A Ilha da Morte - Parte VI - Baltazar

Acordamos todos nós em camas de campanha ainda atônitos e sem saber o que aconteceu após nossa suposta derrocada.

A primeira vista pensávamos que já tínhamos chegado aos céus sendo cuidados de acordo com os deuses de nossas crenças.

Contudo não tinha ninguém no acampamento exceto as sacerdotisas que nos curaram com seus poderes.

Quero dizer, quase ninguém.

No leito de nossas camas, um homem misterioso nos vigiava de olhos bem abertos, mas parecia estar muito feliz pela nossa recuperação e se identificou como Baltazar.

Pelo seu sotaque, parecia vir do norte da Espanha e só mais tarde nos disse que era de Barcelona. Se viesse da parte sul ou sudoeste do país, provavelmente eu saberia pelo fato dos espanhóis do sul estarem sob o jugo muçulmano, mas isso pouco importava.

O importante é que ele salvou nossas vidas.

Através do relato de Baltazar, ficamos sabendo o que realmente aconteceu. Tudo o que passamos naquela cabana nada mais era do que uma ilusão criada para fazermos desistir da missão e consequentemente do teste.

Um dia tinha se passado e agora faltava apenas dois dias para passar no famigerado teste.

Mal sabíamos que aqueles dois dias seriam os mais longos e tenebrosos.

E que enfrentaríamos uma batalha das mais desesperadoras.

* * *

Baltazar parecia bastante amável conosco e até cedeu um pouco de sua comida para nós.

Ainda conseguimos adquirir novas proteções de couro e malha para substituir os que foram destruídos pelas flechas, embora Albert tenha recuperado sua amada Katherine que estava novinha em folha e ansiosa em procurar novas barrigas para cortar, perfurar e estripar.

Durante nossa refeição, Baltazar falou sobre uma misteriosa criatura que liquidou com todos os habitantes da ilha e também dos tempos difíceis que a humanidade passa com a maldade e a corrupção galopante, bem como confirmar de uma vez por todas que a ilha inteira é uma provação constante.

Um lugar que separa os guerreiros dos manuseadores de armas, os magos dos atiradores de qualquer coisa, os sacerdotes dos charlatões e os ladrões dos pés de chinelo.

Nesse meio tempo, juntou-se outra pessoa ao nosso grupo que Baltazar nos apresentou como Rico, seu melhor amigo e companheiro de viagem.

Feitas as apresentações, decidimos seguir em frente.

No meio do caminho, encontramos algo aterrador.

Era um cadáver cuja pele foi extirpada do corpo e a julgar pelas marcas estava em adiantado processo de decomposição.

De acordo com os preceitos cristãos, embora eu não seja muito afeito a isso, tínhamos que sepultá-lo e fizemos isso não sem antes Albert, Cassandra e eu vomitarmos até as lombrigas. Já Corinna e Myrymia mostraram ter um sangue-frio e um estômago forte pra esse tipo de coisa.

Continuamos andando e Albert pisou em algo bizarro. Era outro cadáver escalpelado e nele estavam amarrados quatro bonecos.

Que tinham as feições de Corinna, Cassandra, Myrymia e Rico.

Os mesmos bonecos de Albert e eu.

* * *

Myrymia começou a desconfiar de Baltazar pelo fato de não ter nenhum boneco dele e também por achar que nos levaria para outra armadilha como Alexander fez naquela torre infernal.

E eu me perguntava o que Baltazar era de fato pra nós. Seria um inimigo ou um aliado?

Ele poderia muito bem nos trucidar facilmente com a ajuda de Rico, levar todos os nossos equipamentos e nos deixar apodrecendo insepultos como aqueles cadáveres, mas então se a intenção dele era mesmo essa, por que se daria o trabalho de nos salvar de sermos mortos por aquelas ilusões?

Meus pensamentos foram interrompidos por risos e gritos lancinantes de dor.

Tínhamos dado de cara com dois bandidos que tinham acabado de escalpelar outro pobre coitado e estavam prontos para nos atacar.

E aceitamos o desafio deles.

* * *

Cassandra tentou um ataque-surpresa contra os bandidos, mas falhou e passou por entre os dois quase batendo de cara numa árvore.

No entanto, a distração ocorrida pelo ataque de Cassandra deu tempo para Albert e Rico dispararem suas flechas tendo o primeiro morrido com um disparo bem no meio da testa e o segundo gravemente ferido no peito que cuspia sangue e agonizava feito um cavalo próximo do sacrifício e como uma boa ladra que se preze, Cassandra “sacrificou” o bandido com um golpe de adaga bem dado na jugular.

Paramos para acampar e Cassandra saiu a fim de averiguar o local encontrando mais daqueles famigerados vultos nos espionando.

