A DERROTA
Antes dos MUNDOS PARALELOS ® entrarem em colisão...
Ainda passou uma hora antes que uma patrulha de três soldados inimigos se desgarrasse do acampamento para buscar as sentinelas retardatárias.
–Agora! – radiou Schneider.
Uma salva de três certeiros disparos os derrubou. Antes ainda dos soldados despencarem mortos no chão; já voavam as granadas de morteiro e assobiavam os foguetes de bazuca, bem antes que partissem os sinalizadores. Mais de cem granadas de morteiro castigaram o inimigo impiedosamente, enquanto as metralhadoras varriam-no sem parar.
Os veículos estavam em chamas, atingidos pelos foguetes. Os atiradores abatiam os soldados inimigos que tentavam fugir, e tudo isso iluminado pelos incêndios e pelo resto dos sinalizadores, lançados com intervalos de dez segundos.
A surpresa tinha sido completa e a destruição total. Quando os morteiros e as metralhadoras pesadas pararam, Sarrazin atacou com seu grupo. Os mercenários correram por entre os destroços incendiados atirando e gritando como demônios vingadores.
Em menos de dez minutos, estava tudo acabado. Os árabes terminaram de rematar os feridos e pegar a munição deles, enquanto Sarrazin e Schneider examinavam os destroços para ver se havia alguma coisa que se pudesse aproveitar.
Bernardette e os atiradores desceram do rochedo e caminharam até a imensa fogueira que era agora o acampamento inimigo.
–Ganhamos a batalha – disse a jovem – Tivemos baixas?
–Carlos. De raspão – disse Sarrazin – Ganhamos mas perdemos a guerra.
Schneider, com seu rosto iluminado pelas chamas, o que produzia sinistros reflexos, disse com voz sepulcral:
–Podemos ter perdido a guerra. Mas ainda somos os melhores.
*******.
Amarga Vitória.
O silêncio Após a batalha.
A terra Coberta pelos despojos.
A fumaça dos cadáveres.
De setenta sobramos vinte.
Vitória, Mas a quê preço!
Como fantasmas
Ensanguentados
Surgem os camaradas
(***)
Bernardette,
A mercenária francesa;
Coberta de sangue e pólvora.
Contemplamos nossos mortos,
Ainda agarrados aos inimigos
Após o corpo-a-corpo final,
Enquanto urubus famintos
Pairam sobre nós.
Os veículos são sucata
O fogo consome os corpos
O cheiro de carne queimada
Invade nossas roupas
Ensanguentadas.
A calmaria
Traz de volta as dores
O sangue escorre
Da minha cabeça,
Vejo que estou ferido.
O chão parece vir
Ao meu encontro.
Minha própria noite chega
Enquanto ouço
Bernardette gritar meu nome.
Depois desapareço
Nos mundos do inconsciente.
......................................................
O cheiro do mar
O barulho das ondas
Dissiparam minhas trevas
Meus olhos se abriram
E as estrelas de oriente
Cobriram-me
Com seu brilho de aço.
Bebi água
Do cantil da francesinha
Enquanto os homens
Cansados
Esperavam em silêncio
À beira do mar
Aquele negro
Monstro de aço
Que das profundezas
Surgia
Para nos engolir
Para nos levar
Ao seio do mar.
*******.
A Volta.
–Podemos ter perdido a guerra. Mas ainda somos os melhores – tinha dito Schneider após a última batalha.
Sarrazin, antes de cair desmaiado tardiamente, por um ferimento na cabeça, tinha respondido:
–Perdemos a guerra, mas nunca perdemos uma batalha.
Sarrazin escrevera isso na sua inseparável caderneta, horas depois, após um sono agitado, do qual acordara pelo som das ondas do Mar Vermelho, sob as estrelas de aço de um céu negro como betume.
Por fim o submarino sinalizou. Os homens esgotados esperavam o momento do embarque.
–Chegaram – disse o coronel Lubakov – Vamos!
Os marinheiros russos alcançaram a costa em quatro grandes barcos de borracha.
–Levem as armas leves e a munição – disse Schneider – joguem o resto ao mar.
Os mercenários embarcaram em silêncio.
E em silêncio ajudaram os marujos a remar até o submarino. Atrás ficava o inferno da guerra perdida e os cadáveres dos camaradas caídos.
Vinte minutos depois avistaram o monstro de aço negro, como um escolho no meio do nada.
Cordas foram lançadas e os barcos foram puxados. Os mercenários subiram no convés, onde o segundo comandante russo esperava.
