Histórias de Pedro Pescador

Essa história se passa em uma pequena propriedade na zona agreste baiana..... Lugar de temperaturas altas e quase sempre sem chuvas... Salvo pelo rio que corta as proximidades, rio conhecido como da unidade nacional por banhar cinco estados do nosso Brasil.... As atividades reinantes na região alem do sisal, do algodão e da criação de caprinos era a pesca, em escala menor, que mantinha boa parte da comunidade local ainda fixa na terra.Neste contexto , encontramos o velho Pedro , pescador antigo e historiador local. Dono de uma memória invejável, conta fatos bem antes de nascido como se estivessem ali do lado... Muitas lendas ou casos que os antigos pescadores, moradores da região passaram. Ele jura que a maioria são fatos reais....

Uma dessas histórias , conta o seu Pedro, ocorreu por ocasião ainda das volantes que haviam na região em busca do bando de Lampião... Eram os idos de 1932 , quando o bando do Capitão Virgulino passou pela cidade deixando-a em polvorosa....Hospedou-se, sem cerimônias, na casa de nhô Bento, que tinha uma propriedade à beira do rio...Ali ficou por três dias atendendo a um pedido de sua companheira Maria Gomes de Oliveira também conhecida como Maria Bonita. Fruto de união recente, Lampião estava ampliando os seus componentes com a presença feminina... Esse fato não diminuía em nada o perigo real que o grupo representava. Ao contrario, com a presença feminina o bando ficava mais arisco e estratégico, sendo mais seletivo nos ambientes que circulavam....

Pois bem.... tudo ia muito bem ate que um dos jagunços do capitão se meter a querer pescar.... Queria impressionar e conquistar respeito entre seus novos companheiros... Dessa aventura nasceu Zé Pititinga cujo maior peixe que pegou sumia na palma da mão de tão pequeno que era...Virou chacota do bando e pela desmoralização foi expulso sendo obrigado a ficar na região....Alguns dizem ate hoje que foi o destino. A presença do jagunço trouxe sorte para a região e azar para o capitão Virgulino, pois Zé Pititinga era o Pé de coelho do capitão. Dizia-se pelas redondezas que antes do capitão ir para algum lugar, consultava o jagunço que quase sempre acertava nas impressões que tecia...Tinha uma intuição assertiva digna de nota e que , não era desprezada pelo Capitão.....

Pois bem, Zé Pititinga ficou na região e foi apadrinhado pelo nhô Bento. Homem prestativo e cheio de virtudes atuava onde era solicitado e normalmente com uma performance acima da média....Com exceção da pesca. Um verdadeiro desastre!!!

A nossa historia gira em torno desse verdadeiro herói que poucas pessoas tiveram a oportunidade de conviver.... Homem bruto nos modos, mas gentil nas ações não perdia a oportunidade de se fazer útil ao próximo...

Certa vez, nhô Bento, pediu ao Zé para acompanhar uma carga de sisal e sal proveniente de Casa Nova, nas barcas do rio. Nesse período um dos marinheiros adoeceu e precisou ser substituído de ultima hora. A viagem era longa e devia durar em torno de três dias se não houvesse paradas longas... Foi decidido então, que seria feito jornadas de 14 horas diárias para aproveitar ao máximo a luz do dia. Saiam sempre às 04:00hs da manha. Tudo ia bem quando, no segundo dia, uma das barcas ficou presa no banco de área após ter batido em uma pedra. Estrago feio!!! Precisava com urgência aliviar a carga pois a embarcação corria o risco de afundar...Área perigosa pois a presença das pedras criavam corredeiras que desestabilizavam as embarcações e tornavam proibitivas os banhos de rio. Mas Ze Pititinga estava lá, reunindo alguns marujos se lançou nas águas do velho Chico e em algumas horas conseguiu retirar parte da carga fazendo com que o barco avariado pudesse ser rebocado para a margem segura.Um verdadeiro feito!!!!

Em outro momento foi convocado participar de equipe de resgate que tinha a missão de retirar do fundo lodoso do rio , uma parte de turbina que deveria ser usada na construção de uma barragem e que caiu da embarcação durante o trajeto. Água escura e profundidade incerta, mesmo sem equipamentos adequados o resgate foi feito elevando ainda mais a fama do nosso estimado amigo.... Assim os dias transcorriam entre um feito e outro sem maiores novidades ate que um fato muito importante ocorreu no vilarejo. A historia a seguir é o que aconteceu de mais verossímil naquelas paragens....

Estávamos chegando o período de São João, período de muitos preparativos para as festas juninas tão comuns no sertão. Tinham as novenas realizadas pelas senhoras devotas como a sinhá Maria, esposa do nho Bento, que tomava juntamente com o padre da paróquia local as iniciativas dos festejos aos santos padroeiro da época: São José, São João, Santo Antonio e São Pedro. Era também motivo de grande alegria para o casal, pois seus netos queridos, Antonio e Pedro vinham passar as férias por lá.Tinham nascido por ocasião do período junino e contavam com 12 e 11 anos respectivamente. Filhos da única filha, Helena, que morava com o marido em cidade da capital. Era, pois um motivo a mais para incrementar os festejos. Nesse período o nosso Ze Pititinga não andava bem de saúde. Estava afastado, fruto de caxumba que pegou. Depois de velho, caxumba, veja só.... Home velho de caxumba, só mesmo o Zé Pititinga..... E como na vida do Zé tudo era motivo de história eis então o que aconteceu....

Era tarde da noite, quando Ze e outros trabalhadores de nho Bento se recolheram para dormir.

- Vai dormir cedo hoje Zé ? o que esta havendo?

- Hoje tem que ser cedo. Estou cansado.... Não me lembro a época que senti tanto cansaço quanto hoje. Nem nos tempos do capitão Virgulino.... Devo estar ficando velho.... E assim foi para casa..... Já acomodado no quarto pensava em todas as tarefas a ele confiadas pelo padrinho e as quais, no dia seguinte, pediria ajuda na realização. Não demorou muito a adormecer. Foi um sono agitado, sonhou com o rio, muita água e chuvas, e no meio desse mundo de águas alguém chamando o seu nome....Sonhou também com o sino da torre da igreja no chão. Fruto da quebra da viga que o sustentava...Acordou molhado de suor e uma dor insuportável na garganta... Não sentia vontade de levantar e nem forças para isso.... Ficou deitado não precisando por quanto tempo ate ter alguém chamando por ele do lado de fora do alojamento em que estava.... Era a voz de dona Amélia, senhora que atendia a todos os trabalhadores do nho Bento, fazendo o café e servindo as refeições matinais.

-OH !! Zé, Ta ai? Onde tá home de Deus? Todo mundo já foi pros galpões.... Cadê você?

- to aqui Amélia, disse quase sem voz e num esforço muito grande...

- Oxente home o que que tu tem? Disse a velha senhora, entrando no recinto sem cerimônias.....

-Que cara horrível, ta doente? Deixa eu vê você melhor.... Vixe!! Ta com muita febre, e ta com o lado do rosto inchado..A velha experiente olhou com mais atenção e desatou-se num riso farto dizendo.... - Zé tu tá de papeira... Home velho de papeira.... Deixa so o pessoal saber disso.....

Voltou-se para ele e disse de forma solene: - Não saia da cama. Você esta doente de papeira e eu vou cuidar disso!!!. Vou buscar umas plantinhas que tenho e avisar o nho Bento.... Não esperou e nem atendeu as reclamações do Zé.... e assim a notícia se espalhou e como sempre, tudo que envolve o Zé Pititinga vira história grande....

Nesse mesmo dia recebeu a visita do nho Bento e sinhá Maria.

- Zé você sempre surpreendendo... Hein Maria? Esse Zé não é fácil.... disse com largo sorriso.

- Padrinho, hoje não pude ir ajudar, mas amanha, sem falta, retomarei as atividades.....

- Hora Zé , não vim por isso, quero que você se recupere.Não vai fazer nada ate estar de novo em forma...Alias, você irá com Amélia para a cidade de Juazeiro fazer uns exames.Ficará lá me esperando e se recuperando. Quando for levar a mercadoria nas barcas agente volta juntos em tempo das festas de São João.

- Mas padrinho.....

- Sem mais nem menos... É o desejo meu e de sinhá Maria...

- Zé , meu filho, Disse sinhá Maria. Quero que você me faça um grande favor. Disse isso em tom baixo como se fosse contar um segredo.... – Quero que acompanhe Amélia. Os exames é pra ela. Acho que ela esta me escondendo algo. Não adianta perguntar que ela não vai dizer. Por isso quero que você tome conta dela.

- Madrinha !! faço o que a senhora quiser.... Posso pedir um favor? Fala com o Padre Duda pra tirar o sino ... Sonhei com ele caindo durante uma tempestade....sobre o telhado da igrejinha... Pede pra ele tirar. Eu prometo botar no lugar quando voltar.... sonhei com gente me chamando nas águas do rio também.....

- Vixe Zé, que sonho é esse? Cruz credo!!!... Você devia ta delirando por conta da febre....

- Pode ser madrinha, mas, fala com ele.... Promete?

