A criatura dourada
Em uma terra muito distante, se encontrava uma floresta isolada das
demais civilizações, poucas pessoas se arriscavam a entrar, exceto os caçadores mais
corajosos, que iam em busca de aventuras ou sustentar a família por meio
da caça de animais. com árvores de troncos grossos,
folhas grandes e espeças, com uma coloração verde escura, a floresta
possuía um ambiente sinistro e pouco atrativo.
Porém, de uns tempos para cá, a floresta se tornou alvo de grandes
especulações. Um velho caçador dizia que havia visto um animal
totalmente distinto de todos, era uma criatura dourada cujo os olhos eram
azuis, como a água do mar refletindo o céu.
- Quem o enxergar, vai ficar encantado, afirmava o velho.
Não demorou muito para essa notícia se espalhar
pelas cidades e povoados. Caçadores de todo o mundo começaram a montar
barracas fora e dentro da floresta.
Conforme o tempo passava, mais relatos surgiam sobre a criatura. Uns
diziam que a pele do animal era de ouro, outros falavam que com sua pele
nem uma bala de espingarda conseguiria transpassar. O desejo de
captura-lo crescia cada vez mais. Todos sabiam que o caçador que
realizasse tal façanha seria muito rico.
Todos empenharam o máximo para capiturá-lo. Colocaram armadilhas;
vigiavam dia e noite. Porém, o muito que conseguiam ver era um clarão
dourado. Ninguém conseguia calcular a velocidade da criatura, os mais
ousados sugeriam que era comparado a velocidade da luz. Meses após meses
transcorreram sem nenhum resultado positivo para os caçadores. Pelo
contrário, estavam gastando tempo e dinheiro nessa empreitada que não
resultava em nada. Alguns desistiram, não podiam mais desperdiçar
dinheiro. Porém, outros continuaram insistindo na captura, a ideia de
possuir grandes riquezas era um atrativo muito forte. Fora que, todos
sabiam que o autor da captura, iria se tornar uma lenda no mundo todo.
Após um longo período de tentativas até mesmo os mais bravos caçadores
se desanimaram e seguiram suas vidas. Mas sempre esteve na mente dos
homens essa história, sendo passada de geração a geração. No século XXI
a maioria da população acreditava ser meramente um mito criado para
divertir as crianças, afinal de contas se realmente existisse tal
criatura com a tecnologia atual seria facilmente detectada.
Felipe era um jovem curioso amante dos computadores, gostava
bastante de ficar navegando na internet adquirindo conhecimentos. Além
disso, amava ler livros de fantasia e de super heróis, sempre quando era
lançada uma revista de quadrinhos do seu personagem favorito insistia
para seus pais comprarem. Estava na sétima série e frequentava a única
escola da comunidade, sempre reclamou por morar em um lugar remoto.
Quando precisava comprar alguma coisa eletrônica era necessário
percorrer 40 quilómetros para chegar em Manaus. Porém, não poderia
reclamar da vida que levava, seus pais eram médicos e davam uma vida bem
confortável podendo comprar tudo o que desejava. Já o seu vô que beirava
80 anos trabalhou duro para proporcionar uma vida boa para seus filhos,
havia seguido a tradição da família e era um dos maiores caçadores que
já existiu.
- Que prova mais difícil cara, comentou Gustavo se aproximando. Felipe
estava sentado no pátio da escola observando os passarinhos nas árvores
e maravilhado com a natureza.
- Nem achei mano, respondeu ele dando de ombros.
- O que você colocou naquela do maior mamífero do mundo?
- Baleia-azul, disse Felipe.
- Droga, falou o seu amigo. - Coloquei que era o leão.
- Mano o que você fica fazendo nas aulas de ciências? disse Felipe
lançando um olhar em sua volta. Notou a presença da garota que lhe fazia
sentir borboletas no estômago quando estava perto, era uma menina tão
linda e doce, seus cabelos dourados como o sol caiam graciosamente em
seus ombros, o rosto delicado como uma bétula de rosas sempre estava
sorridente.
- Vai perder o olho de tanto olhar para a Jéssica, falou Gustavo entre
risos.
