A FRANCESA

Antes dos MUNDOS PARALELOS ® entrarem em colisão...

Madagascar - Quarta Missão.

No dia 1º de maio de 1973, os mercenários estavam todos estabelecidos na pequena fazendinha que tinham comprado ao sul de Tamatave, a mais ou menos dez quilômetros pela estrada de ferro.

A equipe tinha construído uma pista de pouso, alisando o terreno e também um hangar para o Hércules C-130.

Os contratantes; que Sarrazin ficou sabendo que eram russos; já tinham levado embora o cientista e seu filho, mediante o pagamento previamente acertado, e agora tudo estava em paz. Mereciam esse descanso depois de tanta agitação. Agora estavam apenas esperando que um novo serviço viesse a bater na porta deles. E o momento chegou. Abdullah recebeu uma mensagem em código, proveniente da Jordânia.

–Tenho que viajar ao Oriente Médio.

–Agora?

–Sim, coronel. Vou para Beirute. Algo está sendo preparado para outubro.

–Outra guerra dos seis dias?

–Mais ou menos.

–Quanto será o lucro? – perguntou Argot.

–Ainda é cedo para saber. Talvez tenhamos que viajar antes à União Soviética para treinamento.

–Todos? – perguntou Sarrazin.

–Todos, Herr Spelunker.

–Então vamos deixar tudo de prontidão, para partir em qualquer momento.

–Sim, coronel, mas possivelmente deixaremos o armamento aqui. Se tivermos que ir à URSS, será como turistas.

–Razoável.

–Mas eu gostaria que alguém me acompanhasse a Beirute, já que deve estar cheio de agentes do Serviço Inimigo por todos lados.

–Eu vou – disse Sarrazin.

–E eu – disse Argot.

–Ótimo. Como não são árabes não despertarão suspeitas.

–Yussuf também pode ir – disse Schneider – ele conhece a cidade tão bem quanto Abdullah, e precisarão de outro intérprete, se tiverem que se separar.

–De acordo, seremos quatro – disse Abdullah – partiremos amanhã no vôo de linha a Cidade do Cabo.

*******.

Sarrazin nunca tinha estado no Líbano. O mais perto que chegou foi na primeira missão no Cairo e Líbia, nos primeiros meses do ano. Agora estava feliz de poder viajar e gastar algum dinheiro, já que para os padrões do seu país estava rico.

Além de tudo, ele estava enjoado pela pacata inatividade da fazendinha a que estavam confinados. Ao dia seguinte pegaram o avião de linha para Cape Town e pela tarde, os mercenários perambularam pela cidade sul-africana, fazendo tempo para embarcar no vôo da meia noite da Air France para Paris.

Uma vez em Paris, segundo o plano, embarcariam para Atenas, e daí para Beirute. Um belo roteiro para Sarrazin, que não parava de fazer comparações com seu país. Ele estava passando por uma fase de aprendizado que seria fundamental no futuro. Era só o começo.

*******.

Bernardette.

Dois dias depois, estavam passeando por Paris, curtindo a Cidade Luz até as seis da tarde, hora em que decolava seu vôo da Olympic Airways para Atenas.

Aproveitaram para comprar roupa nova e jogaram fora suas roupas civis, já um tanto demodêes. Depois entraram num bistrô para fazer o lanche da tarde antes de ir para Le Bourget.

Foi aí que Sarrazin conheceu a Bernardette De La Rue.

Ela saboreava com fruição seu café com croissants, quando ele a viu sentada frente a uma mesinha de tampo de mármore rosa junto à janela. Era uma jovem e bela mulher branca de cabelo vermelho natural cortado a la garçom, (como Letícia!) que num momento determinado fixou seu olhar no jovem estrangeiro.

Ela viu uma mesa na qual quatro homens bem vestidos, bronzeados de sol bebiam seus cafés tranqüilamente. O mais jovem não tirava os olhos dos dela. Ela sorriu educadamente. Ele respondeu, sorrindo com discrição. Sarrazin agora estava fisgado.

Tinha que chegar perto daquela mulher, de qualquer maneira. Tinha que falar com ela, antes de que Paris a engolisse para sempre e só ficasse a lembrança de uma bela desconhecida, igual a outras muitas, que sorriram e desapareceram para sempre sem deixar rastro. Sarrazin levantou-se e foi até a mesa da bela ruiva.