E assim, dois dias depois estava o Zé , Amélia e comitiva indo para a cidade de Juazeiro. Iam por terra. Zé não queria ir de barco, pois nos últimos dias havia chovido em abundancia, o que provocou a subida das águas do rio inundando boa parte das regiões no entorno do vilarejo. Isso tornava as travessias no rio com um ingrediente mais emocionante por conta das corredeiras que se formavam e pelo fato de muitas pedras ficarem submersas tornando a navegação mais arriscada. Os velhos marujos evitavam subir e descer o rio nesses períodos. Não pelas correntezas que conheciam tão bem, mas pelos galhos e às vezes arvores que apareciam no meio do rio e era fruto de muitos acidentes com embarcações.

Pois bem,dois dias depois da partida de Zé, era esse o clima em que os netos de nho Bento chegaram junto com a mãe. O pai desta vez não tinha vindo com eles, pois estava preso em um trabalho de grande importância a ser concluído. Grande festa se fez com a presença dos três na propriedade..Ambientados com o lugar, logo partiram para as travessuras junto as crianças da vizinhança.Não se importavam com os constantes avisos da mãe e da avo com os cuidados a serem tomados.Nho Bento sempre sorrindo, dizia: - Não estraguem meus netos, deixa os meninos brincarem...Eles vieram pra isso....

E os meninos não faziam por menos.... Nem chegaram e já estavam nos galpões de beneficiamento do sisal fazendo peripécias.... A dupla comandada pelo Antonio, sempre buscavam novidades diante das tantas atividades desenvolvidas na região.... Não paravam um instante.Hora estavam nos galpões de sisal, ou de algodão, ou tangendo as cabras, ou na beira do rio, em busca de novidades... Os funcionários que desenvolviam as atividades nesses locais, sabedores da curiosidade dos meninos não faziam por menos. Alimentavam essa sede de aventuras com histórias locais e pequenos mimos que agradavam os pequenos exploradores. Nho Bento se divertia com essas peripécias e dona Maria ficava com os nervos à flor da pele de tanta preocupação...Nesse clima os dias se passaram sem maiores problemas.

Os preparativos para as festas juninas se aproximavam e nho Bento iria fazer uma ultima viagem antes das festas. Iria acompanhar as barcas de sisal, sal e algodão ate Juazeiro e depois se dedicaria aos festejos. Pelo lado da \dona Maria não era diferente. As reuniões, os preparativos com as festas eram tratados de muito perto pela matriarca. Esse era o cenário que se desenhava naquela casa e no povoado...

A semana da viagem do nho Bento finalmente chegou!!! Havia muita preocupação com o fato da precipitação de chuvas intensas que assolavam a cabeceira do rio e regiões adjacentes o que deixavam as águas do rio bastante agitadas e com a navegação perigosa. Na própria região o céu estava a dias encoberto como a muitos anos não se viam. Mas o dia chegou e as atividades no pequeno cais estavam intensas. As Bálças já haviam sido carregadas e estavam nas amarrações finais. Nho Bento aguardando ansiosamente o termino dos serviços para embarcar e dar inicio a jornada. Seriam dois dias subindo o rio, contra as correntezas, com pelo menos três paradas para desabastecimento.

Como sempre a dona Maria ia se despedir do marido com mil e uma recomendações. Religiosa, devota dos santos da época, não dispensava em suas orações recomendações a todos os participantes da viagem. Ela, com a sua presença, não abria mão de uma oração coletiva com todos.... nho Bento sabia que não partiria se não atendesse a matriarca, portanto, logo que recebeu o aviso que estava tudo pronto, reuniu o pessoal e deixou que Sinhá Maria conduzisse as orações de proteção. Homens rudes mas crentes, aceitavam as ordens de sinhá Maria como crianças.... Tinham-na em alta conta, nutriam maior respeito por aquela mulher símbolo de mulher nordestina valente e forte que compartilhava com aquelas famílias alegrias e tristezas vividas no dia a dia......

Em fim, as Barcas saíram!!! No cais, muitas pessoas acenavam e davam os últimos votos de boa viagem para o grupo. Sinhá Maria acompanhou o deslocamento das barcas ate que na curva do rio não se avistasse mais.... Só ai , se retirou para casa. Tinha muito que fazer.....Sua filha desde que chegara não parava um instante nos trabalhos de organização das novenas. Tinha que ajuda-la....

Voltou-se e viu o padre Antonio de longe.... Lembrou-se do pedido do Zé Petitinga sobre o sino e foi em sua direção...

- Bom dia padre Duda!!! Como vão os preparativos na igreja? Esse ano vamos ter uma festa muito bonita!!

-Bom dia Sinhá Maria!!! Sim certamente esse ano promete... Tivemos chuvas em abundancia e as colheitas foram muito boas....Vai dar ate para fazer uma pequena reforma na capela. Sobrou um dinheirinho das quermesses.

-é Sobre isso que vim lhe falar.... Não me interprete mau mas, o Zé Pititinga antes de partir pediu que lhe desse um recado....

- O Zé, como está ele? Tem noticias?

- Esta bem.. Resmungando para voltar logo..... Não é homem de ficar parado.... Mas, em fim ele me pediu para solicitar ao senhor para retirar o sino, pois sonhou com ele caindo no telhado da capela.....

- Verdade? Esse Zé é mesmo uma perola.... Estava pensando nisso hoje mesmo pela manha. Ontem pedi aos trabalhadores que subissem e olhassem os suportes de sustentação do sino. Eles disseram que esta precisando de reparos. Ficaram de no final dos serviços de hoje , efetuarem a retirada para que possamos substituir a viga. Não se preocupe!!..... E assim, se despediram cada um indo tratar de suas obrigações.....

O dia tinha começado antes mesmo de amanhecer para todos na casa de nho Bento. Em parte por conta da partida das Barcas e parte porque era o dia marcado para que fossem iniciadas as montagens das barracas típicas para o são João. Tinha muita gente se movimentando desde cedo. Os meninos acompanhavam tudo com a curiosidade aguçada sempre buscando uma forma de se divertir com a situação.O pessoal da casa nas atividades de almoço para atender aquela gente toda.Ninguém parava..... Esse panorama se desenrolava ate meados da manha quando a tromba d’agua veio. No início gotas grossas de chuva caíram de forma espaçada mas, na sequencia, verdadeiro dilúvio se precipitou. E ai foi um corre corre danado. Gente tentando se abrigar como podia....Com as chuvas veio trovões e relâmpagos e um vento que há muito não se via na região. As barracas semi montadas estavam sendo arrastadas pelo vento que castigava a todos sem piedade. Os trabalhadores, em vão, tentado segurar os materiais que ainda restavam no local sem sucesso. Buscavam de toda sorte recuperar o que o vento deslocava para longe. E os meninos? Há!! Os meninos amavam tudo que estava ocorrendo..... Sem se preocuparem com o perigo que estava presente, corriam de um lado a outro,no meio da chuva.....

Sinhá Maria junto com as mulheres da casa buscava abrigar como podia as coisas arrastadas pelo vento. Atendiam também a pessoas que estavam no local e não tinham como se deslocar. A casa parecia um acampamento de guerra tal a desordem provocada pela tempestade que desabou. Se via de tudo ali: Mulheres rezando, homens recolhendo pedaços de madeira e objetos que foram atiradas pelo vento, alguns inclusive com pequenos cortes provocados durante os trabalhos... Um caos!!!

Após algumas horas, com a diminuição do vento e da intensidade das chuvas, as pessoas começaram a efetivamente ter uma ideia do que passaram.

Sinhá Maria entre as rezas e as diligencias com os empregados não parava um instante... Havia no seu semblante visível preocupação pelo nho Bento. Sabia que o marido era homem prudente e experiente, e que no primeiro momento das dificuldades saberia buscar abrigo. Mas a preocupação não deixava de atormentá-la... Ao passar pela sala avistou Helena e ai veio a lembrança dos netos....

- Filha cadê os meninos?.... Helena deu salto como se mordida de cobra.....

- Mãe!!! Minha nossa Senhora!!! Os meninos!!!..... Nessa confusão toda não tive cabeça para pensar neles.... Dizendo isso , saiu em disparada porta a fora em busca de noticias... Sinhá Maria olhando para as outras pessoas que ali estavam pediu a uma delas que ajudasse na busca....

- Vai Donana, atrás dessa desmiolada e ajuda a encontrar esses meninos.....se não , não teremos paz nesta casa hoje!!!! Dizendo isso saiu para a cozinha para verificar o andamento do almoço...

Já na rua, Helena buscava se informar das pessoas se haviam visto os garotos. As informações obtidas não davam certeza de onde os moleques poderiam estar ou terem ido....Restava então fazer uma busca em quase todo o arraial e isso incluía ter que ir nos galpões, local de preferência das traquinagens deles e que ficavam afastados do centro, mais beirando o rio.No caminho ia pensando....estando ou não por lá....iam ver só. Assim que os encontrassem ficariam de castigo até depois das festas..... Onde já se viu pregar tamanho susto na mãe? E onde ela estava com a cabeça que deixou eles à toa? Não se perdoaria caso tivesse ocorrido algum acidente....