- Cala boca, respondeu o adolescente ficando vermelho.
- Po cara, quando vai chegar nela?
Felipe ficou quieto tentando se concentrar em outra coisa, mas aquele
sorriso era hipnotizante.
- Todos já sabem que ta afim da Jéssica, acho até que ela mesma já sabe,
insistiu Gustavo.
- Enfim cara, não é bem assim. Disse Felipe pensativo, nunca havia
namorado de verdade, apenas tinha dado o seu primeiro beijo na quinta
série e tinha sido bem esquisito.
- Bom, se você não fizer isso outros vão fazer.
- O que vai fazer no final de semana? perguntou Felipe querendo mudar de
assunto.
- A mesma coisa de sempre, dormir até tarde e jogar vídeo game, se
quiser pode passar lá em casa.
- Estava pensando em fazermos algo mais divertido do que isso, falou
Felipe animadamente.
- Tipo o que?
- Se lembra da lenda da criatura amarela?
- A claro, falou Gustavo retirando uma maçã da sua mochila. - Seu avô só
sabe falar disso.
Felipe recusou a maçã quando seu amigo ofereceu.
- Já imaginou se fosse verdade mesmo? deve ser um animal muito bonito de
se ver.
- E quem capturar fica muito rico, falou Gustavo com a boca cheia.
- Que tal explorarmos a floresta para ver se encontramos? perguntou
o adolescente.
- Seria legal mesmo, admitiu Gustavo.
- Ta decidido então, você dorme na minha casa e amanhã fazemos isso.
Assim que Felipe falou o sinal soou para mais três aulas entediantes.
A sua casa não era muito longe da escola, quando se morava em uma
comunidade de 3 mil habitantes tudo se tornava próximo. O sol batia em sua
cabeça o castigando com o calor do meio-dia, mas como era sexta-feira
não se importou com isso. Estava feliz porque poderia dormir até tarde
amanhã e também o fato da aventura na floresta o animava.
- Oi, disse uma voz doce e suave. Felipe deu um pulo de susto e se
surpreendeu quando viu Jéssica caminhando ao seu lado.
- Eae, você vai como como vai, falou o garoto rapidamente se atrapalhando nas
palavras.
- Desculpa, não entendi, falou ela sorridente. Felipe estava
envergonhado e irritado consigo mesmo, certamente ela o achava um
pateta.
- Como vai você? ele conseguiu dizer por fim.
- Estou ótima, tirando esse calor insuportável.
- Verdade, concordou o adolescente. Os dois eram vizinhos mas nunca
haviam voltado para casa juntos, pois ela sempre andava com um grupo de
amigas.
- Fácil a prova da professora Adriane, né? comentou a menina.
- Bem fácil mesmo, era só decorar a lista de exercícios que ela passou.
Os dois dobraram a esquina e o garoto desejou que morassem mais longe.
- Você quer ser médico igual seus pais?
- Não sei, admitiu Felipe. - Acho que não pensei muito nisso ainda, mas
gosto muito de computadores e essas coisas eletrônicas.
- Fiquei sabendo que você tem um iPhone, falou Jéssica admirada.
- A é, ganhei de aniversário. Os dois pararam quando chegaram na casa do
Felipe.
- Posso te mostrar se quiser o celular, disse o adolescente feliz com
essa possibilidade de aproximação, em sua mente criativa já imaginava os
dois passando várias tardes juntos, a menina se apaixonando e quando
fossem adultos estariam casados.
- Eu gostaria muito, falou Jéssica alegremente.
- Vou ter a tarde livre, falou o garoto.
- A que pena, vou precisar ficar cuidando do meu irmão.
- A... Pode ser outro dia quando estiver disponível então, falou Felipe
tristemente.
- Bem, obrigada. Nos vemos segunda, falou Jéssica caminhando para sua
casa. O jovem ficou admirando a menina por algum tempo e logo entrou.
Apesar de não ter conseguido marcar um "encontro" na sua casa estava
feliz por ter conversado com ela. Na maioria das vezes o máximo que se
falavam era para cumprimentar ou em trabalhos que faziam juntos. Almoçou
com seu vô e relatou a pequena aventura que pretendia fazer.
