945-LAKE TAHO E YOSEMITE NATIONAL PARK-Viagem

Conhecemos Carlos Eduardo e Marília em Belo Horizonte, dias antes de partirmos para os Estados Unidos. Jovens e animados, com vivência de morar no exterior (França) por dois anos, foi a companhia ideal para nós, Enny e eu, que fazíamos a nossa primeira viagem ao exterior.

No segundo fim de semana em San Francisco (25 e 26.07.81, sábado e domingo) combinamos viajar juntos: em carro alugado, fomos a Lake Tahoe e Yosemite National Park. Partimos de San Francisco por volta das 15horas (3 p.m.) e dirigimo-nos para o nordeste. Passamos ao largo de Sacramento, capital da Califórnia, e pernoitamos em motel em Mystic, Califórnia. No dia seguinte, entramos no estado de Nevada e vimos ao longe a cidade de Reno — a “capital do divórcio” na Califórnia — e viramos para o sul. Pelas nove da manhã chegamos ao norte de Lake Tahoe.

O Lake Tahoe está entre os estados de Califórnia e Nevada, a 1887 metros de altitude e é totalmente cercado pelas montanhas Rochosas. Ao longo do perímetro de

ll4 km. há diversas cidades e na parte norte há uma ilha, misteriosa e local de inusitados fatos que hoje são mitos. Chegamos pelo lado leste, num local chamado de Cave Rock. Dos pontos de observação já marcados em roteiros turísticos observam-se lindos panoramas.

Fomos parando em todos os pontos, fotografando, admirando as visões e descansando. O Lago é de um azul puríssimo, refletindo as montanhas Rochosas que o circundam. Na ilha, de lendas e mitos bem conservados para fins turísticos, há uma ermida, ou túmulo de um personagem misterioso, que vimos ao longe. Almoçamos. ou melhor, lanchamos pelas duas da tarde e prosseguimos rumo ao sul, sempre bordejando o lago. Carlos Eduardo gostava de dirigir e não aceitava meu oferecimento, que fiz por diversas vezes, para dirigir um pouco o carro.

Às seis da tarde, estávamos em South Lake Tahoe, pequena cidade cuja atividade única é a jogatina: coalhada de cassinos e pequenas casas de jogo. Para todos os gostos e posses.

— Vamos jantar e pernoitar aqui, disse Carlos Eduardo, o que foi concordado por todos. Procuramos um motel ou hotel inutilmente. Em todas as portarias e portas de entrada, a mensagem de “No Vacances’ brilhava ou piscava em vermelho. Rodamos por todas as quatro ruas da cidade e nada.

— Acho que se sairmos um pouco da cidade e rodarmos alguns quilômetros, vamos encontrar um motel.

Doce ilusão. Nos próximos trinta quilômetros, passamos por três motéis, todos igualmente com o aviso de nenhuma vaga. Fomos em frente, na direção do Parque Yosemite, sempre na expectativa de achar um motel. A noite adensou-se. A estrada, pavimentada e estreita, subia e subia pela serra. Região sem vegetação, ou melhor, de capim rasteiro. Dos topos dos morros, nossas vistas se estendiam até a próxima serra, e nem um sinal de habitação, nenhuma luz, nada!

Passamos por três ou quatro trechos de estrada em profundas passagens, entre a morraria, onde as placas indicavam que aquelas passagens estavam fechadas durante o inverno.

— Inda bem que estamos no verão. — alguém comentou. — Se fosse invernos, estaríamos ferrados.

Sobe e desce, desce e sobe pela estrada cheia de curvas e de passagens estranhas. Oito, nove, dez, horas, e nenhuma evidência de civilização. De vez em quando, uma placa indicando a direção de acesso ao Parque. Aliás, já estávamos na área do Yosemite, que começa logo ao sul de South Lake Tahoe.

A fome apertando.

Pelas onze observamos uma luzinha ao longe, ao qual chegamos perto da meia noite. Era uma “coisa” no meio daquelas montanhas solitárias: um grupo de quatro ou cinco casas de madeira, e uma de alvenaria, todas velhas e de aspecto decadente. Parcamente iluminadas por lâmpadas elétricas e de onde homens saiam ou entravam. Parecia uma vila saída de um filme do velho oeste. Vila de bandidos, naturalmente. Sem nenhuma placa, nada que indicasse o nome ou a função daquelas casas.

Zé Eduardo parou o carro defronte a casa de alvenaria, descemos, esticamos braços e pernas.

— Cruzes, comentou Marília, quase sussurrando. Que lugar esquisito.

Entramos. Era um antro com mesas de jogos, redondas, com homens jogando. Um balcão com banquinhos altos. Tudo dejá vu em filmes de faroeste ou em pesadelos. No balcão fomos informados por um velho careca e de boca murcha, que, sim, tinham comida. Sentamo-nos a uma mesa perto do balcão, e apareceu em cardápio muito manuseado e simples. Pratos mexicanos, na maioria. Enny escolheu um caldo, eu e Carlos Eduardo pedimos frango assado e Marília pediu Liver baby beef.

— Estou com vontade de comer carne, ela disse, como que se explicando.

Veio a comida. O caldo pedido por Enny foi de seu agrado. Os franguinhos (minúsculos) assados eram apenasmente tragáveis. Mas quando Marília cortou um pedaço do bife que pedira, e o colocou na boca, cuspiu sobre o prato.

— Que porcaria! É fígado! Detesto fígado!

Sem saber, havia pedido um bife de fígado bovino. Nós ficamos meio chateados, pois a gente sabia que liver é fígado, mas quando ela pediu a gente nem percebeu.

Ela perdeu o apetite. A contra-gosto mordiscou algumas partes do franguinho do marido e se deu por satisfeita.