Ao passar pela pracinha, viu a igreja e resolveu entrar para fazer um pedido aos santos padroeiros para que protegessem os meninos.... Dentro como fora a agitação de pessoas era grande.... O padre estava acompanhando uma serie de atividades na sacristia..... O sino tinha arrebentado com a ventania e caiu sobre o telhado da sacristia causando alguns estragos.... Aproximou-se do andor de Santo Antonio e de São Pedro e , ajoelhada, fez fervorosa oração....

O padre a encontrou orando e ao perceber que havia terminado se aproximou....

- O que trás você aqui minha filha?

-Padre Duda!!! Busco noticias dos meus filhos.... Da hora da tempestade ate o momento não retornaram para casa e ninguém os viu ate então.... Estamos preocupados.....

- Não há de ser nada.... Devem estar aguardando o tempo melhorar para retornar.... São garotos, se divertem com qualquer coisa!! Deixa me organizar que vou procurá-los também....

Nesse momento entra Donana.... - Boa tarde Padre Antonio sua benção!!!! E sem esperar a resposta, dirigiu-se a Helena. Uns dos garotos do arraia viu os dois indo em direção à ponte antes da tempestade.Podem ainda estar por lá.... Vamos?

Nho Bento depois da partida olhava o rio pensativo. Era uma viagem que ele conhecia bem. Mas as condições atuais não deixavam duvidas dos cuidados redobrados que teria de fazer juntamente com os homens. Com as chuvas, o nível do rio tinha subido consideravelmente e as correntezas estavam a açoitar as barcas com muita violência. Isso sem falar da grande nuvem escura que se formou logo após a curva do rio. Prenuncio de grande tempestade....Tomara que eles conseguissem chegar na parte mais larga do rio onde teriam maior profundidade para navegar e não encostar muito nas pedras que existiam pelo caminho. Se essa tempestade desabar por ali, teriam sérios problemas....Não estava disposto a correr riscos. Num dado momento chamou seu contramestre e pediu que avisasse aos outros barqueiros que iriam fazer uma parada na pequena ilha que avistava ao longe. A viagem ficaria interrompida ate que as condições do tempo melhorassem.....

Acrescentaria de mais um dia na viagem com essa parada, porem era mais seguro para todos... Passou as instruções para atracarem e ancorassem bem todas as embarcações para que numa eventual tempestade não corressem riscos..... Assim foi feito...

Verificaram as cargas, se estavam bem amarradas e ficaram de prontidão , ocupados nas rotinas normais de limpeza....

A tromba d’agua veio de repente e com ela ventania de assustar... Raios e trovões eram ouvidos e pareciam brotar do lado das embarcações. o som ensurdecedor fazia com os homens mais experientes buscasse lugar reservado.... Nho Bento tinha tomado a decisão certa.... Se demorasse mais alguns minutos estariam a mercê das chuvas e ai tudo poderia acontecer.....ergueu os olhos ao alto e agradeceu a proteção que recebia naquele momento... Agora era esperar e descansar..... Não havia mais nada a fazer......

Depois de longo tempo pensativo, nho Bento reuniu o pessoal e decidiu ficar por ali ate o dia seguinte. Iriam pernoitar ali....No dia seguinte, com o céu claro, fariam a viagem com mais segurança. Tinham tempo pra isso.... Já o pessoal não gostava muito de ficar no rio à noite. Eram homens corajosos mas também supersticiosos.Uma delas era a lenda do Negro d’agua que abordava as embarcações durante a noite assustando a todos.Verdade ou não trataram de preparar oferenda a base de cachaça e fumo para o caso de visita noturna. Cada homem que se encontrava nas embarcações, a seu modo, fez a singela homenagem às entidades do rio, pedindo licença e proteção para a jornada..... Na sequencia foram se recolher cada um em seu canto, imerso em pensamentos... Não havia mais nada a fazer naquele dia....

No arraia a confusão ainda era grande. Avizinhava-se a noite e nem sombra dos meninos. O número de pessoas a procura deles tinha crescido enormemente e ate aquele momento a busca tinha sido infrutífera. Na casa de nho Bento, Helena e sinhá Maria rezavam apreensivas aguardando notícias... Estavam exaustas das tarefas daquele dia, mas se recusavam a descansar.... Do lado de fora grupos de pessoas iam e vinham de todos os lados.... Sempre com expressões carregadas e tristes pelo insucesso das incursões... Por onde estavam? O que ocorreu? Estão bem? Perguntas assolavam as mentes daquelas pessoas que sensibilizada com a situação, deixaram seus afazeres e se juntaram em uma busca solidaria....a terra parecia que tinha se aberto e engolido as crianças.... um mistério....

Alguns dias antes, em Juazeiro, Zé Pititinga e dona Amélia estavam a organizar a casa a espera da chegada de nho Bento e trabalhadores. Não via a hora de retornar.... Gostava da cidade, mas nada como o seu cantinho lá no arraia.... As chuvas insistiam em não parar. Para a região , fato inédito. Não chovia assim a muitos anos.... Os mais velhos não se lembravam de época igual....Por Zé nem esperariam o padrinho.Estavam ambos recuperados de seus males.. O Zé da papeira e a dona Amélia de uma bronquite identificada durante os exames que fez...mas a dona Amélia era dura na queda..... Insistia em aguardar... Naquela noite , foram deitar cedo e mais uma vez algo incomodava o Zé. Não sabia direito o que era...atribuía a inércia em que se encontrava...

Seu sono foi agitado, a todo instante ouvia vozes chamando por ele no rio. Ele acordava,dormia , acordava.... e assim ficou, ate perto da manha quando desistiu de ficar deitado.... Foi fazer café.... Pensativo, ficou tentando entender o significado de tudo....Nem viu a hora em que dona Amélia chegou....

- O Que a home? Deu formiga na cama?

- Não dona Amélia, é que voltei a sonhar com o pessoal de casa..... não sei lhe dizer mas vai acontecer alguma coisa lá no arraia. Não sei o que é....ainda tem aquela voz insistente me chamando no rio....Tem uma construção grande que cai nas águas.Não consegui identificar.Parece um grande galpão velho....Não sou home de ter medo das coisas... Mas algo me diz que tínhamos que estar lá.....

-Olha Zé se for pro seu bem, agente volta pra casa hoje mesmo!!!... As coisas aqui já estão arrumadas pro nho Bento e Ca pra nós, eu também to doidinha pra voltar pra casa....

- Verdade!? Podemos ir então?

- Claro Zé.. Vamos organizar as coisas e depois do almoço agente toma rumo de casa....Agora deixa de enganação e me serve esse café... Ta com um cheirinho bom danado... E assim foi feito.... Após o almoço eis que os dois desceram rumo ao arraia.... Zé não se guentava de tão contente que estava... Parecia criança com brinquedo novo!!!!

Por outro lado dona Amélia ia sorrindo e pensando nas coisas que iria fazer pras festas juninas. Chegaria bem a tempo de ajudar sinhá Maria.....Já estava medicada e a cada dia sentia-se mais forte...Sabia que a sua ida a Juazeiro, não foi por causa da saúde do Zé e sim por causa dela. De alguma forma sinhá Maria descobriu o que se passava com ela.Não disse nada a ninguém...e mesmo assim ela descobriu.....estava muito grata e queria retribuir mais do que nunca àquele casal que sempre a amparou... desde de moça, quando chegou ao arraia, só com a roupa do corpo, fugindo da seca.... Magra, desnutrida e quase sem forças, foi acolhida na casa de nho Bento e desde então ficou sob a tutela de sinhá Maria... Lá ajudou na criação de Helena e dos seus filhos Antonio e Pedro...Tinha uma gratidão eterna por aquela família que considerava como sua....

Já se avizinhava a noite e iriam pernoitar em casa de amigos pelo caminho. Teriam mais dois dias ate chegar ao Arraia..Apesar do tempo fechado a viagem ate aquele momento estava sendo tranquila...Esse ano, com o excesso de chuvas o campo estava muito verde. As plantações tinham sido boas e a maioria dos agricultores da região tiveram sucesso nas colheitas.Estava sendo um ano atípico como a muito tempo não se via na região.....

O dia amanheceu com muito sol. Quem olhasse para o tempo não adivinharia o dilúvio ocorrido no dia anterior... Nho Bento já estava a caminho com as barcas....Tinha que ganhar tempo por conta da parada feita na ilha....mais uma hora de viagem e teriam o primeiro ponto de parada para descarga... Naquele momento o “Beijamim Guimarães” estava passando por ele e os saudou com um estridente apito. O Beijamim era uma daquelas embarcações a vapor que viviam subindo e descendo o rio no transporte de passageiros. Barco construído pelos norte-americanos rodou muito anos no rio Mississipi, depois na bacia Amazônica e por ultimo, veio para uso hidroviário no rio São Francisco.Tinha sua base em Pirapora mas costumava se deslocar por muitas paragens do velho Chico.... A exemplo dele também havia o Saldanha Marinho que foi a primeira embarcação a vapor no velho Chico e tinha base em Juazeiro...Era a modernidade chegando e trazendo melhores condições a região.....Olhando tudo isso, ficava orgulhoso e ao mesmo tempo saudoso dos seus tempos de mocidade.....Em pensar que boa parte desse progresso sua família participou ativamente e de forma decisiva.... Quantas lutas e obstáculos seus pais enfrentaram para tornar realidade esses transportes pelo velho Chico... Lembranças que alimentaram seus sonhos e deram direcionamento para a sua vida....