- Toma cuidado meu garoto, nenhum caçador do mundo conseguiu se
aproximar desse animal, só viram brevemente. O seu vô falava com uma voz
rouca e de vagar, tomava remédios e se exercitava muito e
conseguia manter uma boa saúde. O adolescente passou sua tarde fazendo
algumas tarefas da escola que estavam acumuladas, Gustavo chegou por
volta das 6 da noite, ficaram jogando vídeo game e planejando a
exploração na floresta até tarde.
- Melhor irmos dormir, falou Felipe bocejando. - Amanhã teremos um dia
cansativo.
Pela manhã Felipe acordou e checou o horário e ficou surpreso quando
viu que era nove horas. Levantou, fez sua rotina matinal e estava
pronto meia hora depois. Acordou Gustavo e enquanto o amigo tomava banho
ele foi para cozinha preparar sanduíches. Nesse final de semana seus
pais iam fazer plantão no único hospital da comunidade. Bem,
estava longe de ser um hospital de verdade, mais parecia com um posto de
saúde que atendia emergências, quando a situação era grave encaminhavam
para Manaus. Encontrou seu vô sentado na mesa lendo um jornal e tomando
café preto.
- Já fez sua caminhada vô? perguntou Felipe enquanto colocava os pratos.
- Já sim meu garoto, disse ele fechando o jornal.
- Como está o dia? falou Gustavo entrando na sala de jantar.
- Esqueceram os bons modos? observou o seu vô. - Primeiramente bom dia.
Os dois deram bom dia em uníssono.
- Faz um belo dia sim, falou o idoso enquanto os dois tomavam café.
Felipe não ofereceu os sanduíches porque já sabia que seu vô já havia
comido antes da caminhada. Depois que terminaram lavaram a louça e foram
preparar os itens de sobrevivência na floresta. Gustavo havia pégo
emprestado uma barraca do seu tio caso eles fossem passar a noite.
Levaram lanternas, cordas, Felipe havia lido uma vez que sempre era bom
andar com uma corda porque dava para fazer muitas coisas com ela. Além
disso colocaram nas mochilas garrafas d'água, fósforos, uma bússola, um kit de
primeiros socorros, sanduíches e também barras de cereais. Nos bolsos estavam
carregando canivetes afiados. Depois de tudo pronto deram tchau para o
seu avô e foram desbravar o mundo.
Fazia um dia bonito, o céu estava azul sem nenhuma nuvem para
impedir o sol a brilhar. Deveria estar uns 25 graus mas tinha um vento
que refrescava deixando uma temperatura amena. Passaram pela casa da
Jéssica e Felipe lançou um olhar tentando ver a menina em uma das
janelas.
- Fiquei sabendo que ela foi viajar com a Sandi.
- Foram pra onde? questionou Felipe.
- Manaus é óbvio, onde mais iriam? seguiram o seu trajeto
silenciosamente até atingirem os limites da comunidade. O local era
rodeado por uma floresta densa com árvores com troncos grossos e
resistentes, a única entrada e saída da comunidade era uma estrada que levava para
a capital.
- Vai começar a aventura, anunciou Felipe animadamente. Estava se
sentindo um pesquisador a descobrir novas coisas. Com as mochilas nas
costas e usando um boné para proteger do sol e dos galhos adentraram uma
das maiores florestas do mundo que ainda existia. No início não tiveram
grandes dificuldades para caminharem entre os troncos, havia bastante
espaço para dois passar. Conforme iam penetrando as árvores ficavam cada
vez maiores e com as folhagens grossas e espeças. Felipe percebeu que a
luminosidade do sol estava diminuindo.
- Melhor descansarmos um pouco, sugeriu Gustavo com a respiração pesada.
Os dois percorreram por quase duas horas a floresta. Felipe concordou e
se sentaram ao pé de uma árvore usando o tronco de apoio para as costas.
Tomaram um pouco de água e Felipe escutava galhos se quebrando, coisas
se movendo e passarinhos cantando.
- Meio assustador né? confessou o adolescente.
