Inocência revelada
Era quase toda noite, num negrume, sem luar algum, ás vezes, pouca luminosidade da lamparina movida à querosene por um pavio tirado do punho da rede. Aquela que já havia se desfeito de tanto já ter serviço, o Justino. Da parte ainda boa do pano geralmente aquela que sobrava pelas beiradas, pois o meio, a urina de toda noite, corroeu. Na Vigorely, Rosalina fazia um emendado certinho, bem certinho e a este novo pano dava se nome de tanga, que ia servir nas noites frias de junho a agosto pra esquentar o menino mijão.
Você esqueceu o que ia lhe dizer? Não né?
Era hora de fachear. Isso mesmo, procurar. Mesmo que com outro sentido, o Aurélio não está nem aí, fachear peixe. A Tramontina de ponta afiada já tinha sofrido na pedra de gume. O cofinho feito por Cosme da palha do babaçu era uma espécie de depósito para armazenar os descabeçados. Cá, eu me perguntava que descabeçado era este? Na inocência que não era a de Visconde de Taunay, era mesmo coisa de menino que só ia saber das coisas quando já grande. E a curiosidade precoce fez ele saber adiantado um pouco as coisas.
-Vamos lá?
-Pra onde? Pra onde Norato?
-Fachear!
-Eu não. Tenho medo se sucuruiú. Cobra que é danada de grande habita no brejo.
-Mas vamos entrar não, na beira d’água dar pra encher o cofinho.
Isso era uma diversão, e não deixava de ser uma forma de arrumar a mistura do feijão. Quando no pretume da noite à margem da lagoa chegava, riscava o palito e pora o fogo no pavio que quase nada clareava e ali começava uma peixada.
Norato comandava, era certeiro na cutilada, o corpo vinha, a cabeça ficava e o menino tremendo do frio na beira do brejo recebia os peixes sem cabeça e guardava feliz da vida no cofinho. A mistura do dia seguinte era garantida.
-Olha, olha, tu está vendo?
-Runcummmmm! Mata, mata, é grandona.
Coisa de admirar: cará, traíra e mandi de todo tamanho dormindo sobre as folhas podres protegendo suas ninhadas que carregavam na sorte: dormir nas beiradas e correr risco de cutiladas.
Isso era penitência de quase toda noite. Na lagoa do Raimundo Borges, da Palmeira, do Raimundim Loco-loco e da Rosinha. A da Mazé Baiana era funda, tão funda e era lá que se acreditava que moravam os sucuruiús que Dadá do couro fazia tamborins para o carnaval do ano seguinte, fazer a festa do Madureiro do samba. Naquela lagoa num facheava não, de jeito nenhum. E já por tantas horas sem mais nada a tratar, restando apenas os peixes, era hora de voltar pra casa. Lavavam as pernas ali na beira mesmo, retirando a lama e o lodo esverdeado da cor da sorte que foi noite de muita fartura.
Pensava que ia logo dormir? –Não tinha que tratar: tirar o fato e descamar porque já pelo meio-dia, do dia seguinte ia enfeitar o misturado de baião de dois na junta da capina lá na hora do almoço no paiol do roçado.