caminho da direita e a escolha foi mesmo a correta porque passamos tranquilamente pela trilha sem grandes sobressaltos.
No final da trilha, encontramos um lago com uma profundidade bastante considerável e ficamos perplexos com as ruínas que encontramos exatamente em uma ilhota no ponto central do lago.
E também com mais sombras vindas da parte norte da ilha, provavelmente mais morcegos humanos vigiando e esperando o melhor momento de atacar.
Pulamos na água e não tivemos nenhum problema pra chegar até as ruínas que pareciam ser de um culto antigo a julgar pelos estranhos desenhos na parede de entrada.
Lá dentro, Cassandra descobriu um alçapão que pelo estado em que se encontrava, havia sido utilizado recentemente.
Resolvemos então utilizar o alçapão e chegamos a um corredor de pedra. Cassandra averiguou o local e não encontrou nem armadilhas e nem emboscadas.
No final do corredor, encontramos outra porta e eu a abri seguindo as instruções de Cassandra.
Era uma sala vazia, mas bem no fundo dela havia outra porta e ali ouvimos estrondosas gargalhadas, como se estivessem comemorando algo.
Abrimos a porta bem devagar e encontramos outra sala vazia semelhante a que estávamos, com a diferença de ter luminosidade na parte esquerda. Na nossa frente, havia uma porta de ferro com uma janela ao lado.
As risadas eram mais intensas e o que vimos ali nos deixou estupefatos.
Era uma enorme sala do tesouro com pilhas de ouro maciço, moedas, joias, diamantes, rubis, safiras e tantas outras pedras preciosas que fica difícil descrever.
No oeste da sala, havia baús e arcas douradas provavelmente cheias de tesouros ao invés de esqueletos de gananciosos mortos como tinha naquela torre.
Mas havia um problema.
Eram bandidos que estavam lá dentro.
E havia um problema ainda maior.
Cassandra estava sorrindo maliciosamente e suas pupilas estavam muito dilatadas e quando isso acontece, é sinal de que a ganância havia tomado conta dela.
Ela pulou a janela e o vidro se partiu.
Mesmo com os comoventes esforços de Baltazar em tentar contê-la, os bandidos nos avistaram.
E para piorar ainda mais as coisas, Baltazar teve que gritar com ela e leva-la quase de arrasto pra fora do alcance dos bandidos que nos cercaram e sacaram suas espadas prontos para acabar conosco.
Albert e eu sacamos nossas espadas e a batalha estava prestes a começar.
Até Myrymia ter a ideia de negociar com os bandidos usando Baltazar como nosso negociador.
Nossa única esperança era de que Baltazar tivesse sucesso nas negociações.
* * *
As negociações seguiam tensas, embora Baltazar usasse toda sua diplomacia para convencer os bandidos que não estávamos atrás do ouro.
Depois de uma áspera discussão, os bandidos exigiram que nós mostrássemos os tais morcegos humanos para que não nos matassem.
Albert bolou um plano bem maluco, mas interessante.
O plano era amarrar um de nós em uma corda para servir de isca aos morcegos que estavam aparentemente na outra margem do rio e precisávamos atraí-los para dentro da caverna.
Sem pensar duas vezes, eu amarrei uma corda em Albert para que este pudesse ajudar Baltazar a capturar um morcego, mas o plano deu errado e quase custou a vida de Albert e de Baltazar devido a corda quase se romper.
No entanto, Myrymia tinha desenvolvido um plano B e que era tão interessante como o de Albert.
Cassandra ficaria de tocaia com Baltazar e eu formando uma parede de escudos a frente com a meia-elfa e Corinna protegendo a entrada junto com Albert.
Descemos as escadarias e fomos á próxima sala com a tensão nas alturas. Não havia mais ninguém no local o que era muito estranho.
Provavelmente os bandidos tenham pegado sua parte do tesouro e fugiram. Mas para onde?
Enquanto isso, Cassandra tentava empurrar uma pilha de ouro que tremeu e desabou como um castelo de cartas. Se Albert não tivesse agido rápido, Cassandra morreria soterrada com todo aquele ouro.
Corinna e Myrymia também desceram e depois usaram seus poderes para ver se tinha magia na sala e nada de anormal ocorreu.
A sala tinha baús e arcas em todos os cantos e no centro estava a pilha de variados tesouros, mas não havia mais nenhuma porta ou janela a não ser da entrada.
Enquanto Albert pegava algumas joias e moedas de um dos baús, o braseiro que iluminava a sala se apagou repentinamente.
Agora entendemos tudo.
Os bandidos não fugiram.
Seus corpos se fundiram em uma terrível e conhecida criatura que pensávamos que nunca mais fôssemos encontrar.
O Horror.
E no lado oposto da sala, ouvíamos uma música familiar.
E uma gargalhada demoníaca e também familiar.
Era Alexander.
E queria sua vingança.
Será que encontraríamos nosso fim nas mãos dessa aliança mortal?
Ou acabaríamos com esses dois de uma vez por todas saindo dessas armadilhas e sendo reconhecidos por todos pelo nosso heroísmo?
Tudo dependia apenas de nossas habilidades.
A prova final estava prestes a começar.