- Um pouco, imagina de noite, falou Gustavo. Felipe usou a bússola para
se situar na direção certa. Depois de meia hora levantaram e seguiram
caminho. Felipe estava atento a tudo e ansioso para ver alguma coisa
dourada. Começou a ouvir algum animal se aproximando. Medo e esperança
mesclaram dentro de si, mas logo se decepcionou quando viu que era um
coelho.
- Vai ver é lenda mesmo isso cara, comentou Gustavo suando. Os dois
acenderam as lanternas, pois a luz do sol já não conseguia passar pelas
folhas. Cada passo que davam avançavam mais e ficava mais difícil de
caminhar, Felipe já estava com o braço todo arranhado e alguns pequenos
cortes. Fizeram outra parada e devoraram os sanduíches, sabiamente
Felipe sugeriu não comerem tudo agora e guardar para mais tarde. O
garoto se surpreendeu quando olhou no relógio de pulso que já ia ser 19
horas da noite.
- Será que não é melhor voltarmos? falou Gustavo com um tom de medo na
voz.
- Agora que estamos aqui vamos até o final.
- Nossos pais vão ficar preocupados, disse Gustavo.
- Os meus só vão voltar amanhã, e os seus vão pensar que você decidiu
ficar outra noite lá.
- Tem o seu avô ainda, argumentou o seu amigo.
- Provavelmente ele não vai se importar, deve pensar que dois garotos
conseguem sobreviver sozinhos em uma floresta. Caminharam mais um pouco
e encontraram uma clareira. Felipe achou que era o melhor lugar para
armarem a barraca e passarem a noite, os sons da floresta agora eram
diferentes. Coisas se moviam ainda, galhos se quebrando mas sem o canto
dos passarinhos e com o clima da noite tudo ficava mais sinistro.
Gustavo concordou com a ideia e rapidamente ergueram a barraca de lona.
Não era uma das melhores mas também não era ruim, o tecido era bem
grosso e toda fechada. No teto tinha um suporte para prender uma
lanterna e foi o que fizeram, assim conseguiam iluminar todo o
ambiente. Com medo da luz chamar muita atenção Gustavo foi verificar se
dava para ver do lado de fora, informou que era imperceptível a luz da
lanterna, Felipe ficou satisfeito com isso. Jantaram o resto dos
sanduíches e decidiram ficar vigiando para nenhum animal selvagem atacá-los, Gustavo ficou com o
primeiro turno. Felipe fechou os olhos e não demorou muito para
adormecer,
teve sonhos conturbados e agitados. Quando seu amigo o acordou as três
da manhã parecia que havia passado apenas segundos. O adolescente estava
impaciente enquanto Gustavo dormia, queria agir, queria fazer algo.
Furtivamente saiu da barraca e tomou o máximo de cuidado para não
despertar Gustavo. Acendeu sua lanterna e ficou observando ao seu redor.
A floresta estava silenciosa demais agora, e ele concluiu que isso era
mais apavorante do que os barulhos. A sensação que possuía era que além
do alcance da luz da lanterna havia algo espreitando pronto para atacar.
Os mosquitos faziam a festa no seu corpo, arrependia-se por não ter
lembrado de trazer um repelente. Quando amanheceu seu corpo estava cheio
de marcas de mosquito. às 8 horas acordou Gustavo e
comeram algumas barras de cereais e tomaram água. Desfizeram a barraca e
continuaram a avançar. Após percorrerem uma hora na escuridão da
floresta viram a luz do sol mais adiante. A princípio Felipe achou que
era outra clareira, mas conforme iam se aproximando notou que não se
tratava disso. Escutou som de água correndo e ficou feliz ao imaginar
uma cachoeira. Quando saíram da escuridão se confirmou seus pensamentos,
perante os garotos estava uma linda cachoeira com uma água cristalina.
Caminharam mais e os garotos perceberam rochas bem trabalhadas e
bonitas.
