951-DINHEIRO,NEGÓCIOS E CONFIANÇA-Viagens
13º. Conto da Série “Viagem a San Francisco”
Quando eu e Enny planejamos nossa viagem aos Estados Unidos, a primeira pensamento foi dar um sentido à viagem. Escolhemos o motivo: estudar inglês. Eu já havia completado o curso de tradutor e intérprete na conceituada Escola de Tradutores e Intérpretes de Minas Gerais -ETIMIG e Enny estudava no segundo ano básico. Para mim, seria oportuno fazer o curso de proficiency, cujo certificado proporciona ao portador a possibilidade de freqüentar cursos nas universidades americanas; para Enny, significaria convívio com pessoas falando inglês o tempo todo. Desde então, sua dedicação à conversação em inglês era intensa. Compramos então dois cursos intensivos, de quatro semanas, a ser freqüentado no ELS Language Center– em San Francisco, no estado da Califórnia.
Paguei ao “Intercambio” — que eu pensava ser o representante no Brasil do ELS — o valor dos cursos e mais a estadia em hotel tipo três estrelas, especializado em receber estudantes de todo o mundo para a freqüência no ELS. Paguei também o valor da passagem e me foi dado um recibo simples, um modelo que identificava a firma apenas com um logotipo simples no topo do documento: INTERCÃMBIO.
Os valores para pagamento do curso e estadia no hotel seriam remetidos para San Francisco, em meu nome e deveria receber na agencia do Banco do Brasil naquela cidade.
Sem nenhuma referência dessa entidade, dei-me conta, logo ao chegar em casa, que poderia ter caído num conto do vigário. A preocupação, entretanto, durou apenas alguns dias. Uma semana depois Enny e eu fomos convidados a participar de uma reunião na casa de dona Nair, a promotora da entidade com quem estávamos tratando, com outras pessoas que fariam a mesma viagem com idêntico propósito. Na reunião conhecemos Carlos Eduardo e Marília, com quem repartimos nossa preocupação. Fiquei um pouco aliviado, pois Carlos Eduardo havia feito uma pesquisa a respeito e confiava no negócio. A reunião fora para a explicação de detalhes da vigem, procedimentos e como nos deveríamos manter o primeiro contato com o ELS ao chegarmos em San Francisco.
Dias após, recebi as passagens e então fiquei tranqüilo sobre a transação.
Ledo engano.
Ao chegarmos em San Francisco, dirigimo-nos ao Cogswell College, onde funcionava, no período de férias anuais, o curso ELS. Atendidos pelo coordenador do curso (tipo de diretor), fui informado que nada havia em seus registros em meu nome e de Enny: nem matrícula, nem reserva de hotel, nada, nada.
Aquela tarde (16.07.81) foi a "sexta feira negra" de minha vida e está registrada no conto # 928, que não vou recordar aqui por ser uma lembrança muito ruim.
Na segunda feira, embora sem dinheiro para pagar as acomodações, fomos ver o tal hotel para estudantes. Não nos agradou e fomos levados, por Mr.Kevin para o The Granada Hotel, para idosos. Nosso registro no hotel está igualmente registrado em outro conto desta série (ver parte final do conto #065).
Os aborrecimentos foram amenizados pelo atendimento e compreensão do gerente do Granada Hotel, — Mr. Stanley — depois da explicação dada por Mr.Kevin. Concordou em nos acomodar sem nenhum pagamento, que seria feito quando o dinheiro chegasse.
Durante dez dias a minha expectativa foi intensa. E se o dinheiro não chegasse? Eu tinha dinheiro no Brasil, aplicado no over-night, impossível de ser transferido para os Estados Unidos. Era bom nem pensar.
Mr.Kevin me disse, em conversa informal, que com os estudantes vindos do Brasil esta demora na remessa de dinheiro era normal. Nesse meio-tempo, falei com o gerente do hotel, explicando-lhe a situação e ele me assegurava sempre que estava tudo bem, que eu pagaria quando recebesse o dinheiro vindo do Brasil.
Finalmente, em 28 (doze dias após minha chegada e após aquela “tarde de cão”) recebi aviso da ordem de pagamento em meu nome, de valor ajustado para os dois pagamentos – colégio e hotel. No intervalo entre as aulas (de 12 as 14 h) foi ao BB- Agencia da Avenida Califórnia e recebi a grana. Á tarde paguei o aluguel e à noite, o hotel. Como a tarifa do Granada era um pouco maior do que a do hotel para estudantes houve um pequeno reajuste.
Fiquei imensamente grato ao gerente Mr. Stanley, pela confiança em pessoas que não conhecia, mas ele respondeu simplesmente:
— Here in the States we believe in what people say.
Mais tarde, comentando com Mr. Kevin esta frase, ele me explicou:
— To lie in business in America is a federal crime.
Ah, bom!
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 29 de maio de 2016.
Conto # 951 da SÉRIE MILISTÓRIAS