1025-PIROGAS E PIRANHAS -
Último capitulo da saga
“O Desaparecimento do Coronel Fawcett”.
Estavam todos agachados no fundo da piroga. Na proa, Xan-Kiorá remava com vigor. No meio do rio, a forte correnteza impulsionava a barca feita de um só tronco de árvore, para frente e com velocidade.
-— Desta vez estamos salvos. – falou Raleigh num sussurro. Entre todos, era o que estava mais cansado, abatido.
— Ainda é cedo para falar. Aqueles comedores de gente são muito expertos, conhecem a região.
— As canoas deles já sumiram, rio abaixo. Não tem como vir atrás da gente.
— Ao verem que fugimos pelo rio e soltamos suas pirogas, irão atrás de nós pelas margens. Nossa vantagem é apenas o tempo que temos antes que descubram tudo.
Fawcett tinha razão. Desceram o rio durante algum tempo e já se julgavam salvos, quando o rio começou a se estreitar. A correnteza aumentou. Aproximavam-se de uma garganta que fazia com que o rio se tornasse estreito e rápido.
Xan-Kiorá gritou uma ordem, enquanto ele mesmo puxava o remo e se escondia sob a proteção das bordas da canoa.
— Vamos agachar e nos proteger – disse Fawcett a Raleigh.
Encolheram-se o mais que puderam no fundo da piroga, cujas bordas ficaram a poucos mais de um palmo acima das águas do rio. Empurrada pela correnteza, a piroga adquiria cada vez mais velocidade rumo à estreita garganta, entre altos barrancos.
Súbito, ouviram os gritos de índios. Os Kala-Paios surgiram, levantando-se por entre a folhagem da margem direita. Chegaram à beirada do alto barranco e ali ficaram, á espera da piroga e seus ocupantes.
Uma chuva de flechas e lanças caindo de cima atingiram os fugitivos. As lanças, quando não atingiam os fugitivos, acertavam a canoa pelo lado direito, balançando-a perigosamente. Faziam enormes furos por onde a água começou a entrar.
Um dos Kui-Kuros elevou a cabeça apenas alguns centímetros sobre a borda e recebeu um flechaço que o lançou do outro da canoa. Ficou exposto a mais flechas, que fizeram de seu corpo um paliteiro. Tombando para fora da piroga, caiu no rio.
Um agitar inusitado na água puxou o infeliz para o fundo, enquanto a água se tingia de vermelho. Piranhas ás centenas apareceram para se banquetearem.
A canoa começou a adernar, isto é, inclinava-se para um lado, com o perigo de afundar. Xan-Kiorá levantou-se corajosamente empunhando o remo e tentou colocar o barco no rumo certo, a favor da correnteza, o que conseguiu por alguns minutos, antes que fosse atingido por uma flecha no lado esquerdo das costas. Largou o remo e caiu sobre a borda, os braços afundados na água. Novamente aconteceu o agitar frenético das águas causado pelas piranhas assassinas. Em segundos a água avermelhou-se e o corpo do intrépido índio foi arrastado pelos milhares de peixes vorazes.
Por mais que se encolhessem, não houve como escapar das flechadas e das lançadas.
Todos foram atingidos em várias partes dos corpos. Mesmo à distância, as flechas lançadas para o alto, desciam com velocidade incrível, atingindo os homens já feridos ou os corpos sem vida. Ninguém sobreviveu ao ataque.
Passada a garganta, ainda com muita velocidade, a piroga seguiu seu caminho traçado pela correnteza do rio.
Até que, por força e movimentos da própria correnteza, a piroga virou e todos os corpos foram lançados ao rio.
Novamente as ferozes piranhas atacaram, e o rio tornou-se tinto de sangue. Dois náufragos tentaram se agarrar á piroga, porém a força do cardume de piranhas acabou por arrastá-los também para o fundo.
Os kala-paios a tudo assistiam, e gritavam a enquanto piroga e corpos desapareciam no meio de uma enorme mancha de sangue humano que ia aumentando, aumentando, aumentando...
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 13 de julho de 2017.
Conto # 1025 da Série MILISTÓRIAS PLUS