A ASSASSINA
Antes dos MUNDOS PARALELOS ® entrarem em colisão...
Damasco.
Depois do jantar, Sarrazin ficou excitado, estava perante a maior missão da sua vida. Tudo o anterior; os terroristas de Uruguai, os rebeldes de Kalahari, os soldados ugandenses; tudo isso não passava de um simples aperitivo perante o que estava para acontecer: uma guerra aberta.
Com estes pensamentos, ele desentendeu-se da conversa dos outros e pediu mais vinho. Nada mais o interessava dos detalhes a serem tratados. Agora pensava em grandes batalhas como as dos filmes. E em tudo entrava a imagem da ruiva Bernardette...
No dia seguinte, Sarrazin encontrou um tempo para sair. Deveriam embarcar para Moscou no dia 10, e antes decidiu ir a Damasco, para ver se encontrava Bernardette. Tinha o endereço do hotel e precisava de alguém que falasse árabe para empreender a viagem. Abdullah estava muito ocupado acertando a burocracia e Argot tinha desaparecido num bordel. Só sobrou Yussuf.
–Vamos a Damasco?
–Para quê?... Ah!... Já sei. A ruiva.
–Vamos hoje e voltamos amanhã.
–Porquê não? Vamos, sim. Será divertido.
–De acordo, Yussuf; você está em casa. Conhece como chegar lá.
–Poderíamos ir de ônibus – disse Yussuf – a estrada não é ruim. Mas também há a possibilidade de alugar um táxi aéreo por uns poucos dólares.
–Vamos como for mais rápido, que estou com pressa.
Yussuf riu e ficou pensativo. Sarrazin disse:
–Vamos de avião. Aproveitaremos melhor o tempo.
–Aproveitará você, Spelunker.
–De acordo. Você sabe.
Depois ambos pegaram suas pequenas mochilas esportivas, deixaram um recado na recepção do hotel e pegaram um táxi até o aeroporto.
A manhã estava bonita, como uma manhã de verão em Montevidéu. O táxi corria pela avenida arborizada naquela cidade tranquila, moderna e naquele tempo, próspera.
Yussuf deu uma risada sincera.
E sua risada era música puríssima, a alegria de um jovem palestino que; com a felicidade do amigo; havia esquecido momentaneamente seu drama nacional. Sarrazin não o compreendia bem naquela época, mas, algumas décadas depois; recordaria do jovem palestino e compreenderia tudo o que havia por trás das suas súbitas alegrias passageiras e a sua tristeza permanente.
Yussuf parecia outra pessoa, pechinchando com o piloto do velho e remendado Cessna de seis lugares. Sarrazin não entendia o árabe, mas imaginava que o piloto queria que pagassem os seis lugares, porque não queria fazer uma viagem só com dois passageiros.
–Yussuf, chega de pechinchar, pague o que ele quiser. Temos dinheiro!
–Está bem, mas não quero ser roubado por este...
–Chega, Yussuf, ele tem que viver!
–Mas...
–Nós temos dinheiro sobrando, e amanhã não sabemos se estaremos vivos.
Yussuf abriu a boca para responder, mas ficou calado. Entregou ao piloto a quantidade que havia pedido e não falou nada em toda a viagem a Damasco, viagem que não chegou a durar vinte minutos.
*******.
A Assassina.
Damasco, na época, tinha quatrocentos e cinqüenta mil habitantes, era já famosa na Antiguidade. Seu renome foi em 660 AC, quando Mohavia I, o fundador do império muçulmano Omeya, a fez sua capital.
Durante um tempo foi o centro do mundo árabe, até que em 650 AC, a capital foi transferida para Bagdá, na Mesopotâmia, pelos Abásidas. Mas, na Idade Moderna, voltou a renascer e tornou-se a capital da Síria. Nesse momento, no ano de 1973, fervia de espiões, agentes soviéticos, americanos e do Serviço dos inimigos de Abdullah.
Dois deles, eram particularmente perigosos. Elias G. e Helena B.
Helena B. estivera dias antes em Beirute, onde gravara a conversa dos mercenários no hotel. Em seguida partiu para Damasco, onde deveria entrar em contato com o chefe local dos espiões do serviço para entregar a fita. Combinou com ele de se hospedarem como marido e mulher num dos hotéis para turistas mais discretos.
Encontraram-se na entrada, descendo dos seus táxis, com malas como se fossem simples turistas. Não perceberam uma mulher vestida como árabe, com longas roupas negras, e rosto coberto que estava sentada numa das cadeiras do vestíbulo, que debatia consigo mesma se deveria ir até a entrada para ver os carros que chegavam.
Mas o casal chegou à recepção. Era um homem jovem e bem vestido, e uma mulher vestida com roupa árabe que lhe cobria o rosto. Quando viu os dois subirem a escada, levantou-se da poltrona.
–Acho que estragarei essa transa – pensou.
A mulher subiu as escadas atrás do casal, e ao chegar ao corredor do andar de cima, ela ainda conseguiu vê-los entrando no quarto.
Ela esperou alguns segundos e correu como uma gata até a porta do quarto, puxando uma pequena e silenciosa, porém mortífera pistola de balas explosivas. Era o momento de agir.
