Jerry afastou-se a passos largos. Na véspera tinha me contado que pretendia encerrar seu Caminho em Santo Domingo de la Calzada, a 150 km de onde estávamos, pois necessitava voltar à Irlanda. Mais tarde viria para retomá-lo a partir daquela cidade.
Saí de Pamplona com a firme convicção de que ainda retornaria. Afastei-me lentamente de seu Centro Histórico e comecei a seguir as setas indicativas do Caminho. O tráfego de veículos começava a aumentar à medida que eu caminhava.
Passei ao lado da "Universidad de Navarra", situada num magnífico complexo estudantil de gigantescas proporções. Lindo lugar.
O sol começava a aparecer. Ainda era muito cedo, mas resolvi tirar meu casaco assim mesmo. Prefiro o frio ao calor. Detesto transpirar, ainda mais com uma mochila de 9 kg nas costas. Não obstante a "faxina" realizada no dia anterior, ela ainda estava pesada.
Passei por Cizur Menor e em seguida atravessei a estrada enveredando por uma trilha de terra que cortava lindos campos floridos. O perfume exalado era inebriante. O vento começou a orquestrar uma sinfonia magistral, onde as flores se exibiam em graciosos movimentos. Avistei um banco sob uma árvore e acelerei o ritmo. Queria sentar-me ali na primeira fila e contemplar aquele espetáculo maravilhoso que estava acontecendo bem diante dos meus olhos. Algumas pétalas se desprendiam pela força do vento e ficavam sob o comando de sua experiente batuta, executando passos ornamentais como exímias bailarinas.
Alguém muito maior que o vento, e que está no comando de todas as coisas neste mundo, certamente tinha organizado aquele evento.
E justamente eu, mero pecador e mortal, havia ganhado dos céus aquele inesperado presente.
Absorto e feliz, fui sacudido inesperadamente pela realidade. Um grupo de ciclistas brasileiros, vendo a bandeira do Brasil "espetada" na minha mochila, disparou em alto e bom som: "Vamos lá cara - nada de moleza" e distanciaram-se em ruidosas gargalhadas. Eles não haviam recebido ingressos para aquela sinfonia. Que pena.......
Prossegui para Guenduláin e depois para Zariquiequi, onde parei para descansar e encher meu cantil. Precisava me preparar para a longa subida que vinha pela frente e que me conduziria ao "Alto del Perdón" com seus 770 m de altura. Antes de iniciar a marcha resolvi tomar um canecão de cerveja saída daquelas lindas chopeiras de cobre, quase sempre jorrando do bico de uma águia. Recebi um pratinho com "pinchos" ou "tapas" - São "tira-gostos" que normalmente acompanham de forma gratuita as bebidas na Espanha.
"Pinchos", vem de "pinchar" que em espanhol significa ESPETAR (os salgadinhos). Já "tapas," vem de TAPAR (outrora tapava-se o copo da bebida com o pratinho do tira-gosto para evitar que alguma mosca caísse lá dentro).
O sol esquentava tudo do lado de fora do bar. Nem parecia primavera. Resolvi pedir mais uma caneca de cerveja. Lá veio ela com um novo pratinho de azeitonas, pepininhos e cebolinhas. Saboreei vagarosamente a bebida e como o bar tinha WI-FI pedi o login e "la clave" (senha) ao proprietário, pois queria aproveitar para mandar fotos, vídeos e noticias minhas para casa. Isto feito, pensei em sorver mais um canecão daquela deliciosa bebida, mas desisti por perceber que já estava ficando muito "alegre".
A bebida funcionou como combustível em minhas veias fazendo-me caminhar a passos decididos, aumentando a minha resistência. Por isso, quase passei direto pela "Fuente de la Reniega", onde segundo reza a lenda, o demônio apareceu a um peregrino que por ali passava sob um sol escaldante, quase morto de sede. Disse que lhe daria de beber se renunciasse a Cristo e a Santiago de Compostela.
- Prefiro então a morte, ter-lhe-ia respondido o peregrino.
Imediatamente um raio de luz perfurou a rocha fazendo jorrar um esguicho de água cristalina onde o caminhante saciou sua sede.
Ia pensando sobre esse fato quando fui açoitado por um forte vento que dificultava minha subida, mas mesmo assim cheguei eufórico ao cume da "Sierra del Perdón" ou ao "Alto del Perdón" propriamente dito.
Eu me sentia como um soldado romano. As figuras esculpidas pareciam dar-me as boas vindas. Era o Monumento ao Peregrino. Uma inscrição feita a fogo sobre o ferro dizia: "Donde se cruza el camino del viento con el de las estrellas".
A referência lembrava que o Caminho de Santiago, todo ele situado sob a Via Láctea, ali dava as mãos a um dos poderosos elementos da natureza.
O vento assobiava incessantemente obrigando-me a fechar o zíper do casaco e a segurar bem minha câmera. Não à toa naquela região no cume das elevações próximas, uma considerável quantidade de geradores eólicos havia sido instalada. Perfilados, lembravam os moinhos de vento contra os quais Dom Quixote se insurgiu. Tentei imaginar por onde andariam Marta e Paulo que desapareceram engolidos pela neblina nos Pirineus bem diante dos meus olhos.
Certamente já haviam passado por ali, pois quem consegue vencer os Pirineus não encontrará pela frente outro desafio de igual magnitude.
Após um rápido descanso, preparei-me para a formidável descida que vinha logo à frente. Eu teria que caminhar agora até Puente la Reina distante 11 km dali e baixar de 770 para 345 m de altitude.