–Permissão para subir a bordo, camarada comandante – disse Lubakov.
–Permissão concedida, camarada coronel.
Enquanto os marujos tiravam o ar dos barcos e os dobravam para guardá-los; os mercenários começaram a descer em silêncio pela escotilha para o interior.
Sarrazin ficou por último para ver o céu estrelado e pensar. Por fim os barcos foram guardados e ele convidado a entrar.
*******.
Dentro do submarino, todo era agitação disciplinada.
Enquanto a belonave submergia a toda velocidade e tomava o curso para o Oceano Índico, os mercenários eram conduzidos pelos corredores aos alojamentos e ensinados a usar os banheiros.
Os primeiros que tomavam banho e mudavam roupas eram convidados a deitar-se nos beliches para não ocupar espaço e atrapalhar os marujos. As mulheres não tiveram atenção diferenciada, e tiveram que se acomodar igual do que os homens.
Não que fizesse muita diferencia, já que estavam costumadas a estar junto com os homens em todas as situações. Sarrazin foi um dos últimos a acomodar-se no beliche e ficou deitado; ouvindo o rumor apagado dos motores e os passos apresados dos tripulantes pelos corredores, cumprindo suas tarefas.
–Fiquem quietos e tentem não atrapalhar – tinha dito o coronel Lubakov.
E isso foi o que fizeram durante a maior parte da longa viagem submarina, com toneladas de água salgada sobre suas cabeças, fazendo a volta ao redor de África e subindo pelo Atlântico até o Mar Ártico; para chegar semanas depois; já que o submarino tinha outras missões a cumprir; ao porto de Murmansk, no Mar do Norte.
A viagem submarina foi uma experiência inusitada para os mercenários, e serviu para descansar e tentar esquecer a guerra e os amigos mortos. E conseguiram.
Em uma semana, já estavam treinando luta livre no porão dos torpedos, com o beneplácito de Schneider, que sabia como isso era importante para manter o moral em alta. Sarrazin escreveria depois:
Silêncio
Interrompido apenas
Pelos bips do sonar
Rumor de água
Envolvendo-me
Apavorando-me.
Lá encima é noite.
Noite no mar de Arábia.
Aqui embaixo,
A tripulação dorme.
Nós não dormimos.
Assustados passageiros
Deste tubarão de aço.
Lá encima,
Sádicos senhores;
Aqui embaixo,
Cobaias amedrontadas;
Por toneladas de água
Oprimidas
E presas!
Inaudita claustrofobia
Retalhando
Consciências atormentadas
Por sangrentas orgias
Presenciadas pelo dia
Pela noite acobertadas.
Como sombras, caminhamos;
Pelos metálicos corredores
Sem saber quê procuramos.
Alguns tripulantes corujas
Vigiam-nos com receio
Adivinho nos olhares
Sinais de profundo desprezo.
Meio mundo atravessamos
Sem do sol ter notícia
Semanas a fio esperamos
O alarme de emergência
O alarme que indicara
O fim da nossa odisseia.
Por fim chegou
O dia tão esperado
Emersão no mar gelado
O transbordo demorado
O avião rumo a Moscou.
Atrás ficou o silêncio
A doce paz da Profundeza
Embora com sublime beleza
Apreciar não poderíamos,
Pois nossa arte é diferente
Nossa arte é...
De morte.
*******.
EPÍLOGO:
Ainda no século XX:
Em 1980 nasce em Brasil, filho de Martin com a mercenária francesa Bernardette De La Rue; o futuro herói espacial, o astronauta da F.A.E.B., coronel Alan Claude Sarrazin, destinado a grandes aventuras no espaço sideral.
Em 1995, quando os MUNDOS PARALELOS entraram em colisão; o mercenário internacional Sarrazin, antes estudante Martin, organizou em Brasil o ultrassofisticado grupo de paladinos, conhecido como Esquadrão Shock, para combater a ditadura do governo mundial.
Em 1996 participou da fundação de Antártica, a "nação pirata", e em 2002 sequestrou a nave Atlantis no espaço. Ele planejou e executou a missão, o que lhe valeu ser para sempre conhecido como o misterioso
LORDE DO ESPAÇO
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O LORDE DO ESPAÇO (já publicado).
Próximo: 45 anos depois, já no século XXI:
QUANDO OS MUNDOS ENTRAM EM COLISÃO
(em Contos > Ficção cientifica)
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O conto A DERROTA - forma parte integrante do romance inédito HISTÓRIA DE MARTIN ® – Volume II, Capítulo 19; páginas 70 e 73.