A Caçada do Laurinho e o curupira
Assis Silva
Coisas estranhas acontecem, alguns chamam de milagres, outros de sorte, não saberia dizer ao certo se é sorte ou milagre, apenas sei que ambos os pontos de vista são simplesmente a vista de um mesmo ponto. No interior do Pará, para ser mais preciso, na vila de Igarapé Grande, havia um homem que gozava do respeito de todos, respeito de mentiroso, sim gostava de contar umas anedotas, ou melhor, engrossava os fatos, enchia salame, usando um termo gaudério. Pois bem, era costume dos moradores aos domingos ir à missa pela manhã, aliás o dia começava mesmo após a participação no ato sagrado. Seu Laurinho, como era conhecido, homem de estatura baixa, sorriso fácil, amigo de todos e um pai muito dedicado a família, poucas vezes ia a missa, mas em um determinado domingo por insistência de sua esposa Cristina, acabou indo.
Justamente nesse mesmo domingo, eis que sua prole se encontrava desprovida de uns dos bens essenciais para a sobrevivência: faltava comida em casa para alimentar seus doze filhos. Família grande, precisava de muita comida, mas não tinha dinheiro, porém contava com a bondosa floresta, que sempre alimenta quem a respeita e a preserva. Como era costume na vila, embora não gostasse, foi a missa pela manhã antes de se embrenhar na floresta afim de abater algum animal de grande porte, quem sabe uma anta ou uma capivara.
Depois do culto sagrado, chega em casa e deparasse com outro desafio, como caçar se apenas tinha um cartucho para carregar a espingarda e um chumbo? (Bala usada pelos caçadores). Mesmo com poucos recursos, preparou a espingarda e embrenhou-se na densa floresta. A floresta escondia o seu fiel protetor, o curupira que logo tratou de defender sua protegida. Fazendo seu trabalho, o curupira fez Laurinho ficar dando várias voltas pelo mesmo caminho. Sempre chegava no mesmo lugar. Dando-se conta da situação, Laurinho ficou nervoso com o curupira, que ficava dando risada do caçador perdido. O curupira como contam os mais velhos, faz com que a pessoa se perca no meio da floresta, confunde os caminhos e a pessoa não sabe para onde ir. Ele tem os pés voltados para trás, sua característica marcante, ninguém jamais viu um curupira, apenas sente-se seu efeito, a perda na floresta.
O primeiro desafio do nosso caçador se apresenta: escapar das travessuras do curupira. Teve uma ideia, lembrou que seu velho pai lhe ensinara que o curupira gosta de desenrolar cipós. Então arrancou vários cipós das árvores e fez umas tranças bem complicadas de serem desfeitas, além de vários nós. Deixou onde estava, certamente o curupira iria lá pegar e tentar desatar os nós e as tranças, pensou, e deixou também um pedaço de rolo de tabaco, imaginava que o bicho iria gostar de fumar.
As coisas aconteceram como planejado, ao deixar o lugar o curupira rapidamente se lançou encima do rolo de cipó e pegou o tabaco para fumar. Ficou entretido com o presente do caçador. Laurinho recupera a atenção e se encontrava novamente atento na floresta densa. Chega à beira de um igarapé, o famoso Grande. Nome que também dá nome a vila: Igarapé Grande. Avista do outro lado uma cutia e uma juriti bebendo as margens do igarapé. Manteve a calma, afinal dispunha somente de um chumbo, se errasse, adeus comida naquele dia. Corajoso que era teve uma ideia maluca, abater ambos os animais com um tiro só. Ás margens do pequeno rio havia uma pedra e no meio da pedra um pequeno furo, mas que cabia o cabo da faca que carregava. Enfiou o cabo da faca no buraco e deixou o gume voltado para si. Tomou distância, mirou no gume da faca e atirou. Ao tocar o gume da faca o chumbo partiu-se em dois, indo uma metade abater a cutia e a outra a juriti, ambos ficaram de debatendo no chão para a grande alegria de Laurinho.
Havia uma árvore caída no meio do igarapé que servia como ponte para ir de uma margem a outra, Laurinho foi lá pegar ambos os animais que já se encontravam em agonia de morte. Não era muito de agradecer a Deus, mas elevou seus olhos aos céus e balbuciou: Obrigado. Já não havia mais o que fazer a não ser voltar para casa e preparar a caça. Mas, antes foi a margem do igarapé para beber água e ao colocar a mão na água, eis que para a sua surpresa, uma enorme traíra vai passando lentamente, meio que atordoada, rapidamente ele fecha a mão e pega o peixe, puxa para fora d’água e com sua faca, abate o animal. Quando estava retornando, já cansado, resolve parar e fumar um cigarro. Senta-se em uma pedra, prepara seu cigarro, acende e começa a fumar. O calor era grande, a floresta era imponente e cheia de insetos, que para afasta-los, Laurinho usava, se servia da fumaça do cigarro de tabaco. De repente sente um movimento na pedra em que estava sentado, ela começa a se mover, levanta-se assustado da pedra. Olha com calma e percebe que na verdade não era pedra coisa nenhuma e sim um jabuti gigante, o maior que ele já havia visto.
Agora ele não tinha dúvidas, embora não fosse um homem que gostasse de frequentar a igreja, achou que Deus estava com ele. Elevou as mãos aos céus em um gesto de erguer as mãos e ir fechando em cima da cabeça, porém quando ia fechando as mãos eis que no mesmo momento um infeliz nambu passava entre suas mãos, ele fechou com força as mãos e pegou o animal em pleno voo. Voltou para casa cantando, sem nem pensar mais no curupira, apenas nos seus filhos que ficaram em casa esperando o pai trazer algo para lhes saciar a fome. E foi assim, que com apenas uma bala só, seu Laurinho conseguiu abater tantos animais: uma cotia, uma juriti, uma traíra, um jabuti e uma nambu. Poucos da vila acreditam nessa caçada milagrosa quando ele conta, eu, suspendo o juízo.