Já estavam chegando no primeiro ponto de parada e era hora de se juntar ao pessoal para iniciar os trabalhos de atracação das barcas....

Já havia horas de jornada naquele dia e Zé e dona Amélia estava a descansar próximo a uma plantação de umbu. O tempo continuava fechado e poderia haver precipitação de chuvas a qualquer momento.... Zé olhava e tentava antever o momento e o local onde parariam para passar as chuvas... Ele, homem experiente, conhecedor dos sinais do mato e do tempo sabia que as chuvas cairiam, só teriam que tomar cuidado onde efetivamente eles estariam quando ela viesse....

- olha dona Amélia, é melhor apertarmos o passo porque essa chuva vai cair e não vai ser mole não.....

- Ta certo home de Deus, tava pensado nisso agora....

- Podemos nos deslocar para aquele monte ali na frente.... Deve dar umas boas três horas de viagem... Lá tem umas grutas que conheço e podemos aguardar a chuva passar por lá... Acho que antes disso ela não cai.....

Dona Amélia, olhou resignada e concordou com um aceno de cabeça.... Essa mudança não estava prevista nos seus planos mas de toda sorte, não atrapalharia muito a viagem.... Levantou-se de onde estava e partiu junto com o Zé....

Já estavam chegando a uma das grutas quando o aguaceiro desabou..... Foi um Deus nos acuda.... Só deu tempo de se abrigar em baixo de uma saliência de pedra alta que servia de telhado natural.... Chuva forte seguida de raios e trovões indicavam que a tempestade estava no seu auge... O vento que se ouvia naquele lugar era digno de nota. O Som ecoando pelas rochas, a chuva e os raios davam um tom sombrio e ao mesmo tempo fascinante!!! Era um espetáculo lindo e único.... Dona Amélia religiosa e temente das coisas naturais se entregou a fervorosa oração pedindo proteção aos dois.... Era outro espetáculo à parte!!! Zé a observava e a cada relâmpago e trovão que ocorriam nos céus via a encolhendo e de olhos fechados com os ouvidos tapados pelas mãos iniciava outra pregação..... e assim ficou ate que não se ouvia mais o ruído dos trovões nem os clarões dos raios... A chuva tinha diminuído bastante. Mesmo assim não era bom se deslocar... Normalmente após uma tromba d’água alguns riachos se formavam e quedas d’água apareciam do nada. Era igualmente perigoso... O melhor a fazer era buscar um local mais seco , fazer uma fogueira para se aquecerem e descansar.... Já era tarde e o restante do dia seria utilizado para descanso. Dormiriam por ali, e sairiam bem cedo dia seguinte.

Já era noite no arraia e todos se concentravam no entorno da casa de nho Bento, abatidos e cansados pela labuta do dia e pelas buscas aos dois garotos.... Não houve lugar em que não fossem procurados...

Sinhá Maria mesmo aflita não deixava de atender aos que chegavam e recepcionava os com algum caldo para esquentar.... Helena por sua vez , vivia a olhar da varanda para a entrada da propriedade na esperança de ver os meninos chegarem....

Outras mulheres rezavam no andor improvisado e rogavam pela segurança dos dois....

Era um cenário de apreensão e expectativas....Homens e mulheres acostumados a dureza da vida por aquelas paragens, se solidarizavam com o ocorrido....A noite prometia ser longa... Ninguém tinha animo e nem queriam arredar o pé dali.... As buscas tinham sido encerradas por conta do breu que se formou lá fora, mas já se via movimentação para uma procura mais refinada na manha do dia seguinte...

Antonio e Pedro foram se abrigar da chuvas no momento que precipitou o aguaceiro. Estavam brincando de caça ao tesouro perto das docas... Correram para o velho estaleiro... no primeiro momento foi uma boa ideia mas depois, com as forças dos ventos e as chuvas intensas, perceberam o equivoco....parte do teto desabou e algumas peças metálicas foram deslocadas de posição. Uma delas veio a cair sobre o Antonio, Fraturando-lhe uma das pernas... e para piorar a situação, começou a entrar muita água o que forçou a Pedro deslocar o irmão para uma pequena balsa esquecida na rampa de consertos....Ali pelo menos estariam secos.. Antonio com muitas dores e sem poder se movimentar direito, avaliava a situação....Ficariam por lá ate o fim das chuvas. Depois o Pedro buscaria ajuda... Era a melhor opção... Outro barulho mais forte se fez ouvir momentos depois deles se abrigarem na balsa.. O restante do telhado não suportou a fúria das chuvas e veio a baixo. Com o impacto, detritos foram lançados em todas as direções , as amarrações da balsa se soltaram e ela foi lançada ao rio com os dois garotos abordo... Assustados, não ousavam se mexer de onde estavam... O rio estava de uma fúria tremenda e arrastava a balsa e seus ocupantes cada vez mais longe da margem tomando direção rio abaixo....

Nho Bento estava já há algumas horas no cais de Juazeiro desabastecendo as barcas. O movimento era intenso naquele momento. Exigia atenção redobrada para não acidentar ninguém....mas também havia algo no ar, não sabia explicar.. Não dormiu bem à noite com os pensamentos sempre voltados à sinhá Maria.. Sabia que ela estaria preocupada com ele e só descansaria ao vê-lo de volta...Queria terminar logo aquela tarefa e se por a caminho o mais rápido possível...O Zé Pititinga e Dona Amélia não tinha aparecido ainda no cais.Teria que localiza-los e ver o que ocorreu...Permaneceu assim absorvido entre as tarefas e pensamentos que o assaltavam do arraiá... Foi assim que um dos seus trabalhadores o encontrou....

- Padrinho!! Trago noticia da cidade pro senhô... Sinhá Maria quer que vosmece volte logo!! Disse que ta uma confusão danada lá depois do vendaval que passou por esses dias!!! O Zé e dona Amélia já partiram pela estrada mesmo.... Não carece de esperar por eles....

Pego de surpresa, não sabia o que pensar.... O que houve por lá? Deve ser coisa seria.... Sinhá Maria não mandaria recado se não fosse necessário.... Pensando assim, saiu em busca do pessoal para agilizar os serviços e aprontar o barco pro retorno imediato.... Não tinha mais nada a fazer por ali....

O sol já ia alto quando o Antonio acordou assustado na barca. Ainda sentia muitas dores... Pedro, ao seu lado parecia estar a sono solto. Imóvel, ainda dormia... Procurou então levantar com a ajuda de alguns suportes presos na barca. O movimento era lento e dolorido.. Olhou para a perna e percebeu o estrago feito pela estrutura que havia caído na noite anterior. Olhou com mais calma e ficou satisfeito no que viu.... Pelo menos não havia fratura exposta. Dava para se deslocar mesmo com o local inchado. Olhou com cautela e decidiu chamar o irmão..

- Pedro!!! Acorde!!!! Ajuda aqui.....

Pedro ainda sonolento virou-se e olhou para o irmão.... Estava com o semblante abatido, fruto de uma noite mal dormida....

- Oi!! Como você esta? Onde estamos?

- Não sei ainda... Precisamos sair daqui, acho que a barca não vai ficar presa por muito tempo nesse banco de área.... A correnteza está muito forte.... Ajude-me!!!! Pega aquelas tabuas e aquelas tiras ali e me ajuda a fazer uma tala aqui na perna.... Lembra o que o Ze nos ensinou no ano passado? Vamos fazer o mesmo.....

Pedro levantou-se e trouxe o material solicitado pelo irmão.... Fizeram a imobilização da perna o que permitiu maior movimentação sem muitas dores por parte do Antonio.

Levantaram-se e foram avaliar a situação.... Não sabiam onde estavam.... A paisagem era desconhecida.... Tinha uma curva e uma parte de vegetação densa com muitas pedras ao longo da margem...

- Vamos descer da barca, pois ela não estar ancorada e vai se soltar a qualquer momento... Ajude-me Pedro a descer....

Com muito esforço os dois irmãos desceram da barca e foram buscar abrigo na margem.... Havia um elevado, que podia dar uma idéia melhor de onde estavam. Pedro subiu para verificar...

- Irmão!!! Não tem sinal de casa, ou fumaça ou qualquer movimento de animais ou plantação. Não reconheço esse lugar.... Dizendo isso desceu ate onde Antonio se encontrava.

- Me ajude Pedro, quero ir ai em cima olhar também...

De posse de um galho improvisado como bengala e com o Pedro, no outro lado, servindo de apoio, subiram o barranco buscando melhor visão do ambiente....

De repente um barulho ensurdecedor foi ouvido pelos dois.... vinha do rio, próximo à barca... Olharam quase que ao mesmo tempo e o que viram os deixaram assustados.... Um grande galho, arrastado pelas águas havia se chocado na lateral da barca deslocando-a para dentro do rio. La se ia a embarcação desgovernada rio abaixo..... Estavam sós e sem saber que direção tomar.... Desanimados, caíram ao chão e ficaram absorvidos em pensamentos.....Não sabiam o que fazer..... Permaneceram por muito tempo cada um absorvido em pensamentos ate que o Antonio desperta..

- Olha Pedro, vamos buscar um abrigo e colocar lenha para uma fogueira. Por certo alguém vai ver de longe quando escurecer e agente consegue ajuda.