Refeição rápida, pois a comida era parca e a fome grande.

— Vamos ver se tem lugar prá dormir?— Sugeri.

— Ai, Tony, aqui não. Este lugar me dá medo. — Disse Enny.

— Mas vamos indagar, falou Carlos Eduardo.

— Oh, Yes, I’ve som’ rooms. — Disse o velho desdentado. Acenando-nos:

— Came, I’ll show you.

Fomos ver os rooms. Que tragédia! Pequenos quartos com uma cama de solteiro em cada um, um armário e uma cadeira, um vitrô bausculante de 40 x 40 centímetros para “ventilar”. Não quisemos pernoitar e procuramos informações sobre a possibilidade de uma nova parada, um motel ou coisa semelhante. O velho nos informou que seguindo a estrada, quinze milhas (cerca de vinte e cinco quilômetros) havia, sim, um motel.

Marília estava a ponto de vomitar, não sei se pela comida ou se pelo aspecto dos “quartos”. Descansamos mais um pouco ao lado do carro, observando o esquisito lugar e esperando Marília se refazer.

De novo na estrada, um pouco refeitos da fome, mas cansados. Carlos Eduardo seguia no volante, acho que ele não confiava muito em mim na direção.

Em quarenta minutos, chegamos a um local onde a placa anunciava: “Newest Motel”. (“O mais Novo Motel do Oeste”!) Nem vimos direito os arredores, pois a iluminação também era pouca, já passava das duas horas na madrugada e estávamos ansiosos por espichar as pernas e dormir.

O quarto era bem mobiliado e limpo, e as instalações antigas. Alguns quadros na parede de duvidoso gosto. Em uma mesinha, aparelho para fazer chá ou café e alguns biscoitos.

Após um banho relaxante, uma xícara de chá e cama. Desmaiei.

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No dia seguinte, ao acordarmos com a claridade dos primeiros raios do sol nascente, uma surpresa visual: o motel achava-se numa plataforma tendo ao fundo u’a montanha cortada verticalmente, exibindo a parede de pedra branca como mármore, elevando-se a pique vertical uma centena de metros. Era uma construção de um só pavimento, ampla, que aqui chamam de rancho. A vidraça do quarto abria-se diretamente para o oeste e do alto descortinava-se serras e mais serras sobrepondo-se até o horizonte distante. As águas de um lago faiscavam, brilhando à luz do sol claro, que subia pelo céu azul, limpo, sem nuvens.

Um café estava servido, com biscoito, bolhas e torradas, bacon frito e ovos mexidos (scrambled eggs) sobre uma mesinha redonda, na portaria do motel. Simples, delicado e reconfortante.

Pé na estrada. A estrada sinuosa descia para encontrarmo-nos de novo entre montanhas cobertas de capim rasteiro, ressecado, pois nas Montanhas Rochosas o verão é seco. A sinalização á beira da estrada indicava Mono Lake que não constava de nosso roteiro e que se revelou uma curiosidade, além de belo visual.

É um pequeno lago que recebe água das montanhas, no degelo de inverno, e faz parte do sistema de abastecimento de água de Los Ângeles, distante cerca de 530 quilômetros. Como a vazão no Mono Lake é maior do que a entrada de águas, o lago está secando há anos e apresenta nas margens colunas de matéria sedimentada (sais), numa formação bizarra, futurista e preocupante. Em uma lanchonete nas proximidades do Mono apanhei um jornalzinho de quatro páginas que defendia o lago contra o uso de suas águas por L.A.

Compramos alguns salgadinhos (batatas chips, bolachas e latas de refrigerantes, com medo de não termos onde comer no parque. E prosseguimos.

Nossa “entrada” no parque se deu ao passarmos através de uma imensa sequóia cujo tronco foi escavado ao rés do chão, possibilitando a passagem da estrada asfaltada e de carros. Fotos e fotos. No parque, as paisagens se apresentavam numa sucessão de imagens, a cada qual emitia comentários entre “Ohs!” e “que lindo”, “que beleza”, etc.

Cascata de Véu da Noiva (508 metros de altura); El Capitan é o maior monólito de granito do mundo (granito claro, muito bonito) é um desafio aos alpinistas com suas encostas a pique e lisas. Ao redor do Vale do YNP e do Mirror Lake estão o Half Dome (montanha seccionada ao meio, redonda e polida), As Cataratas, e The Square (o Quadrado), outra formação granítica em forma de dado gigantesco.

A estrada, que dá passagem a apenas dois carros, é limpa como se tivesse sido varrida de madrugada (será que as folhas sabem que não devem cair sobre o asfalto?). Ao longo do percurso: Sequóias e Redwoods gigantescas; fontes de água cristalinas, frescas que podem ser ingeridas sem risco; armadilhas para ursos e pequenas carretas com baú fechado, para transporte de animais feridos; avisos inúmeros para as lanchonetes e para um hotel dentro do parque.

Paradas a todo momento para fotografias dos montes e aos montes. Carlos Eduardo é paciente e não se aborrece com paradas.

Saímos do Yosemite NP pelas cinco da tarde. Dia claro, pois no verão aqui anoitece pelas oito e meia. Mais alguns quilômetros (270, + ou - ) rumo a oeste e chegamos ao anoitecer em San Francisco.

Cansados, extasiados e alegres pelo ótimo fim de semana no meio da natureza.

Nota adjacente: é surpreendente o processo de devolução do carro locado: preenche-se uma ficha com a estimativa da quantidade de gasolina no tanque (1/4, ½. ¾ ou cheio), anexa à chave e coloca-se numa caixa na porta do escritório da Locadora. Acerto no dia seguinte, que foi sumário e rápido...e razoavelmente barato.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 19 de abril de 2016

Conto # 945 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 23/01/2017
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