1016-O ÍNDIO INVISÍVEL

O Desaparecimento do Cel. Fawcett – 4º. capítulo

Pisava com pés macios o solo da floresta. Ninguém nem animal algum o pressentia pelo caminhar. Mas havia o faro. E o que ele sentia então, naquele momento, era o cheiro azedo exalado pelos homens brancos. Pouca gente, talvez dois ou três, era o que sentia pelo odor desagradável ao seu faro apurado.

Estão por perto. Melhor esconder-me que encontrá-los. — Pensou Xan-Kiorá

Era um índio diferente de todos na aldeia Kui-Kuiro cujo chefe Ke-Tifun era seu pai. Fora sempre assim: rebelde, isolado, gostava de caçar e pescar sozinho, longe de tudo e de todos. O pajé dizia que ele ia ser o maior de todos os índios, maior até que seu pai. Xan-Kiorá não dava importância a nada. Até mesmo detestava os rituais da tribo. Quando cresceu e já se sentiu capaz de viver sozinho, abandonou a tribo. O motivo mais importante fora o ritual quando comerem a carne de um índio inimigo da tribo, cena terrível que o deixou atordoado.

Isto fora há muitas luas; muitas estações de calor e de chuvas já haviam passado e Xan-Kiorá já estava curtido naquela vida de solidão. Andava sozinho pela mata, sua morada desde que abandonara a tribo.

Sabia de todos os segredos da floresta e de todos os truques dos bichos. Conhecia esconderijos e cavernas, locas e buracos onde se esconder ou permanecer nas noites de friagem, já que nas noites de calor dormia empoleirado nos altos galhos das arvores gigantes, escondido dos índios e dos animais.

Na tarde quente, caminhava atento sob as árvores numa região em que os arbustos não medravam, devido à sombra das altas árvores. O sol estava no alto do céu até mesmo na mata entrava a claridade do deus do dia.

De repente, sentiu aquele cheiro estranho da floresta: um cheiro azedo, forte, diferente do cheiro de qualquer fera — e ele já havia se deparado com todos os animais selvagens.

Subiu célere numa árvore de galhada frondosa.

Então viu, caminhando com dificuldade, três homens brancos andando a pé. Silenciosos e desatentos a tudo ao redor.

A curiosidade fez com que acompanhasse os estranhos, sempre pelo alto das árvores, pulando de um galho a outro, usando cipós quando a distância entre galhos e arvores era maior. Era cuidadoso e silencioso na sua caminhada aérea e os brancos nada pressentiram.

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Fawcett, seu filho Jack e o companheiro de aventuras Raleigh caminhavam silenciosos. Não estavam de bom humor. A causa era a determinação de Fawcett, ao depararem com um caudaloso rio, mudar o rumo da caminhada.

Estava combinado que iriam para o leste, a fim de evitar as tribos de índios sanguinários, os Kala-Payos, cuja lenda lhes atribuía a prática de canibalismo e a arte de encolher as cabeças das vítimas. Diziam que a taba era circulada por altas estacas no topo de cada uma delas uma cabeça humana de tamanho reduzido.

— Vamos para o norte. Aqui a correnteza aqui está muito forte.

— Por aqui corremos o risco de encontrar os Kui-Kuros ou os Kala-Payos. — Argumentou Jack.

Fawcett não deu ouvidos ao filho. Consultou mais uma vez o velho mapa e apontou para uns desenhos minúsculos de construção dourada, e uma torre, tudo bem ao norte.

— É para lá que vamos. Em busca da cidade de ouro e da torre que brilha sempre.

Só não se separaram porque nenhum deles sabia com certeza qual rumo tomar.

Amuaram-se e agora só falavam o essencial. Talvez o medo de Jack e Raleigh contribuísse também para o silêncio enquanto caminhavam.

Fazia uma semana que se dirigiam para o norte, tendo abandonado a beirada do rio, e adentrando-se cada vez na densa mata do “Inferno Verde”.

Andavam por uma região de poucos arbustos. Entardecia. Fawcett disse:

— Aqui está bom para acamparmos, o terreno está limpo e fácil de armarmos nossa pequena tenda.

O índio Xan-Kiorá que os seguia pelo alto das arvores viu quando pararam, deixaram cair os sacos que traziam as costas, em gestos que mostravam estarem muito cansados.

Outro cheiro chegou às narinas do índio. Agora, de imediato identificou: eram índios da sua tribo. E vinham pela mesma trilha, só que em direção contrária.

Os índios pressentiram a presença dos brancos e se espalharam, sob as ordens do chefe, em um círculo, escondidos atrás de troncos e ramados, armando uma emboscada para os brancos.

Os brancos nada perceberam da movimentação dos índios, silenciosos e confundindo-se com as sombras da mata. Xan-Kiorá, escondido no alto de uma árvore, era um simples expectador. Não gostava dos brancos e era um proscrito de sua própria tribo.

Era apenas curioso e lá no alto ficou para ver os brancos sendo emboscados pelos seus irmãos de sangue.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 12 de junho de 2017 .

Conto # 1016 da Série MILISTÓRIAS PLUS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 01/08/2017
Reeditado em 01/08/2017
Código do texto: T6071212
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