- Me ajuda a levantar!!! Fique atento para qualquer ruído que venha das proximidades. Pode ser gente, mas também pode ser bicho!!

Assim fizeram os irmãos. Durante todo o restante do dia, improvisaram abrigo no alto do barranco e buscaram lenha para fazer uma fogueira. O Antonio não podia fazer muita coisa, mas dentro do possível ajudava o irmão. Ainda se lembravam dos ensinamentos do Zé Pititinga quando acompanharam em uma caminhada por dentro dos matos no ano passado. Foram visitar umas grutas que existiam na região. Ficaram uns três dias fora de casa. Motivo de aflição para os pais e de muita alegria para os meninos. Uma verdadeira aventura!!!! Já ia anoitecendo quando os garotos conseguiram fazer fogo e acender uma pequena fogueira que fizeram. A noite prometia ser de muitas estrelas... Estavam cansados e famintos.... Durante o dia se serviram de alguns frutos que tinham nas proximidades do rio. Dava para tapear o estomago mas não matava a fome que sentiam. De vez em quando, o estomago de um reclamava e eles riam do barulho que faziam.....

- Prometo que quando estiver em casa não vou mais recusar comida nenhuma, disse o Pedro.

- To com você, irmão. Amanha vamos verificar melhor a região e ver se encontramos sinais de gente. Caso contrario, vamos subir o Rio, por certo acharemos algum grupo que esta a nos procurar...

Assim que amanheceu Zé e dona Amélia já estava a postos para seguir viagem. Um delicioso café estava no fogo e um generoso pedaço de carne seca e milho a assar. Zé foi buscar água na parte de trás da gruta em que se encontrava para que dona Amélia fizesse a limpeza das vasilhas assim que tomassem o café.

Andou com cuidado pelas pedras, pois o terreno ainda estava molhado e as pedras lisas.

Assim que se afastou percebeu algo diferente ao longe. Parecia uma montanha de peles se mexendo. Com cautela foi se aproximando para ver melhor... Podia ser algum animal ferido. A imagem ao longe não parecia nada com nada , Isso aguçava ainda mais sua curiosidade.Sua surpresa foi grande, assim que se aproximou e viu com clareza a situação. Um jumento havia se desgarrado e estava preso em uma vala sem poder sair e em baixo dele uma pessoa tentando se levantar. Era uma cena inusitada... Sem perder tempo se aproximou do animal e buscou acalmá-lo. O Homem ao vê-lo, sorriu agradecido....

- Seja bem vindo amigo. Pensei que meu fim havia chegado. Fui pego desprevenido na tempestade e caímos nessa vala. Estou preso aqui em baixo de Tião, meu jumento.Passamos a noite toda aqui.... Graças a Deus o senhor enviou um anjo para me resgatar...

- tenha calma meu senhor, vamos ver a situação!!! E com destreza de quem conhecia bem a situação, verificou se havia algum ferimento no animal que o impossibilitasse de ser deslocado... Aparentemente não, a pata traseira do animal estava presa em uma fissura da gruta que se abriu provavelmente por conta das forças das águas que ali correram na noite anterior... O Primeiro passo, era retirar aquele peso todo do lombo do animal para que pudesse se aproximar melhor do seu dono.... Assim foi que com muita paciência retirou a carga do jumento, que olhava agradecido para o seu salvador...A tarefa levou uns bons minutos.. Tempo bastante para a dona Amélia sair a sua procura...

- Zé oh! Zé, onde ta home de Deus? Vem tomar café!!!

- To aqui dona Amélia...

Seguindo pelo ruído da voz dona Amélia se aproximou e viu toda a cena que se desenrolava e prontamente se aproximou para ajudar .... Começou a acalmar o jumento para que a carga fosse retirada e no momento da retirada não machucasse mais o seu dono. Foi com calma alisando o pelo do animal e conversando com ele como se fosse uma pessoa da família... Assim, a carga foi totalmente retirada e a pata do animal, solta da fenda onde se encontrava... Assim que se viu livre, o pobre jumento saiu em disparada correndo aqui e ali como se fosse uma criança..Zé não deu muita bola e voltou-se ao seu dono.... A tarefa não seria fácil porque o senhor estava com corte na testa e muito provavelmente com algumas costelas quebradas. A remoção teria que ser feita com bastante cuidado...

Dona Amélia retornou ao acampamento para pegar material de primeiros socorros que sempre trazia consigo...

- Como é o seu nome meu velho? Perguntou Zé ao senhor ali no chão...

_ Me chamo Bartolomeu e sou mestre em couros.... Fui buscar uma carga nova de peles para a minha oficina... Esse período há muitas festas nos arraias e costumo ter encomendas para a ocasião.... Ontem ao vir em busca de abrigo, Tião se assustou com um raio que caiu próximo de nós e ai deu nisso aqui.... como vê....

- Olha seu Bartolomeu o senhor parece que ta com umas costelas quebradas ou machucadas... Vou ter que deslocar o senhor para aparte plana.... Pode doer um bocado.... Tudo bem? Agente começa devagar e o senhor me avisa qualquer coisa.....

- Olha meu filho, estou muito grato pelo que esta fazendo por mim.... Faça o que tiver que fazer.... Confio em seu discernimento.....

Zé retornou para onde havia colocado as Peles retiradas do lombo do animal, e improvisou uma cama para poder melhor acomodar o Mestre em couros....

Aguardou dona Amélia chegar e juntos, deslocaram o pobre velho para a cama improvisada.... Zé avaliou com a dona Amélia a gravidade dos ferimentos....

- senhor Bartolomeu!!!! Disse o Zé.Vou ter que improvisar umas ataduras para colocar aqui nas suas costelas... Vou tentar imobilizar da melhor forma possível para poder transportar o senhor melhor.... Tudo bem?

Dona Amélia por sua vez já limpava o ferimento da testa e aplicava umas ervas que sempre trazia consigo... Limpou e colocou as ervas machucada juntamente com uma bandagem feita de pano... Já era por volta do meio dia quando conseguiram deslocar o ferido para a gruta em que se encontravam... Já medicado e imobilizado, Bartolomeu se encontrava dormindo.... Zé recolheu a carga de peles e já havia trazido o jumento Tião para o abrigo....

-Dona Amélia!!! Vamos ter que adiar nosso retorno.... Esse senhor precisa de cuidados médicos... Vamos levá-lo para o povoado mais próximo daqui.

- Claro home de Deus!!!! Vamos ver qual o povoado mais próximo para deixá-lo...

- Vamos dona Amélia!!! Vamos pra piçarrão... Lá agente arranja ajuda pro nho Bartolomeu!!!! Pro hora vamos descansar.....

Algumas horas depois o Senhor Bartolomeu acordou já com aparência melhor e refeito da noite mau dormida...

- Meus amigos, que Deus lhes abençoe pelo que fizeram por mim.... Não teria sobrevivido sem a ajuda providencial de vocês... Lamento também ter tirado os senhores da rota que seguiam.... Serei um eterno devedor....

- Não carece não home!!!! Nós estávamos aqui na hora certa e no lugar certo.... Vamos deixar você lá em Piçarrão. Por certo terá melhores cuidados....

- Se vocês me permitem me sinto melhor..... e minhas terras ficam pra quelas paragens.... Umas 4 horas de viagem... Se saíssemos agora, agente chegaria no inicio da noite.... Lá tem gente pra cuidar de mim.... Vocês já fizeram muito.... Só preciso que o Tião me arraste sem reclamar muito.....

Vendo a disposição de Bartolomeu, tanto Zé quanto dona Amélia, aceitaram a sugestão e se puseram a arrumar as coisas para a viagem... Sabiam que havia algo acontecendo lá no arraia e não podiam perder muito tempo...

Com cuidado seu Bartolomeu foi colocado no lombo do Tião e a jornada teve inicio.... Home forte esse seu Bartolomeu.. Pensava Ze Pititinga... Durante todo o trajeto ate sua propriedade não reclamou de nada....

O sol já estava dando o ultimo adeus no horizonte e algumas pequenas luzes já apareciam ao longe....seu Bartolomeu então aponta para uma dessas luzes vistas ao longe.....

- Ali !!! Minha casa..... Estão lá ta vendo? Zé observou a direção e acenou com alegria para o novo amigo....

Chegaram já na boca da noite.... O jumento relinchando, feliz pelo retorno, saudava seu lar de tanto contentamento que estava.... ao longe, ouviam vozes das pessoas da casa que perceberam a aproximação do grupo e saíram com lampiões a querosene a iluminar a noite que se iniciava....Foi com alegria que ocorreu a chegada à casa principal.... Muitas perguntas, choro de alegria e de alívio se ouviram por todos os lados... Uma grande festa se instalou....Todos falando ao mesmo tempo.... Querendo ouvir a história dessa aventura de Bartolomeu.....Dona Amélia , discretamente, enxugava lagrimas que teimavam em brotar dos olhos....Era muita felicidade.....

