CAUSOS DO TIO ANTONIO I
Numa tarde de verão,quando o sol já começa a cair, como de costume me aproximei da venda do Mario, que não passava de um cubículo sujo,onde o dono vendia canha quente em copos sebentos,pois a maioria dos fregueses eram pobre do vilarejo de Santa Fé,alguns poucos quilômetros da fronteira com o Uruguai. No entanto ali estavam pessoas de boa experiência,condenados da justiça e da vida,fugitivos ou esperando a morte certa naquele lugarejo esquecido por Deus e pelos dirigentes políticos; para sair dali o único transporte eram os cavalos, carroças nem sempre se atreviam a passar,as estradas não eram estradas, apenas trilhas.Quando lá cheguei todos já estavam sentados nos velhos cepos.Cumprimentei-os:
-Buenas tarde amigos!
-Buenas! responderam quase em uníssono.
Puxei um banco e me sentei.A conversa parecia não ter razões para existir, eram alguns sons apenas para animar um carteado de pife com um baralho tão velho que quase não se via o Rie de Espadas.Aproximei-me então de Tio Antonio, homem sério, bebia sua caanha lentamente em pequenos goles, falava de forma cadenciada, em linguagem correta e não parecia ser dali, como a maioria não o era. Tio Antonio puxou conversa perguntando pela chuva que há um mês não dava as caras por ali e o milho corria o risco de secar antes das espigas estarem prontas.
Perguntei-lhe então de onde era e que fazia por ali.
-Não sei de onde sou, nem de onde venho e aqui planto milho em alguns hectares de terra, como a maioria de nós.Respondeu.
E prosseguiu.
-Aqui pouco se fala de intimidades, todos já fomos algumas coisas na vida e a única coisa que acho que é certa é que ninguém aqui presta pra nada, mas vou te contar um causo.
"-Há muitos anos atrás vivi num lugar muito grande, com muito trabalho e uma vida agitada, mulheres para todos os momentos, época de ouro dos bailões em que se dança a noite toda, havia confusões, muita bebida,mas não havia drogas ilícitas.Mesmo assim as confusões não paravam e, para minimizar os conflitos, o proprietário contratava alguns seguranças.Eu era um destes homens, éramos três "armários" atentos a tudo que se passava no lugar.Não era possível entrar armado de nada, a revista era rigorosa, no entanto quando alguém saía do baile, tinha direito a retomar sua arma que fosse qualquer.Quando uma pessoa é de tamanho avantajado como nós três seguranças do bailão, é preciso ter cuidado com a truculência, ser um pouco delicado com as pessoas e isso não nos torna fracos e nem evita que outros nos façam provocações.E naquele dia o baile estava animado quando entraram duas gurias minhas conhecidas para as quais eu dava certa proteção ali e depois as levava para casa, em troca as duas me ajudavam a limpar minha casinha de madeira, tomavam mate e até bebiam alguma coisa junto, até que um dia houve um encontro entre Maristela e este que vos fala,que terminou numa cama de solteiro no meu quarto,numa noite fria que no final nos fez suar e ficar com os pelos arrepiados.Depois não deu mais certo e Maristela era de índole calma e foi procurar o seu caminho.Aos finais de semana elas sempre vinham juntas e eu as levava para casa. Nessa noite parecia que as coisas não iriam dar certo, havia no ar um que de violência não declarada e nós,guardiões do lugar, de olhos esbugalhados, esquadrinhando todos os cantos.Entre os seguranças havia muita amizade e respeito e o que fosse com um era com os outros.Lá pelas três da manha chegaram três homens, um deles deixou um revólver na entrada,foi bem revistado como sempre e foi dançar.Olhou bem em todas as direções e foi até o cantinho onde estavam Maristela e Cassemira, esse era o nome da outra moça, minhas duas amigas.solicitou a Maristela uma dança e lá se foram, depois de algumas voltas o cara comprou cervejas e ficou bebendo com elas. Eu estava olhando tudo e não deixei de perceber um certo alarido para o lado de lá,onde estavam as gurias.E era com elas mesmo que estava ocorrendo um problema e a causa era o recém chegado, tipo esguio que andava como se estivesse dançando. Segui na direção delas e perguntei a Cassemira se estava tudo bem.O homem não a deixou responder e gritou comigo:-não te meta que não é assunto teu.Ora, ninguém grita comigo e também ninguém agride minhas amigas,mantendo a calma e apontando a direção da porta lhe disse para sair.Ele resolveu sair,não sem antes olhar de forma enigmática para Maristela que parecia muito assustada.Segui-o até a porta e o colega entregou-lhe a arma e as balas e o cara saiu sozinho, sem os seus amigos.Dali para a frente tudo correu normal até que os músicos avisaram que era a última música da noite.O pessoal parecia que estavam elétricos,dançavam muito,numa loucura de embriaguez e assim terminou a bailanta daquele dia 21 de abril, não teo ano para não fazeres associações. Todos sairam ainda num alarido sem fim e cada um tomou seu rumo, menos Maristela e Cassemira que me esperavam como sempre faziam. Recebemos o soldo de seguranças e,estávamos fechando as portas quando uma correria nos chamou a atenção.Era o cara esguio, arma em punho,apontando ora para um,ora para outro, até que Juvencio ficou bem a sua frente, levou a mão à arma e a ergueu para cima, um tiro ecoou no recinto, Juvencio desequilibrou-se e caiu, então saltei no homem e o dominei, ou parecia dominado porque a arma ainda estava com ele que novamente tomou a frente da briga e apontou o revólver para Maristela,novamente Juvencio saltou contra o homem e recebeu um tiro certeiro. pulei no atirador e com punhos certeiros logrei derrubá-lo e socá-lo até ficar totalmente ensanguentado e sem forças.Chegou a polícia, a perícia,todos fomos presos e o homem agressor foi solto como vítima.Mas e a bala que matou Juvencio? Disseram ter sido culpa nossa.Fiquei alguns anos preso na cadeia da cidade,perdi meu amigo,mataram o meu amigo e nunca mais vi Maristela e nem Cassemira.Saí ainda novo da cadeia e corri o mundo em aventuras inconsequentes até que um dia, bebi muito num cabaré e acordei neste vilarejo não sei como.
Tio Antonio então bebeu o restante de sua canha,olhou para as estrelas e disse:
-Buenas noche amigos!".