A TANAJURA E A BARSA
- Pedro, Olhe aqui! - Carlos estende a mão mostrando o celular.
Mesmo já tendo passado quase quarenta anos, eles mantinham o prazer daquele encontro. Sempre às sextas-feiras no final da tarde. O bar de seu Juvenal era o local de sempre. Agora, era o filho que tinha assumido a direção do bar. O velho Juvenal já tinha morrido, faz dez anos.
- Nossa! Uma tanajura – comenta Pedro, agora preso naquela imagem. Na sua cabeça começa um redemoinho de lembranças. A figura daquela saúva o vez viajar no tempo. Era como se pudesse tomar aquelas asas e vertiginosamente voar ao passado.
Tudo começou assim. Uma velha amiga, chamada Luciana, postou no ZAP uma foto da tanajura que ela encontrou no caminho ao retornar para casa – “ pensei que estivesse em extinção” – comentou a amiga ao postar a tanajura.
Logo, Pedro se lembrou de Dona Jô que comprava as danadinhas enfiadas no palito. Aquela expressão “em extinção” de alguma forma o deixou meio encabulado. Teria ele contribuído para tal situação? De imediato Pedro recorda como se fosse naquele instante, lá fora na rua. Bastava chover e de repente elas começavam a chegar. Grandes, pretas e de bundas enormes. E também, todas de asas. Era como se descessem do céu anunciando mais chuva.
“Venha! Vamos! A rua tá cheia de tanajura” – era o grito de Carlos que entrava pela janela. Carlos era um grande amigo. Também, era colega de sala na escola. Sempre era assim: chovia, tanajura nas ruas e o grito de Carlos pela janela. Então, eles saíam catando as bichinhas. Algumas eram espetadas num palito e outras jogadas numa caixa. Mas todas seriam entregues a Dona Jô. Ela morava três ruas abaixo da casa de Pedro. Sempre recebiam algumas nicas como recompensa.
- Lembra do dia em que Dona Jô não tinha moeda e nos ofereceu como recompensa um pouco de farofa? Perguntou Pedro.
- Sei! E aí nós comemos farofa de bunda de tanajura – Completou Carlos, com um sorriso e balançando a cabeça como se aquilo não fosse possível. Carlos também se lembrava de outro fato que o fez de imediato pedir a atenção de todos e dirigindo-se a Pedro, falou:
- Pedro conte aquela história da Barsa.
- Pois é, eu tinha lido numa enciclopédia Barsa, que tínhamos lá em casa, que em doses pequenas o álcool era estimulante, abria o raciocínio – e fez um gesto batendo na cabeça com o indicador – comentou Pedro, todo empolgado.
- Mas você chegou com essa novidade lá na sala e chamou a galera pra fazer a experiência – complementa Carlos imediatamente.
- Como iríamos fazer prova de matemática naquela manhã, a oportunidade era única para comprovarmos a teoria – Disse Pedro, com um ar professoral.
- Então, fomos todos juntos à venda de seu Vivaldo. Chegando lá eu explique o que eu tinha lido na Barsa. Ele disse que não iria nos vender cachaça. Expliquei que era somente uma dose que seria bicado por todos. Seu Vivaldo não iria ceder e foi aí que Carlos entrou – Explicava Pedro, prendendo a atenção de todos.
- Falei que se ele não nos vendesse nunca mais compraríamos lanche na mão dele. E disse mais, que faríamos uma campanha pra que todos começassem a comprar na venda da outra esquina. Isto foi suficiente pra ele botar um dose de pinga no balcão - Complementou Carlos, todo convencido da sua atuação.
- Lembro que cinco bicaram a pinga e outros quatro amarelaram e ficaram só olhando. Até Robélia provou da água ardente –Detalhou Pedro.
- O problema começou quando saiu o resultado da Prova. Dos que tinham participado da experiência foi só: oito, nove e até um dez. Aí, alguém dedurou. Provavelmente quem não bicou e se ferrou – Falou Carlos, batendo com uma mão aberta sobre a outra fechada, por algumas vezes.
- Na semana seguinte, todos na diretoria: nós, seu Vivaldo, a vice-diretora e a coordenadora do SOE (Serviço de Orientação Educacional). A culpa é da Barsa! Éramos unânimes em afirmar. Ali a unanimidade não era Burra (Saudações a Nelson Rodrigues).
- Verdadeiramente, a culpa é da Barsa – Finalizou Pedro
- Até lembrei de outra... A confusão no jogo de sinuca, lá na venda de seu Vivaldo! Essa depois eu conto! – Disse Carlos, acenando para o garçom, pedindo mais uma rodada.