No Arraiá já era manha. As atividades começaram cedo.... à noite anterior tanto Helena quanto sua mãe não pregaram os olhos. A todo o momento, vieram verificar na soleira da casa se havia a presença das crianças. Essa ida e vinda ocorreram por qualquer ruído ouvido... Já no inicio da manha, com o céu ainda escuro, os trabalhadores já se movimentavam na organização de equipes de busca na tentativa de encontrar os garotos... Mãe e filha, de terço na mão, não paravam de tecer oração fervorosa aos santos padroeiros dos meninos no entre e sai das tarefas.... Alguns grupos de trabalhadores já haviam saído e isso dava um novo alento às duas mulheres aliviando momentaneamente a dor e o sofrimento que sentiam. Já haviam sidos enviados recados tanto para a capital, onde o pai dos meninos trabalhava, quanto ao Avô. A chegada deles era agora uma questão de tempo... Os afazeres estavam sendo conduzidos pelos amigos e funcionários, deixando livre tanto mãe e filha para as questões referentes à procura dos meninos. Ambas se desdobravam em atendimentos e organizações, num ir e vir incessante. Paravam apenas para um breve descanso e um rápido lanche. Estavam nesse momento avaliando as informações trazidas por um dos grupos que saíram pela manha mais cedo e agora, avaliavam as suposições levantadas pelo pessoal. Uma delas trouxe alento aos corações sofridos das duas senhoras... Em dado momento da tempestade, os meninos foram vistos pelas bandas das antigas oficinas de barcos. As buscas feitas por lá, identificou pegadas que bem poderiam ser dos garotos. Um outro ponto levantado era o fato de um dos galpões constante no velho estaleiro estar faltando uma das velhas balsas. Isso reacendia as esperanças de que na correria das chuvas eles terem se abrigado em uma das embarcações que haviam por lá e que foram lançadas no rio por conta do desmoronamento que ocorreu. Com essa nova possibilidade Mãe e filha solicitaram a organização de expedição rio a baixo, na tentativa de encontrar as embarcações que se encontravam à deriva. Era uma possibilidade que não podia ser descartada.... Nesse clima de preparativos foi que nho Bento as encontrou. Durante todo o trajeto de retorno, foi informado do ocorrido com os garotos e, portanto rapidamente se engajou nos novos planos de busca que se iniciavam. Desceria ele mesmo rio abaixo com alguns dos seus fieis trabalhadores e vasculharia cada centímetro daquele rio ate encontrá-los.

- Bento !!! Não deixe nossos meninos por lá...Sei que estão lá... Algo me diz que nossos netinhos estavam na barca que se soltou. Disse a matriarca toda chorosa....

Bento por sua vez, abraçou filha e esposa amorosamente por um longo período.....

- Vou trazê-los de volta!!!! Nem que tenha que revirar esse rio de ponta a cabeça!!! Prometo a vocês!!!! Tenham fé!!!! Agora vamos aos preparativos se não, cai a noite e ai só amanha para sair.......

Já havia um bom bocado de horas que estavam andando... Pedro ajudava o Antonio no que podia. Este, por sua vez, improvisou galhos para imobilizar melhor a perna ferida e com um outro de bengala, buscava apoio. A jornada estava lenta e exigia constante parada dos dois para refazimento das forças...

- Antonio que horas você acha que são? Será que passamos do meio dia?

Olhando pro céu, Antonio acenou com a cabeça.... Era melhor buscar uma sombra, pois o sol estava forte e corriam o risco de insolação.....

- Vamos parar naquelas moitas ao longo do rio. Vamos esperar que o sol baixe mais e ai retornaremos a caminhada..... Assim o fizeram... Pedro ajudou o irmão e assim que ele se abaixou, buscou limpar a área para se sentar sob as moitas.... Não havia o que fazer.... Debaixo do sol escaldante, a marcha se tornava muito difícil. Precisava repor as forças e se refrescar com um pouco de água do rio que corria próximo. Vinham margeando todo o leito na esperança de encontrar embarcações que pudessem ajudá-los... Nada por enquanto..... Limpou a área e desceu para buscar água do rio. Aproveitou e se jogou nas águas refrescando-se e renovando suas energias.... Como aquilo era bom, pensou..... Em outros momentos os dois estariam se esbaldando inventando e reinventando brincadeiras.....

- Pedro!!!! Venha aqui Pedro, rápido.... O chamado repentino do irmão Aflito fez com que Pedro saísse às pressas da água em direção ao local onde Antonio ficara.... e chegando lá se deparou com sena digna de filme de terror.... à frente do irmão, sentado, enorme cascavel se preparava para o bote.... sem pensar, se jogou entre os dois na tentativa de pegar a cobra antes do movimento que ensaiava fazer..... Uma dor aguda se fez sentir no braço... Havia sido picado..... no ultimo instante a víbora se voltou para ele e o acertou no braço.... Satisfeita com o que fez, saiu rapidamente, deslizando para o outro lado de onde se encontravam..... Ficava o Pedro com a marca da mordida.... Agora as coisas se complicavam....

- Antonio se arrastou para perto do irmão e tratou de buscar tranqüilizá-lo.... Procurou a água para limpar o ferimento e dar de beber..... Sabia que nessa situação a calma e a hidratação era muito importante para o acidentado..... Não havia muito que fazer..... Precisava agora mais do que nunca de um milagre que os tirasse daquela situação...... Buscou reunir forças e se levantou para pegar água no rio. Tinha que manter o irmão imobilizado para retardar o efeito do veneno. Com dificuldade, foi ate o rio buscar água. Encheu as vasilhas que pode encher. Cada esforço que fazia era como se mil agulhas lhe espetassem a perna... Mas tinha que agüentar....Não podia deixar as coisas ficarem mais complicadas do que estavam....Não sabia mais o que fazer.... Era esperar e torcer que alguém passasse e os visse....Ao lado do irmão, rezou baixinho e pediu a proteção dos seus santos protetores....

Já passava das 11:00hs da manha quando Zé Pititinga decidiu parar para uma rápida refeição com dona Donana. Haviam saído da casa do seu Bartolomeu ainda no escuro. Tomou o caminho do rio, para ganhar tempo... Sabia que algo estava acontecendo no arraiá e não podia demorar mais....

- Dona donana vamos fazer uma pequena parada, comer algo e depois agente continua.... O sol ta muito forte e o calor ta de matar.....

Donana assentiu com a cabeça e rapidamente buscou uma sombra para que pudessem descansar e fazer a pequena refeição...

- Sabe Zé, meu coração ta um aperto só....Algo me diz que a sinhá Maria ta precisando de mim... Não há como agente adiantar esse nosso passo?

- Sei disso Donana.... Tamos indo pro rio, lá agente vai subir as corredeiras e chegar rápido na arraia... Não se preocupe!!!! Se tudo der certo, no final do dia de hoje agente chega....Por hora vamos comer, e guardar forças... Tenho a sensação que vamos precisar dela mais tarde....

Nho Bento já havia saído rio a baixo e com muito cuidado varria as margens do rio num ir e vir, na tentativa de buscar sinais dos garotos ou da barca perdida.... Era um trabalho de formiguinha e que exigia paciência.... e isso ele tinha de sobra.... Os marujos por outro lado, não desgrudavam os olhos das margens... Atentos a qualquer situação diferente que pudesse ocorrer....Sensibilizados pelo ocorrido, buscavam na Fe o amparo para o desfecho da situação....Ja estava na metade da tarde e nada ate então.....De repente um dos marujos gritou....

- Pedaços de madeira e pano à frete!!!! Devagar!!!! Pedaços de madeira à frente!!!! Todos voltaram para o lugar apontado e direcionaram a embarcação na direção... Podia não ser nada, mas podia ser uma pista do paradeiro dos meninos..... Se aproximaram e recolheram os destroços avistados... Parecia fazer parte de algum barco. Não dava maiores pistas de que embarcação pertencia... Ficaram por um tempo parado olhando os destroços e por fim, um a um retornou a seu posto de observação para continuar a busca... Parado e pensativo, nho Bento buscava um entendimento..... Foi quando um dos marujos se aproximou e disse: - Padrinho!!! Esse pedaço de pano parece muito com as lonas que usamos para cobrir as embarcações que vão para o estaleiro a serviço. Esta velha e descorada , mas se não me engano, é o mesmo pano que usamos lá nos estaleiros.... Nho Bento olhou com mais atenção e constatou a veracidade da situação.... Era realmente parte de uma lona que se colocava nas embarcações que iam para serviço... Reanimado com a descoberta, voltou aos homens e pediu redobrada atenção... Estavam chegando perto da solução do problema... Sentia isso....

Pedro estava sonolento e com calafrios... Antonio já a algum tempo o observava.... Ate aquele momento, não imaginava o que fazer... Havia chorado muito.... e agora, sem lagrimas, buscava solução para o problema....Rezava para que antes do anoitecer, fosse encontrado..... O calor era grande, mas começava a bater uma brisa suave, indicação do fim da tarde... Já era hora de preparar fogueira para que a noite não os alcançasse desprevenido....Entre um graveto e outro, Antonio vinha ver o irmão, dava-lhe água e observava seu estado... Pedro começava a ter pequenas convulsões fruto da ação do veneno da cobra... O tempo corria.....

- Antonio!!!! Chamava Pedro. - Antonio!!! Cadê você, não me deixe!!!!

- To aqui Pedro, o fazendo fogueira pra gente!!!! Não vou lhe deixar!!! Vou buscar mais água no rio.....