*******.
A Assassina respirou fundo e testou a fechadura do quarto onde tinham entrado suas vítimas. A porta estava obviamente trancada.
Segurando a pistola na mão direita, com a esquerda retirou um pequeno brinco da orelha direita, que introduziu na fechadura antiga, após retirar-lhe um pequeno pino com os dentes, o qual cuspiu no chão acarpetado, após afastar-se um pouco.
A explosão destruiu a fechadura.
A Assassina meteu o pé na porta que se abriu com violência e entrou. O homem e a mulher já estavam colocando as malas na cama e abriram os olhos com surpresa.
A Assassina apontou e atirou. Elias, com a cabeça destroçada; ficou imóvel. Imediatamente, a Assassina pulou na cama e afogou o grito de Helena com o travesseiro, até ela parar de debater-se, morta.
Depois foi até a porta para ver se alguém estava vindo. Ninguém à vista. Ótimo. A Assassina revistou as malas e achou a fita. Tranquila, feliz quase, colocou-a entre os seios, guardou a pistola na bolsa e saiu, fechando a porta.
–Achei que iam dar mais trabalho – Pensou – Nunca foi tão fácil.
Caminhou devagar até a porta e saiu à rua, onde se misturou com a multidão de mulheres vestidas como ela; e homens de longas vestimentas. Finalmente, a Assassina chegou ao seu próprio hotel, um pouco mais luxuoso, onde subiu no quarto e abriu sua mala, pegando um gravador. Colocou a fita e ouviu com atenção:
“–Falemos numa língua que todos entendamos, até porque, não devemos falar em árabe, e muito menos em inglês. A cidade ferve de agentes do serviço secreto inimigo”.
“–D’Accord. O francês parece-me a língua mais civilizada para se falar. Quanto aos agentes... Spelunker e eu adoramos cortar gargantas”.
“–Primeiramente..."
(***)
A Assassina desligou o gravador. Tinha ouvido bastante. Em seguida pegou a fita e cuidadosamente, a cortou em pedaços bem pequenos, com o que se demorou dez minutos. Depois colocou os restos no vaso sanitário e puxou a descarga várias vezes. Depois foi ao telefone e ligou para um número em Paris:
–Avisem ao Witwenmacher que todos os impedimentos foram removidos.
*******.
Yussuf e Sarrazin aterrissaram as dez e meia da manhã.
Pagaram generosamente ao piloto para que os esperasse até o dia seguinte. O homem, sem dúvida, deve ter pensado que se tratava de dois novos ricos, pela maneira como gastavam seu dinheiro. De todas maneiras, para ele era ótimo, e decidiu esperá-los.
–Agora é com você, Yussuf – disse Sarrazin entregando o papel com o endereço, depois que passaram pela fiscalização alfandegária.
–Certo. Vamos pegar um táxi.
Pegaram um táxi Renault e foram ao centro da cidade em menos de dez minutos. O hotel era luxuoso, na parte nova. Assim que entraram, Yussuf trocou algumas palavras em árabe com o conserje e em seguida este pegou o fone interno e, em francês, confirmou aos visitantes a presença da moça.
Pouco depois, ela desceu com agilidade as escadas do salão principal, vestida com uma túnica cor areia longa até os tornozelos. Cobria sua cabeça com um manto azul escuro, e seu rosto estava coberto com um véu combinando, à moda muçulmana.
–Você está muito bonita e elegante – disse Sarrazin, assim que a reconheceu pelo incrível azul dos seus olhos.
–Concordo plenamente – disse Yussuf.
–Vocês são muito gentis, rapazes.
Em seguida, Bernardette abaixou seu véu, estampou um sonoro beijo nos lábios de Sarrazin e fez uma carícia na barba rala de Yussuf.
–Cavaleiros, levem-me para beber um trago antes do almoço.
–Imediatamente, Madame – disseram os dois ao uníssono.
Qualquer mulher se sentiria honrada de receber dois homens vindos de outro país só para vê-la, e a ruiva Bernardette não era uma exceção. Os três sentaram-se ao redor de uma mesa com vista para a rua, no bar do hotel, e enquanto Yussuf bebia sua limonada, Sarrazin e Bernardette bebiam Scotch e davam discretas risadas.
–Nossa visita será breve – disse Sarrazin – amanhã deveremos voltar a Beirute.
–Então vamos aproveitá-la; eu também devo partir amanhã.
–Para Paris?
–Para Moscou.
Os dois mercenários entreolharam-se. Finalmente Sarrazin disse:
–Coincidências acontecem. Nós também vamos a Moscou, daqui a alguns dias.
–Ótimo! A gente se vê por lá. Pararei no Hotel Metropol.
–Perfeito. Agora podemos passear, aproveitando Yussuf como guia.
E assim, os três saíram alegremente para percorrer a cidade de Damasco, antes que os maus tempos chegassem.
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Próximo: REUNIÃO DE ÁGUIAS
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O conto A ASSASSINA - forma parte integrante do romance inédito HISTÓRIA DE MARTIN ® – Volume II, Capítulo 15; páginas 37 a 40.