Minha União Gay

Dizem, as pessoas que professam a religião espírita, que somos nós que escolhemos nossa ambientação de vida, a família a qual vamos pertencer e as provas que vamos enfrentar durante a vida terrena. Ou seja, é o espírito que faz as suas escolhas ainda no mundo espiritual, antes de encarnar, como essenciais ao seu aprimoramento. Não sei até onde isto é verdade; não sei nem se acredito nisto ou não. Não consigo me conformar que tenha sido desta forma comigo.

Acho que jamais escolheria vir a este mundo como mulher. Se ser lésbica é minha sina, se gostar do mesmo sexo é algo pecaminoso, então por que não nasci homem? Teria sido tudo muito mais fácil. Aquilo que eles possuem entre as pernas não me desperta nenhum interesse. Mas, o que elas possuem, ah! Como me fascina! Como me encantam os seus trejeitos! Sua fala macia, este mundo de feminilidade!

Minha vida não foi um mar de rosas. Mas posso me vangloriar de tê-la usufruído intensamente. As mulheres que passaram por mim e por minha cama teriam deixado muitos homens loucos e apaixonados se deles tivesse sido a metade dos carinhos que elas me proporcionaram; e em beleza física nada ficariam devendo às melhores misses.

Meus pais não aceitaram de princípio minha opção sexual até quando, definitivamente, deixei que me crescesse um buço e que me desaparecessem os seios por uma estratégia forçada de nunca usar sutiã e apertá-los freneticamente sob as camisetas. Sofria com a falta de ar e o desconforto, mas a determinação em eliminar da minha aparência qualquer insinuação feminina compensou meu sacrifício; até que me acostumei e transformei o estoicismo em orgulho e prazer. Voz, maneirismos e comportamento, tudo foi se adaptando a minha decisão subconsciente e eu me vi homem com um órgão sexual de mulher.

Como passei a infância e a adolescência no interior, desconhecia os ajuntamentos homossexuais das grandes cidades. Delirava de prazer ao ouvir os comentários sigilosos das minhas colegas a respeito desses casais que se reuniam em locais especiais. Sob a fraca luminosidade de um ambiente aconchegante acariciavam-se e uniam apaixonadamente os lábios em beijos espetaculares. Como testemunhas, outros que ali estavam com o mesmo objetivo: compartilhar momentos de intimidade longe dos olhares reprovadores da sociedade despreparada.

No auge da puberdade, com a insistência das características femininas querendo sobressair e minha relutância em aceitá-las, usando para isto métodos antinaturais, contrariando minha natureza, sofri intensamente. Por um lado, a auto aceitação de ver meus seios crescerem, a cintura se projetar e a visita da menstruação me resignavam à condição feminina. Contudo, a rebeldia superava toda e qualquer tentativa de levar uma vida normal; eu era mulher apenas na forma. Foi quando, aos dezesseis anos, travesti-me por completo, causando torpor e admiração aonde quer que fosse.

As primeiras conquistas foram extremamente difíceis, mas ter conhecido Rubia compensou toda longa espera por alguém que me apoiasse e me compreendesse. Quanto a ela, que garota! Que piteuzinho mais adorável! Aos dezesseis anos, dois mais jovens do que eu, era a minha perdição. Como eu a amava! Parecia inacreditável que tudo aquilo estivesse a minha disposição. Valera a pena esperar e passar pelo que eu havia passado até encontrar Rubia. Ao seu lado o mundo lá fora deixava de existir para mim.

- Às vezes me preocupa a nossa união – eu disse uma vez a Rubia.

- Não há motivos para isso; eu te amo – foi sua resposta cheia de ternura.

- É que...

- O que há? Pode falar; o que sente?

- Não sei se a satisfaço plenamente.

- Não sabe como me completa.

- Está falando sério?

- Totalmente – respondeu-me com um sorriso.

-É que toda mulher precisa...

-... De um órgão sexual masculino, você quer dizer. Ouça, tenho você, tenho o seu amor. Você me completa, me enche de amor e carinho. Carinho que nenhum homem é capaz de dar a uma mulher.

- Queria tanto creditar no que está dizendo!

- Acredite; é seu o meu amor, e de mais ninguém.

Queria a creditar, mas meu sentimento não era de autoconfiança. Rubia era linda, de partir corações; cortejada e admirada onde quer que andasse. Por que não sucumbiria aos encantos de um rapazola? Embora fosse minha e eu sentia isto; na intimidade, na forma carinhosa de me tratar, nos beijos cheios de amor e desejo, era difícil manter a certeza de que assim continuaria. Nosso circulo de amizades era comum. Os que não apoiassem integralmente a nossa união não eram merecedores de admiração e eram assim descartados da nossa convivência.

Mesmo numa época em que não havia a liberdade de hoje - redes sociais, homofobia e união gay eram expressões e condições ainda a surgir em um futuro bem mais adiante - soubemos conquistar da sociedade um respeito peculiar. Os pais de Rubia, não suportando a mofa e o preconceito, expulsaram-na do seu convívio e eu acolhia-a para um lar de felicidade e harmonia. E senti, naqueles anos áureos de paixão fulminante, o nosso amor crescer, junto com a certeza, a minha certeza, de que seria assim eternamente.

Mas o amor lésbico não nasceu para criar raízes. Se o heterossexual peleja para manter acesa a chama do seu amor, imagina a minha espécie, que rouba do ser amado o prazer da polaridade. Por tudo isto, minha alma sofria por entender a carência do ser amado. Os anos se passaram e a vida adulta de Rubia tomou o rumo que eu temia. Mas, por minhas razões internas, não sofri além do necessário a uma rápida compreensão da natureza humana. A partir das minhas dificuldades em procurar, nas companhias femininas, o ardor da paixão, já previa qual seria o meu destino: um viver impregnado de aventuras que em nada resultariam.

Minha maturidade como mulher só me dá uma certeza. A união gay é válida pela companhia de dois seres que querem mostrar ao mundo que o amor não tem sexo; que ele brota da alma onde existem reciprocidade e compreensão das carências do outro. Se há respeito, há amor e pode haver harmonia. Quanto a mim, encontrei esse amor na relação com os meus familiares e na sociedade em que hoje vivo. Quanto a uma união gay, preferi continuar sozinha; mas apoio os que tentaram uma vez, como eu. E como invejo os que acertaram e para sempre foram felizes

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 01/12/2017
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