- Não!!! Fica aqui comigo!! Senta do meu lado!!!

E assim Antonio fazia ate que o Pedro se acalmava.....

Zé Pititinga e Dona Amélia já haviam alcançado a margem do rio... Estavam se refrescando do calor da caminhada.... Já passava do meio da tarde....

-Zé !! você acredita que chegaremos que horas?

- Por volta do meio da noite dona Amélia. Isso se a senhora não tiver medo de escuro. Pela noite tem muito animal peçonhento andando por ai... Atenção redobrada.......

- Olha Zé quer ensinar o vigário a rezar missa? Tenho mais medo de bicho homem do que desses animaizinhos que vivem por ai..... Disse soltando uma gostosa gargalhada.....

-Veja Dona Amélia, algo ocorreu aqui. Parece que uma grande embarcação atracou por aqui e depois voltou pro rio... Tem pegadas ainda no chão. Duas pessoas.... Uma parece que manca... Foram naquela direção.... Engraçado, porque saltariam da embarcação e voltariam rio a cima pela margem? Pelo que sei nessas paragens não mora ninguém e a próxima cidade fica a alguns quilômetros rio a baixo... Não é estranho? O que a senhora acha? Vamos descer para a cidade pegar um barco e subir o rio para o arraiá? Ou vamos seguir as pegadas?

- Zé você sempre com esse espírito de caçador.... o que você quer me dizer home de Deus? Desembucha!!!!

- Tava pensando em da uma olhadinha rio acima pra ver quem eram esses viajantes.... Não é normal isso....

- Hora Zé, se você quer ir, também vou.... Aqui é que não fico não!!!! Sozinha não!!! Nem pensar viu?

-Então vamos dona Amélia... Vamos ver o que tem a frente...... e dizendo isso começou a andar seguindo os paços.....

- Olha aqui!!! Pararam por um tempo... Parece que para descansar... Esse que ta mancando... Parece que ta ferido... pela forma que anda... o outro apóia... O que ta me deixando intrigado é porque desceram da embarcação se estavam feridos. Será que estavam fugindo de algo? Se for isso são muito descuidados. Deixam rastro pra toda parte... Ate resto de frutas que comeram!!... Não tem muita experiência com mato!!!....

- Ta se divertindo em Zé? Saudades do tempo de Lampião home? Mate logo sua curiosidade pra gente seguir viagem....Disse Amélia...

Umas duas horas depois Zé avistou os rastros mais frescos e na seqüência avistou o acampamento deles.....

- Olha lá embaixo dos arbustos.... Parece que estão lá... Não dá pra vê direito mas parece que estão descansando.... Fica aqui dona Amélia que vou me aproximar.....

Dizendo isso, foi com cautela se aproximando, ate poder ter uma visão privilegiada da situação..... Qual foi sua surpresa ao perceber se tratar dos netos de nho Bento....

Antonio quase que simultaneamente levantou a cabeça na direção onde se encontrava o Ze e não acreditava no que via....Era uma miragem.... Sua mente estava lhe pregando peças... so podia ser.... O Zé ali , naquelas paragens.... levantou-se lentamente sob ajuda do galho que lhe servia de sustentação e assim ficou.....

Zé ao avistá-lo disparou que nem flecha, não se importando com o mato que o arranhava e cortava suas roupas.....

- Garoto que aconteceu? O que faz aqui no meio do mato? Que houve com seu irmão? Quem esta com vocês? Tantas perguntas feitas que Antonio não sabia o que dizer primeiro.... Estava feliz por ver rosto amigo... Não sabia se chorava ou se sorria de contentamento..... Os dois se abraçaram. Antonio então desabou a chorar copiosamente deixando que àquelas horas de tensão e angustia que havia aprisionado dentro do peito aflorasse..... Dona Amélia vindo logo atrás, também abraçou o menino com alegria voltando-se rapidamente para o irmão que estava no chão deitado.Abaixou curiosa com a situação e perguntou sem maiores cerimônias: - O que tem ele?

- Foi mordido por cobra cascavel..... Não sei o que fazer.....

Amélia apreensiva com a situação voltou-se para o Zé e falou:

- Corre Zé na bolsa de couro, tenho raízes e folhas indígenas cultivadas na região que trago para situações como esta..... Vou preparar uma porção pro Pedro beber e machucar essas raízes para botar no machucado. Agente vai ganhar tempo pra buscar ajuda na cidade. Pega água e faz uma fogueira aqui próxima de mim... Rápido.... Vamos fazer um suadouro à moda dos índios. As ultimas palavras se quer foram ouvidas pelo Zé. Antes disso, já estava providenciando material para a fogueira e água para a limpeza e curativos a serem feitos. Home velho no trato de situações como essas, sabia que o tempo era determinante para assegurar a saúde do garoto.

Rapidamente a fogueira foi feita e Amélia passou então a trabalhar de forma frenética. Era uma luta contra o tempo.... Antonio, ao lado sem tirar os olhos do irmão, estava sendo atendido pelo jagunço que improvisara um suporte feito de galhos para imobilizar melhor a perna fraturada e dar um pouco mais de conforto ao garoto. Feito isso, desceu para a beira do rio, em busca de água e para montar uma fogueira com galhos verdes, o objetivo era provocar fumaça e ver se era percebido por alguma embarcação que pudesse estar nas proximidades... O caso do Pedro era grave e somente pelo rio poderiam dar um atendimento rápido ao garoto.

- Nho Bento, não encontramos nada ainda... Já andamos um bocado.... Logo vai escurecer e não vai dar pra voltar à noite!!!! Comentava um dos pescadores da vila que veio com ele na busca. Não quero desanimar, mas Tião já fez esse percurso ontem por aqui e nada encontrou.....

- Sei mestre Manuel!! Mas tenho a esperança, aqui no meu peito, que iremos encontrá-los. Vamos ficar no centro do rio e olhar nas duas margens. Divida o grupo. Vamos pelo menos ate as proximidades do próximo arraia. Lá agente faz uma pausa e descansa.

Ordens dadas, ordens cumpridas!!!. Assim foi feito por todos ali. Cada grupo se ajeitou como pode nas duas laterais da embarcação e não desgrudaram os olhos das margens.

Donana olhava para o rio com os pensamentos perdidos..... Desde o ocorrido não se alimentava direito e dormia pouco. Já, por vezes, ensaiava desfalecer e no momento seguinte demonstrava a firmeza de uma mulher que já vira de tudo naquelas paragens.... Apegada à religião que seus pais lhes ensinaram, não abandonava o terço e as orações. Sua filha por sua vez, caíra febril e ainda não se levantara desde então....

- Toma um copo de café Donana, pra reanimar.... Fe e coragem.... Vai dar tudo certo.... O pai maior ta olhando pra eles..... Com essas palavras Luzia, cozinheira e amiga de longos anos a assistia preocupada. Sabia o quanto estava sendo difícil suportar as aflições que se apresentavam. O quanto Donana era apegada aos netos. A alegria contagiando dos meninos naquela casa, era como se houvesse um renovar constante de vida e esperança para aquelas bandas do sertão.... A noite se aproximava e mais uma vez o recolhimento em preces se iniciaria....

- Nho Bento não deu sinal ainda.... Você acha que ele vai encontrar nossos meninos? Disse Donana com ar abatido pelo cansaço da vigília quebrando a silencio que havia....

- Certamente Donana... Ele não voltará enquanto não esgotar as forças e esperanças.... Seu marido é duro na queda... Quando bota uma coisa no juízo não tem quem tire.....

- Sei disso Luzia, e temo pela sua saúde.... Nossa filha ta lá acamada e sem forças....E Bento é minha preocupação de momento..... Dizendo isso, tomou o café, deu uma ultima olhada para o rio e voltou-se em direção ao andor de Santo Antonio e São Pedro...

Já havia escurecido e na barca, todos cansados, estavam em silencio.... Homens endurecidos pelas experiências da vida guardavam respeito ao velho Bento que os acolhia e protegia em tempos difíceis....Sabiam que não havia mais a fazer se não procurar proteção e esperar um novo dia... Mas aguardavam as ordens do mestre amigo....

- Vamos procurar um lugar para ancorar.... Disse nho Bento depois de longo silencio.... Manoel procura um ponto seguro para ancorarmos e vamos aguardar amanhecer....

- Sem se fazer de rogado, O Velho marinheiro buscou apurar as vistas e localizar um ponto às margens do rio que desce as condições de atracar a embarcação.... Experiente no rio , sabia como poucos como fazer isso....

- Após a curva do rio à frente tem uma pequena enseada. Pararemos lá..... E assim apontou a embarcação para o contorno e acionou a buzina da embarcação..... movimento que fazia sempre que se aproximava para atracar.Onde quer que fosse. Era um habito... dava-lhe animo....