- O que é aquilo? gaguejou Gustavo. Felipe olhou para onde seu amigo
apontava e abriu a boca de surpresa. O que os seus olhos estavam
vendo não parecia ser algo desse mundo, era muito belo e majestoso. Em
um campo com um gramado baixo se encontrava um garanhão com a pelagem
dourada como o ouro, sua postura era rígida e seus músculos fortes como
um touro. ergueu a cabeça do capim onde estava se alimentando e
os dois puderam ver aqueles olhos azuis, tão azuis como o céu que
pairava a cima deles.
- Nossa, disse Felipe admirado. Nunca tinha enxergado algo tão belo e
magnífico, se os cavalos tivessem um rei com certeza seria esse animal.
Com as suas patas potentes começou a vir na direção dos dois. A princípio
Felipe ficou com medo, não sabia se era feroz ou selvagem. Mas ao mesmo
tempo estava maravilhado contemplando a criatura bela.
- Tudo bem com vocês camaradas? falou uma voz grave e profunda. Felipe
deu um pulo de susto e lançou um olhar em sua volta, certamente algum
caçador estava por perto mas viu ninguém. Novamente aquela voz soou:
- Ficaram mudos ao me ver camaradas?
Felipe fitou novamente aquele animal e lentamente seu cérebro começou a
processar a informação, aquela voz estava vindo do garanhão. O garoto
procurou sua voz e finalmente conseguiu dizer:
- Oi, tudo bem? me chamo Felipe e o meu amigo Gustavo.
O animal olhou profundamente, parecia conseguir ver a alma.
- O que dois jovens garotos fazem aqui? não deveriam estar com seus
pais?
- Viemos procurar você, disse Gustavo pela primeira vez.
- Eu? perguntou o animal se mexendo.
- Queríamos ver como você era, contou Felipe. - Na nossa comunidade onde
moramos tem uma lenda sobre uma criatura dourada, e o meu avô era
caçador e acreditava nisso. O garanhão relinchou e empinou as patas da
frente se erguendo chegando aproximadamente dois metros de altura, os garotos
foram para trás com medo daquela criatura forte e maravilhosa. O cavalo
voltou na sua posição normal e falou:
- Não gosto de caçadores camaradas, no passado tive muitos problemas com
eles. Infelizmente os humanos não sabem apreciar e preservar as coisas
belas, querem ter mais e mais dinheiro e fama e por isso fazem de tudo
para consegui-los não importando se vai prejudicar um outro ser.
- Verdade, concordou Felipe. - Mas nós não somos assim, não somos
caçadores.
- Sim, sim, disse a criatura dourada. - Se fossem não estariam me vendo
agora.
- Porque permitiu isso? perguntou Gustavo hipnotizado com a beleza
daquele animal.
- Notei que eram jovens que não estavam em busca de tesouros, não
queriam me matar. Pelo canto do olho Felipe viu Gustavo se mexer
desconfortável, lembrou quando o seu amigo havia comentado sobre ficar rico.
- Qual é o seu nome? perguntou Felipe.
- Me chamo Ragnar, respondeu o garanhão.
- Como sabe falar a nossa lingua? e como você fala? questionou Gustavo.
- Bem, a muito tempo estou vivendo na superfície e aprendi a linguagem
daqui, também não é tão difícil assim.
- Onde você morava antes? perguntou Felipe.
- Morava embaixo d'água.
- O que?! exclamou o garoto. - Mas é impossível, só se você é um anfíbio
mas mesmo assim...
- Não garoto, não moro na água mas sim abaixo dela.
Felipe ficou sem saber o que dizer. Não conseguia imaginar uma sociedade
vivendo dentro da terra.
- Se quiserem conhecer a minha terra posso levá-los. Felipe e Gustavo
trocaram olhares e concordaram em silêncio. Já que estavam ali iriam
até o final para ver onde que isso daria.
- Queremos, respondeu Felipe. O garanhão inclinou-se e ordenou que
montassem nele. Felipe foi o primeiro e ficou apreensivo quando segurou
no pelo dourado do animal, com muito cuidado para não machucá-lo subiu
em cima. Logo em seguida Gustavo seguiu o seu exemplo.
- Nós vamos entrar na água, anunciou Ragnar. - Segurem firme em mim e não
tenham medo de fazer isso com força.
