1023 - RITUAL INFERNAL
Capitulo 10 DA Série "O Desaparecimento do Coronel Fawcett.
O pajé executou sua dança, ainda mais tétrica do que a anterior, num ritmo alucinante marcado pelos tambores. Após alguns minutos do frenesi de pajelança, caiu teatralmente enquanto os tambores silenciaram-se.
Os tambores se calaram por um momento, e voltaram a soar, agora em ritmo solene, enquanto o cacique se aproximava, com trajes compridos feitos de peles e penas. Um exuberante cocar colorido amarrado à cabeça aumentava-lhe a imponência.
Parou no centro do terreiro, próximo às fogueiras, de tal forma que sua figura, iluminada de frente, dava-lhe destaque e impressionava.
Erguendo a mão, falou aos seus subordinados, índios e índias todos ali reunidos. Uma arenga para Fawcett e Raleigh, mas que talvez os cinco companheiros de expedição entenderam, pois seus olhares ficaram aterrorizados e começaram gritar.
A seguir, o cacique e o pajé dirigiram-se juntos até as estacas onde estavam amarrados os sete prisioneiros. Passaram lentamente por todos eles, olhando-os de alto a baixo, como se estivessem escolhendo um prisioneiro. Como, de fato, estavam.
Apontando para um dos Kui-Kurús, o pajé falou algo com o cacique, que respondeu como que concordando.
O prisioneiro escolhido agiu como se estivesse enlouquecido. Gritava e agitava o corpo. Até que o pajé levou à mão esquerda aos seus olhos, firmou a cabeça contra o poste e usando uma machadinha bem afiada, com um gesto rápido e forte, decepou-lhe a cabeça.
Os gritos cessaram, mas o corpo sem cabeça ainda se agitou por alguns momentos, como se resistindo à morte.
O pajé entregou a cabeça ao cacique, que agarrou-a pelos cabelos e entregou-a a um índio que já se achava ao seu lado com uma vasilha rasa, para receber o terrível troféu. Enquanto os dois maiorais voltavam para a proximidade da fogueira, outros índios, com instrumentos afiados, cortaram as cordas que sustinham o morto, e foram esquartejando o corpo, separando membros e abrindo-lhe a barriga.
Fawcett, que estava ao lado do índio sacrificado a tudo assistia petrificado de horror. Raleigh parecia desmaiado, o corpo pendente dos braços amarrados, com a cabeça abaixada. Os outros índios amarrados estampavam nos rostos e olhos terror e medo impossíveis de serem revelados. Todos sabiam agora como terminariam: como o primeiro escolhido. Era só uma questão de tempo.
O festim diabólico e canibalesco continuou noite adentro. Índios, índias e crianças, todos participavam. Uma bebida era ingerida pelos homens, que ficavam mais entusiasmados.
Fawcett fechou os olhos para não ver tanta abominação. Todavia, era-lhe impossível não ouvir os sons que vinham das proximidades da fogueira – tambores, risadas, mulheres cantando um canto ritual, enfim, uma parafernália demoníaca que justificava o apelido de Inferno Verde atribuído à selva amazônica.
Em meio à orgia canibalesca, destacaram-se quatro índios Kala-Paios que se dirigiram às estacas dos prisioneiros. Empunhavam utensílios de corte, facas rústicas que usavam com perícia. Dois desamarraram um dos Kui-Kuros, retirando-o do poste, amarrando novamente os pulsos e mostrando uma oca, fizeram com que o prisioneiro andasse até lá. No interior da cabana de bambu amarraram novamente os pés e o deixaram lá.
Fizeram a mesma coisa com os outros índios e com Fawcett. Quanto a Raleigh, que estava desmaiado há algum tempo, o desamarraram e o carregaram, tornando a amarrar pés e mãos depois de o colocarem no chão da oca.
Os membros entorpecidos, famintos e com sede, os corpos doloridos, extenuados, assim ficaram os seis prisioneiros estendidos no chão. Um dos índios pediu, num dialeto comum, água e comida, mas ninguém lhes deu atenção.
Na abertura da oca, que poderia ser chamada de porta, ficou uma sentinela. Em seguida, chegou uma índia trazendo uma vasilha com água. Todos beberam à vontade. Fawcett molhou o rosto de Raleigh, que acordou assustado. Ele também tomou um pouco de água e reanimou-se.
Antes de sair, a índia disse algumas palavras que um dos Kui-Kuros explicou a Fawcett e Raleigh:
— Comida acabou.
Os seis homens se acomodaram como lhes foi possível para tentarem dormir.
A sentinela ficou de pé por algum tempo. Mais tarde encostou a lança na cabana e agachou-se. Parecia que ele também iria tirar seu cochilo, mesmo sendo o único guardião dos prisioneiros.
A seguir –– Capitulo 11 - Fugindo do Inferno - conto # 1024
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 13 de julho de 2017.
Conto # 1023 da Série – MILISTÓRIAS – PLUS