Caminho de Santiago - Cap. 01/32 - O início

Eu não sabia o que fazer naquela altura da vida. Já estava aposentado há alguns anos. Havia lido e relido os livros que queria. Costumava tomar minhas taças de vinho olhando o mar. Gostava quando uma tempestade se anunciava. Ficava admirando os relâmpagos e vendo o vento envergando os galhos das árvores, levantando a poeira das ruas - ao menos era algo diferente. Às vezes acordava de madrugada e ficava olhando para o teto. Andava mesmo meio deprimido. Tanto esforço para chegar até aqui e parecia que eu havia caído numa armadilha do destino.

Subitamente, uma ideia explodiu em minha cabeça:

Caramba Sergio. Vá fazer o Caminho de Santiago. Não é o que você sempre quis quando ainda trabalhava? Por que não agora? Você está aposentado - não ganhas muito, tá certo, mas pra isso dá!!

Meio trôpego, após ter degustado uma inteira garrafa de vinho e com o sangue revigorado em minhas veias, caminhei até o escritório e liguei o computador. Vamos, coragem! Você consegue!!

Minha pulsação era tão forte e intensa, que podia senti-la batendo vigorosamente em minha fronte, ecoando em meus tímpanos, reverberando em todo o meu corpo.

Minha respiração era ofegante e precisei me acalmar para poder ir em frente. Eu estava prestes a dar um grande passo.

Apertei as teclas certas e pronto: lá estava a minha passagem aérea subindo lentamente como que cuspida pela impressora.

Não tinha mais volta. "Alea Jacta Est".

No dia seguinte, já não tão seguro e sem o auxílio do vinho que faz tudo ficar mais aprazível e realizável, tentei abortar o processo. Imaginei que tinha feito uma grande besteira apenas por impulso - e pior, sem qualquer planejamento.

Não deu - a burocracia e as ameaças de penalização por parte das empresas aéreas em caso de cancelamento eram desencorajadoras. Resolvi encarar. Afinal, sou um homem ou um rato? Pensei...

Acho que um rato, concluí.

Como eu iria me virar? Não sabia quase nada do Caminho. Mais tarde descobriria que aí é que estava toda a magia.

Aos poucos fui lendo a respeito e gostando do desafio. Eu havia dado início a uma reação em cadeia, a um moto-contínuo, a um sortilégio do qual não conseguiria mais escapar, como uma folha presa a um redemoinho que caminha inexoravelmente para o fundo do rio da aventura.

E tal qual um Louva Deus que tem a cabeça devorada pela fêmea no ato da procriação, eu já não me importava com mais nada. Só com o prazer que aquilo estava me proporcionando.

Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 03/08/2017
Reeditado em 22/09/2017
Código do texto: T6073034
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