- Mas nós vamos morrer afogados, protestou Gustavo.
- Vou ser tão rápido que não vai dar tempo para isso acontecer. Confiem
em mim. O cavalo começou a galopar em uma velocidade incrível, entraram
na água como uma bala. Felipe segurou com força na crina e trancou a
respiração. Conseguiu manter os olhos abertos e enxergava um borrão
dourado e tudo azul. Viu um vidro se abrindo, era o que parecia e logo a
água que rodeava sumiu, tocaram em terra seca. Os garotos respiraram
aliviados. Felipe lançou um olhar e percebeu que estava em um campo
vasto, ergueu seu olhar e viu um azul como o céu. Concluiu que era a
água da cachoeira.
- Não deveria ser escuro? questionou Gustavo.
- Não, respondeu Ragnar. - A cachoeira tem pouca profundidade e a luz do
sol ilumina a água, que por sua vez permite que aja luz aqui.
Como um relâmpago o garanhão atravessou o campo e chegaram em uma
estrada. Os jovens notaram que haviam cavalos de outras cores, Gustavo
apontou para um que era todo azul e os olhos verdes. Muitos deles vieram para
investigar os estrangeiros e falaram entre si em uma outra lingua que os humanos
não compreendiam. Depois Ragnar explicou que estavam perguntando porque
os dois estavam ali e se não eram perigosos. O cavalo dourado seguiu a
estrada de chão batido e os garotos viram vários tipos de animais soltos
e convivendo entre si. Felipe ficou de boca aberta quando viu um leão
laranja
brincando com um touro vermelho. Chegaram em uma praça e os dois quase
caíram do cavalo quando enxergaram um dinossauro, o réptil tinha o
cumprimento de um prédio de 30 andares e a largura era proporcional ao
seu tamanho. O animal olhou para eles curioso e depois de um tempo se
entediou e mudou de direção.
- Esse é o único dinossauro que restou, comentou Ragnar tristemente. -
Quando o meteoro caiu na terra encontramos ele ferido e quase morto, mas
conseguimos trazer pra cá e ajudamos a recuperar.
- Mas isso já faz o que milhões de anos atrás, comentou Felipe
embasbacado.
- A esses animais tem uma vida muito longa, explicou Ragnar. - Mas
realmente ele já é um dinossauro idoso, e vai viver provavelmente mais quinhentos mil
anos.
Os dois estavam sem saber o que falar.
- Bem, falou Ragnar retornando por onde vieram. - Está na hora de irem
para casa.
- Não, queremos ver mais por favor, pediu os dois.
- Infelizmente não vai dar, o lugar de vocês não é aqui e jamais um
humano pisou nessas terras. Nós vivemos pacificamente entre nós, mas vão
começar a estranhar dois garotos ficando tempo demais. Ragnar acelerou e
em pouco tempo estavam no campo diante uma escada.
- Segurem firme, avisou Ragnar se erguendo. O garanhão tocou o vidro
que no campo ficava baixo e a água começou a entrar, como um relâmpago o
garanhão fechou e subiu para superfície. Atravessaram a água e a floresta e
pararam quando estavam próximo dos limites da comunidade. O cavalo Inclinou e os
dois desceram dele. Felipe se sentiu meio estranho por estar sentado
tempo demais no animal.
- É hora de dizermos adeus, falou Ragnar.
- Podemos te ver de novo? perguntou Felipe.
- Não jovem humano, voltarei a viver na minha terra e jamais retornarei
para a superfície.
- Se quisermos podemos ir na cachoeira de novo e nadar até o vidro,
ponderou Gustavo.
- Podem fazer isso sim, concordou o garanhão. - Mas não terão força para
abrir o vidro, se surpreenderiam quão forte ele é.
- Obrigado por deixar irmos, agradeceu Felipe. O cavalo abaixou a cabeça
e deixou os adolescentes acariciarem sua crina. Se afastou e em um
clarão dourado aquele majestoso animal voltou para sua terra longe dos
humanos, onde os animais viviam felizes entre si sem a maldade do homem
para provocar guerras ou matanças.