Enquanto Albert dormia, Corinna e eu encontramos um casal de exploradores vindos da Normandia que estavam pesquisando sobre uma civilização perdida a milhares de anos e usariam as antigas ruinas como ponto de partida para a exploração.

Falaram também sobre o amigo deles que tinha salvado a mulher de um ataque dos bandidos e morrido nas mãos deles.

Era aquela cena que tínhamos visto quando passávamos pela floresta e aqueles bandidos eram os mesmos que tinham sido mortos por nós.

Enquanto isso, Baltazar e Rico estavam preparando uma deliciosa sopa para o jantar e o cheiro realmente era agradável.

Mas as coisas começaram a mudar de forma repentina.

Mal tinha terminado de registrar as nossas peripécias e estava a caminho de pegar um prato para comer a sopa quando ouvi gritos e percebi uma estranha movimentação.

Era Corinna.

Tinha detectado veneno na sopa.

E Baltazar estava caído de bruços.

E o casal tinha sacado adagas de seus bolsos prontos para atacar.

Era uma cilada.

E Albert dormia profundamente.

Corinna havia sido esfaqueada duas vezes, com o segundo golpe abrindo seu antigo ferimento e fazendo-a ficar sentada com as costas em uma das árvores.

Só sobraram Myrymia e eu para enfrentar o casal de assassinos.

* * *

O casal de assassinos atacaram e nós resistíamos o quanto podia enquanto Myrymia tentava desesperadamente acordar Albert para que nos ajudasse.

Nem foi necessária essa atitude, pois Albert foi acordado com um forte chute do homem em seu peito.

A situação estava bem difícil e o “inocente” casal seguia nos atacando.

No entanto, nossa sorte começou a mudar assim que Cassandra se posicionou em um local apropriado para mandar um tiro de sua besta.

Enquanto isso, eu tinha conseguido perfurar o estômago da mulher com um golpe certeiro e pra minha surpresa ela nem sentiu o golpe nem tampouco saiu uma gota de sangue do corpo.

Foi o suficiente para que o homem desistisse de Albert e partisse pra cima de mim pronto pra decapitar-me quando um zunido veio seguido de um choque.

Era Cassandra.

Seu tiro foi certeiro e cravou-se nas costas dele fazendo-o ficar atordoado.

Albert tentou resolver tudo na base do Golpe Decapitador, mas errou feio passando pelo meio dos dois e levando dois golpes de adaga em suas omoplatas.

Felizmente foi só de raspão e Albert teve sorte em não morrer.

Mas para alguém que já resistiu a golpes piores do que esse nu e desarmado, isso foi só um mísero arranhão.

O homem tentou atacar-me com tudo o que tinha e desta vez trespassei com vontade o miserável que acabou virando palha assim como a mulher que Myrymia havia liquidado com sua própria adaga.

Depois, uma já recuperada Corinna descobriu que o veneno da sopa veio de uma das raízes que Baltazar havia colhido na floresta.

Com a morte desse casal de assassinos, todos os bonecos de palha foram destruídos para nosso alívio.

Baltazar já havia sido curado por Corinna e todos nós exigimos uma explicação do porque dele estar na ilha e qual sua motivação.

Ele explicou que foi até a ilha em busca de seu filho que havia sido levado pelos Asarteri na Espanha para supostamente treinar suas habilidades especiais e ele havia partido junto com seu melhor amigo Rico para encontrar alguma pista sobre seu paradeiro.

De novo Asarteri.

Outra vez essa organização levou um inocente.

Muitas perguntas e nenhuma resposta.

Cassandra se juntou a nós na fogueira falando que já tinha desconfiado desse suposto casal de pesquisadores que só queriam ficar ao lado do amigo escalpelado, mas na verdade não chegaram nem perto do moribundo.

Baltazar se ajoelhou na frente do moribundo, e este em suas últimas forças, disse que foi surpreendido por feiticeiros que viraram palha após escalpelá-lo.

Quando pedimos mais informações, o coitado desmaiou.

Myrymia, entretanto, tinha uma ideia em mente.

Ela entregou uma poção de vigor a Cassandra para que esta fique alerta e vigilante a qualquer movimento suspeito.

A ladra seguiu a risca o conselho da meia-elfa e continuou sua vigília enquanto todos dormiam.

Quero dizer, quase todos, porque eu já havia perdido o sono preocupado com tantos mistérios.

Bonecos de palha, escalpos constantes, assassinos e muita feitiçaria.

E especialmente Baltazar.

Ao menos, dá pra entender os motivos dele ter entrado na ilha da morte.

O segundo dia do teste havia terminado e o terceiro dia estava prestes a começar.

E com ele a parte mais difícil do teste.

No entanto, tínhamos de superar isso para resolver todos estes mistérios.

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 30/05/2018
Código do texto: T6351010
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