Os minutos se passavam só quebrado pelo barulho das aves noturnas, do vento e do casco da embarcação quebrando as águas do rio.... De repente um dos marinheiros gritou.... Olha aqui!!!!.... Do outro lado do rio, há uma fogueira, tem gente lá.... Tem gente lá.... Todos imediatamente se voltaram para o ponto que o marujo apontava... Foi um momento de alegria e satisfação... Era algo novo naquelas paragens..... Sabiam não haver gente morando na região.... Imediatamente o velho marujo virou a embarcação na direção do clarão, sem esperar ordens.... Nho Bento com esperanças renovadas, mal se guentava no convés.... à medida que se aproximavam sobras ficavam mais nítidas...... Não dava para ver, mas parecia um grande animal, com galhas enormes...... Coria de um lado a outro nas margens do rio..... Não dava para distinguir direito..... Agora as galhas estavam em chamas.... Que bicho seria aquele? Os homens estavam receosos de continuar avançando.... Sabiam das historias de pescadores que se aventuravam à noite pelo rio, sabiam que poderia ser uma dessas entidades..... E agora? Fazer o que? Voltar?... Não dava mais.... E assim foram se aproximando ate que a figura gigantesca de galhos começou a encolher e a se aproximar mais da beira do rio.... Os homens na embarcação começaram a arregalar os olhos com medo da entidade que se apresentava diante da embarcação.... Tomava a forma de um homem.... Ficava cada vez mais nítida a figura masculina..... De repente,Um urro de animal foi ouvido!!!... Assustador....... Pavoroso... Fez gelar os corações dos marinheiros ali presentes.... Que entidade era aquela? O Que queria? Por fim, a embarcação parou.... Ninguém se atrevia a se mover.... Descer então, nem pensar....

- Nho Bento!!!! É você?... Preciso de ajuda..... Venham rápido......

Saindo do torpor momentâneo causado pela situação, os marujos, reconheceram a voz do Zé e explodiram de animação e contentamento.....

-Você que nos matar de susto Zé? Como chegou aqui? Ta fazendo o que aqui ? Todos falavam ao mesmo tempo....

_ Nho Bento pulou do barco, e veio abraçá-lo. – Ze que bo vê-lo meu rapaz.. Ainda bem que veio nos ajudar a encontrar os meninos.....

-Padrinho, é isso mesmo.... Os meninos... Estão aqui comigo.... Vamos lá em cima.....

Todos partiram às carreiras barranco acima onde o Zé apontava....

Grande foi a alegria em ver os garotos novamente. Alguns, mau se contentavam e não escondiam as lagrimas no rosto.... Era visível o contentamento de todos!!!!

Passada a euforia perceberam a situação em que os meninos estavam... Ze e dona Amélia rapidamente explicaram a situação e todos sem exceção resolveram retornar ao barco e alcançar o vilarejo mais próximo rio abaixo. Por certo lá teriam o socorro necessário para os meninos.

Mais uma manha se aproximava e sinhá Donana se alternava entre os cuidados da filha e os preparativos do dia. Luzia já havia levantado bem cedo e a aguardava com o café na mão.

- Luzia!!! esta noite tive um sonho.... Era festa de São João e no arraia todos brincavam.... De repente um menino me puxou pelo vestido, olhei pra ele zangada e ele me disse sorrindo, que estava chegando.... Saiu em disparada no meio da multidão e não o vi mais....O que será? Será que são João ta zangado porque não estou organizando seus festejos? Será que esta me dizendo que os meninos estão bem? O que você acha Luzia? Qual a sua opinião?

- Sinhá Donana, acho que reclamar o santo não ia não... Ele sabe do aperto que a senhora ta passando.... Ta mais pra ser noticia dos meninos.... ou coisa parecida.....Vamos esperar pra ver.... Nho Bento não retornou ainda..... Vamos esperar.... Sinhazinha ta melhor hoje.... Acho que ela levanta da cama mais tarde......

O dia já ia alto sem maiores novidades no arraia. Os preparativos pro São João já estavam na fase final e na casa de nho Bento mãe e filha estavam nas rotinas de trabalho que haviam interrompido antes da tempestade e do desaparecimento das crianças. A expectativa ainda era alta. O patriarca não havia chegado e nada dos meninos também mas, o bom animo reinava no lar.A esperança fora renovada nos corações daquelas mulheres lutadoras e dedicadas...

Após o repouso da tarde, em baixo de um pé de juazeiro, as mulheres tagarelavam sobre as coisas que iam fazer pras festas que se aproximavam. O ambiente estava mais leve e menos triste. Ao longe via o rio São Francisco, sendo aquecido pelo sol e promovendo um espetáculo de cores e brilhos quando os raios batiam em suas águas barrentas. Ao longe também viam-se pequenos barcos de pescadores nos seus afazeres diários.Um deleite para os olhos de quem sabia apreciar a beleza da terra. Um apito ao longe se ouviu....

- Ta ouvindo Sinhá Donana? É o apito do barco do senhor seu marido, ouça, é do barco dele. Ele esta vindo.... ele esta vindo....

- Será Luzia, não me pregue peças.... Não é hora para isso....

- É sim, sinhá .... ouça!!.... ta ouvindo? É ele sim....Tão vindo..... Graças a Deus...... Ele ta vindo pra cá.... Ele ta vindo proa cá.....

E para não desmentir ao longe se via um pequeno ponto escuro, que se agigantava rapidamente.... Era a embarcação de nho Bento.... Inconfundível. A anciedade e expectativa tomaram conta de todos.... Os que ali se encontravam pararam o que estavam fazendo se postaram quase que hipnotizados a observar a embarcação que se aproximava... Era cada vez mais crescente o numero de pessoas que ali paravam.... Mãe e filha não se agüentavam mais e foram se juntar aos demais à beira do rio. Os minutos pareciam horas, o tempo parecia ter parado.... O ar congelado.... Nada mais parecia ter importância do que aquele momento, aquela chegada.... Uma eternidade....

Em fim o barco atracou no tosco ancoradouro feito ao lado.... Um a um vieram descendo, rostos cansados, fatigados e marcados pela dureza da lida.... Desceu dona Amélia e na seqüência vieram o menino Antonio e o Zé amparando-o para não cair. Explosão de alegria se ouviu diante da imagem do menino, gritos, chapéus foram lançados ao alto numa verdadeira festa. Sinhá Donana e filha, abraçadas em prantos não se agüentavam de tanta felicidade.... O mais novo Pedro veio de maca carregada pelo nho Bento e por alguns marinheiros de confiança. Foi uma festança. Que se passou ali, foi indescritivo. Mãe e filhos se abraçaram, choraram e os avos entre risos e lagrimas não paravam de render graças aos céus pelo retorno dos meninos.

A noticia se espalhou como pólvora pelo vilarejo e todos foram ver com os próprios olhos o que acontecia na casa de nho Bento.

Zé pititinta e os meninos eram constantemente solicitados a contarem suas histórias.... Incansáveis, repetiam e repetiam para todos que queriam ouvir... Era um milagre diziam todos..... Um verdadeiro milagre!!!!.....

Finalmente chegou o dia esperado.... Dia de São João, e todos no arraia , acompanhando os festejos. De um lado os meninos, ainda se recuperando dos machucados e do outro lado, em roda de conversa, a família em conversas animadas...

Nho Bento em dado momento chamou Zé e disse: Você é da família Zé, e estamos , eu e sinhá Donana, sempre em divida com você e Amélia.... O que vocês fizeram não tem dinheiro no mundo que pague... Seremos eternamente gratos!!!!

Mas eu queria ouvir sua historia de novo... Tem uma parte que não consigo entender..... Vocês socorreram um velho no caminho pra cá de nome Bartolomeu,que se dizia artífice de couro lá pelas bandas de Piçarrão... é isso?

- é Padrinho, exatamente como disse antes, encontramos o coitado preso em baixo do jumento de nome Tião, ajudamos e levamos para a casa em que seus familiares o aguardavam.... Tudinho ai sem tirar nem por.... Porque a pergunta? Disse Zé curioso...

- É que mandei uns amigos meus encomendar peça de couro para você e Amélia e ninguém soube informar quem era esse Bartolomeu lá em piçarrão.... Já iam desistir quando encontraram um neto dele numa pequena loja fora da cidade.... Só que o que nos foi contado Zé, é que o velho Bartolomeu, que era artífice de couro, faleceu muitos anos antes vitima de um acidente com seu burro no retorno de uma de suas viagens....Acidente este que foi no lugar que você disse ter encontrado o velho. Segundo o neto, alguns dias depois ele e o burro Tião foram encontrados e o que ocorreu foi o que você nos contou.... Eles caíram na vala e o burro ficou com a pata quebrada sobre o velho. Ambos não resistiram e vieram a óbito..... Essa sua historia agora ficou mais interessante Zé, não acha?

Todos ali estavam de boca aberta após o relato do nho Bento.... e mais uma vez a fama de Zé Pititinga ganhou novos contorno.... Agora ele era conhecido como Zé Fala com os Mortos.... e ai já viu ne? A imaginação do povo fez o resto.....

Alguns anos depois chegou na casa do nho bento, uma família de retirante composta de mãe e filho ,que fugindo da seca, parou no arraia.Sinhá Donana, se apiedou e acolheu em sua residência..... A mulher morreu alguns dias depois, mas, o menino sobreviveu e foi apadrinhado pelo casal batizando-o de Pedro Antonio em homenagem aos santos juninos... Mas essa é outra historia que esse velho aqui vai deixar pra outro dia.... Ta tarde e o corpo reclama sono... Boa noite a todos... Dizendo isso se levantou e foi devagar descendo a rua em busca de abrigo....