1049-O DINAMITADOR - 1A. PARTE
Era um “pássaro fora do ninho” entre os companheiros. Conhecedor de seus liderados, o Chefe tinha sua opinião com convicção, quando dizia:
— O Micha é tão idiota que chega a ser retardado. Se não fosse sua habilidade em lidar com dinamite, não estaria na nossa turma.
Turma, no caso, era uma quadrilha de vinte e três bandidos especialistas em assaltarem agencias bancárias no interior do país. Sempre com sucesso, pois atacavam em massa, usando dois carros e uma camioneta, também roubados por outra quadrilha, adquiridos com o produto de roubos, naturalmente.
Atacavam de madrugada cidades do interior, onde o efetivo policial era de, no máximo, quinze homens, com armas impotentes ante os fuzis dos quadrilheiros. Quando os policiais chegavam, eles já tinham feito a limpeza de dois, três ou até cinco estabelecimentos bancários.
Micha, assim apelidado devido ao seu nome complicado Máique Jáquison da Silva. Diferente do artista cujo nome fora copiado e adaptado para o brasileiro pelo tabelião, era branco, muito claro, pequeno, quase franzino, e em tudo diferente dos demais companheiros de quadrilha. Não era de índole má, pelo contrario, era inocente e singelo, acreditava em tudo o que lhe diziam, não questionava nada, obedecia sem pestanejar. Habilidoso e corajoso: preparava um feixe de bananas de dinamite em segundos,conferia com cuidado e corria a tempo de estar bem longe quando tudo explodia, mandando para os ares vidros, barras de ferro e portas de cofres, se necessário.
Então aconteceu um imprevisto quando atacaram a cidade de Passos, no sul de Minas Gerais, numa noite quieta de inicio do outono. Alguns policiais chegaram antes que eles terminassem o “serviço” do terceiro roubo, a agência da CEF. Houve troca de tiros e no entrevero o Micha (mais claro e visível que os outros camaradas) recebeu um tiro na coxa.
Foi um raspão, mas a dor e a visão do próprio ferimento deixaram Micha paralisado e só conseguiu escapar graças à ajuda de dois companheiros.
A camioneta que os conduzia teve de ser abandona quando entrou numa matinha, o pneu furado pelos tiros dos policiais.
— Dispersar todo mundo! Rápido! Agora é cada um por si, a fim de despistar a polícia. – Gritou o que dirigia o veículo.
Num ápice, os bandidos sumiram no mato. Micha mancava e caiu logo que entrou no mato. Os dois amigos que o haviam socorrido na cidade, continuaram com ele.
—- Durango, vamo ajudá ele, senão a policia pega ele, e aí, já viu, né? Ele vai dar o serviço sem muita tortura.
— Melhó apagá ele agora.
— Que isso, sô! Nois só somo assartante, num somo criminoso de matá, não! Vai, pega ai no braço de lá que eu pego no outro de cá.
Com muita dificuldade embrenharam na mata e conseguiram se safar da perseguição. Micha deixou de gemer e quando pararam para descansar, já não reclamava do ferimento na coxa.
Durango, que tinha mais iniciativa, rasgou uma faixa da beirada inferior de sua camisa e amarrou em cima do ferimento.
— Se a gente tivesse qualquer coisa prá por nessa ferida... Vinagre, limão, sei lá...
Deitaram-se como puderam e descansaram. Micha resfolegou a noite toda, enquanto Durango e Beto se alternavam na guarda. Na manhã seguinte não puderam prosseguir na fuga. Estavam a uns cem metros da borda da mata e um helicóptero circulava baixo, rondando a região, a ver se via algum dos bandidos que estava na camioneta.
— Xí, vamos ter que ficar escondidos aqui ou vão pegar a gente.
Sofriam fome, sede, mordidas de mosquitos, medo de cobras e outros bichos peçonhentos. Eram homens de favelas, sem nenhuma experiência com a vida na mata.
Com cuidado, Beto se arrastou até a borda da mata cerrada. Além estendia-se um carrascal de arbustos e capim alto a perder de vista. E no meio do entrelaçado de trepadeiras e galhos baixos, eis que viu um limoeiro. Limão capeta, carregadinho de limões maduros, cor de laranja forte.
— Porra, um pé de limão! Vou levar alguns, o Durango disse que é bom pra ferida na coxa do Micha.
Com cuidado, fuzil à tiracolo, escondendo-se como podia entre as touceiras de capim e os emaranhados de lianas, chegou ao pé e apanhou uma dezena que colocou nos bolsos e na sacola que todos os bandidos levavam, para guardar armas pequenas e munição.
A barriga roncava de fome. Antes de iniciar a volta, pegou o canivete, cortou um limão e tento chupar.
A careta que fez ninguém viu. Mas os palavrões...
— Putaquepariu! Que porra de limão azedo é esse? Isso vai é matar o Micha.
Quando chegou, colocou os limões no chão e disse:
— Esses limão vai matar o Micha.
— Que nada. Vai ajudar a fechar a ferida.
Enquanto falava, Durango cortou um limão e deu uma lambida.
— Putamerda! Num é que é azedo mesmo. Mas quando mais azedo, melhor.
Continuou falando:
— Limão é bão prá tudo. Vai ti curar em dois tempos, Micha. E sabe que limão também é uma fruta misteriosa?
— Misteriosa cumo?
— Meu avô Belarmino dizia que se arguem pegar o cardo do limão e passar no corpo fica invisível
— Cê já experimentô? — Perguntou Beto.
— Eu não. Mas o que o véio falava, era batata. Ele sabia de coisa de índio, de preto véio, essas coisa que ninguém exprica.
Micha estava deitado, meio acordado, meio desmaiado.
— Sigura ele, que vou tirá o pano e pingá o limão.
Beto bem que tentou segurar Micha, e mesmo tapar sua boca, quando ele esperneou e deu um berro que ecoou mata adentro.
Depois do berro, um silêncio mortal desceu entre os três. Micha estava com os olhos arregalados, ainda sentindo o ardume na ferida.
— Será que arguem escutou?
— Sei não. Foi arto e forte.
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Não muito longe dali, um menino que atalhava pelo meio da mata a fim de chegar mais depressa na fazenda, com a notícia do ataque da madrugada na cidade, ouviu o grito e falou consigo mesmo:
— Virge Santa Maria! Que grito foi esse? De ser de algum bicho que não conheço.
E disparou a correr na direção da fazenda.
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A SEGUIR: O DINAMITADOR- 2ª.PARTE
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 12 de Abril de 2018.
Conto # 1049 da Série INFINITAS MILISTÓRIAS