Lá certamente havia outro canecão de chope aguardando por mim.
Saí de Pamplona com a firme convicção de que ainda retornaria. Afastei-me lentamente de seu Centro Histórico e comecei a seguir as setas indicativas do Caminho. O tráfego de veículos começava a aumentar à medida que eu caminhava.
Passei ao lado da "Universidad de Navarra", situada num magnífico complexo estudantil de gigantescas proporções. Lindo lugar.
O sol começava a aparecer. Ainda era muito cedo, mas resolvi tirar meu casaco assim mesmo. Prefiro o frio ao calor. Detesto transpirar, ainda mais com uma mochila de 9 kg nas costas. Não obstante a "faxina" realizada no dia anterior, ela ainda estava pesada.
Passei por Cizur Menor e em seguida atravessei a estrada enveredando por uma trilha de terra que cortava lindos campos floridos. O perfume exalado era inebriante. O vento começou a orquestrar uma sinfonia magistral, onde as flores se exibiam em graciosos movimentos. Avistei um banco sob uma árvore e acelerei o ritmo. Queria sentar-me ali na primeira fila e contemplar aquele espetáculo maravilhoso que estava acontecendo bem diante dos meus olhos. Algumas pétalas se desprendiam pela força do vento e ficavam sob o comando de sua experiente batuta, executando passos ornamentais como exímias bailarinas.
Alguém muito maior que o vento, e que está no comando de todas as coisas neste mundo, certamente tinha organizado aquele evento.
E justamente eu, mero pecador e mortal, havia ganhado dos céus aquele inesperado presente.
Absorto e feliz, fui sacudido inesperadamente pela realidade. Um grupo de ciclistas brasileiros, vendo a bandeira do Brasil "espetada" na minha mochila, disparou em alto e bom som: "Vamos lá cara - nada de moleza" e distanciaram-se em ruidosas gargalhadas. Eles não haviam recebido ingressos para aquela sinfonia. Que pena.......
Prossegui para Guenduláin e depois para Zariquiequi, onde parei para descansar e encher meu cantil. Precisava me preparar para a longa subida que vinha pela frente e que me conduziria ao "Alto del Perdón" com seus 770 m de altura. Antes de iniciar a marcha resolvi tomar um canecão de cerveja saída daquelas lindas chopeiras de cobre, quase sempre jorrando do bico de uma águia. Recebi um pratinho com "pinchos" ou "tapas" - São "tira-gostos" que normalmente acompanham de forma gratuita as bebidas na Espanha.
"Pinchos", vem de "pinchar" que em espanhol significa ESPETAR (os salgadinhos). Já "tapas," vem de TAPAR (outrora tapava-se o copo da bebida com o pratinho do tira-gosto para evitar que alguma mosca caísse lá dentro).
O sol esquentava tudo do lado de fora do bar. Nem parecia primavera. Resolvi pedir mais uma caneca de cerveja. Lá veio ela com um novo pratinho de azeitonas, pepininhos e cebolinhas. Saboreei vagarosamente a bebida e como o bar tinha WI-FI pedi o login e "la clave" (senha) ao proprietário, pois queria aproveitar para mandar fotos, vídeos e noticias minhas para casa. Isto feito, pensei em sorver mais um canecão daquela deliciosa bebida, mas desisti por perceber que já estava ficando muito "alegre".
A bebida funcionou como combustível em minhas veias fazendo-me caminhar a passos decididos, aumentando a minha resistência. Por isso, quase passei direto pela "Fuente de la Reniega", onde segundo reza a lenda, o demônio apareceu a um peregrino que por ali passava sob um sol escaldante, quase morto de sede. Disse que lhe daria de beber se renunciasse a Cristo e a Santiago de Compostela.
- Prefiro então a morte, ter-lhe-ia respondido o peregrino.
Imediatamente um raio de luz perfurou a rocha fazendo jorrar um esguicho de água cristalina onde o caminhante saciou sua sede.
Ia pensando sobre esse fato quando fui açoitado por um forte vento que dificultava minha subida, mas mesmo assim cheguei eufórico ao cume da "Sierra del Perdón" ou ao "Alto del Perdón" propriamente dito.
Eu me sentia como um soldado romano. As figuras esculpidas pareciam dar-me as boas vindas. Era o Monumento ao Peregrino. Uma inscrição feita a fogo sobre o ferro dizia: "Donde se cruza el camino del viento con el de las estrellas".
A referência lembrava que o Caminho de Santiago, todo ele situado sob a Via Láctea, ali dava as mãos a um dos poderosos elementos da natureza.
O vento assobiava incessantemente obrigando-me a fechar o zíper do casaco e a segurar bem minha câmera. Não à toa naquela região no cume das elevações próximas, uma considerável quantidade de geradores eólicos havia sido instalada. Perfilados, lembravam os moinhos de vento contra os quais Dom Quixote se insurgiu. Tentei imaginar por onde andariam Marta e Paulo que desapareceram engolidos pela neblina nos Pirineus bem diante dos meus olhos.
Certamente já haviam passado por ali, pois quem consegue vencer os Pirineus não encontrará pela frente outro desafio de igual magnitude.
Após um rápido descanso, preparei-me para a formidável descida que vinha logo à frente. Eu teria que caminhar agora até Puente la Reina distante 11 km dali e baixar de 770 para 345 m de altitude.
Lá certamente havia outro canecão de chope aguardando por mim.