–Pardon mademoiselle; je m’assieds avec vous?

–Oui monsieur, s’il vous plait…

–Merci. Mon nom est Martin.

–Je m’appelle Bernardette.

E assim nasceu uma ligação que haveria de durar bastante tempo, se bastante tempo pode dizer-se de cinco anos. Mas cinco anos na vida de um mercenário é tempo demais. É uma vida inteira.

Ele veio a saber que Bernardette também viajava para Atenas no mesmo vôo da Olympic Airways. Ele mentiu que era estudante viajando em companhia de amigos, e ela mentiu que era consultora de modas.

O vôo para Atenas foi interessante, e ao amanhecer encontraram-se em médio de uma multidão de fregueses num restaurante típico ateniense, perto do hotel, com os três amigos de Sarrazin sentados à distância.

–Sinto muito, mas deveremos embarcar na Olympics as três da tarde, ma cheri.

–Coincidência. Eu também devo embarcar. Para onde você vai?

–Para Beirute. E você?

–Para Damasco.

–Então vamos aproveitar a manhã até embarcar, ma petite.

–Oui.

–E antes que me esqueça, quero seu telefone de Paris, para quando voltar.

–D’Accord. Vamos a algum lugar?

–Oui. Vamos voltar ao hotel.

Deixando os seus camaradas, Sarrazin entrou no hotel com a francesinha, antevendo a primeira de muitas batalhas sexuais que o destino lhe deparava com ela.

*******.

Beirute.

Quando Sarrazin e seus camaradas embarcaram na Olympic Airways rumo ao Líbano, Bernardette ficou chorando no aeroporto. Lágrimas de desespero, de amor, de paixão, de medo de nunca mais voltar a ver o jovem e carinhoso estrangeiro que a tinha deixado tão saciada.

Ele embarcou feliz, por haver amado aquela maravilhosa francesa com toda sua força, com toda sua capacidade amatória. Estava confiante que poderia dar-se uma escapadinha para Damasco assim que fosse possível, com intuito de localizar o hotel cujo endereço apertava num papel dobrado dentro do bolso do terno.

*******.

Ainda era dia claro quando aterrissaram em Beirute. Após passar pela alfândega, saíram do edifício do aeroporto para uma tarde bonita de temperatura agradável.

Abdullah chamou um táxi. Ao embarcarem, o palestino deu o nome de um hotel, e o táxi partiu pela ampla avenida que liga o aeroporto ao centro da cidade.

–Cam-il-uaqtul-lá-zimm hattá naçil? – perguntou Yussuf.

–Daqídat uáhidat – disse o motorista e apertou o acelerador a fundo.

Pouco depois, entraram numa bela avenida que desembocou num boulevard, bordeado de tamareiras. Pararam na frente de um hotel situado no meio de dois bares acolhedores com mesas na calçada.

–Uaçalna – disse o taxista.

–Hádzihi ujrátuca ua incrámíiat saghírat – disse Abdullah entregando uma nota de cem dólares americanos ao surpreso motorista.

–Mamnúmn, sahibi! – exclamou o homem agradecido – Mamnúmn, sahibi! Sallámacal-Láh! Sallámacal-Láh!

Os mercenários entraram no hotel com a sua bagagem; apenas umas pequenas mochilas esportivas com o essencial. Abdullah tomou o comando:

–Primeiro, vamos nos instalar, depois vamos jantar no restaurante ao lado. Meu contato virá procurar-nos.

–D’Accord, monsieur Abdullah – disse Argot.

O conserje não demorou em aparecer.

–Ahlan Uaçahlan – disse, cerimoniosamente.

–Xucran – disse Abdullah e acrescentou:

–Urídu ghúrfatan ‘alax-xári’.

–Indana ghuraf bitábiqil-âúal uarrábi – indicou o conserje.

Subiram para o quarto no primeiro andar, com janela para a rua. Não era um luxo, mas era limpo e confortável. Era uma suíte com acomodações para os quatro.

Depois do banho, vestiram roupas e sapatos confortáveis e desceram ao salão. Uma porta dupla de vidro trabalhado comunicava com o restaurante ao lado, sem dúvida pertencia ao mesmo dono do hotel.

Escolheram uma mesa perto das grandes janelas e sentaram enquanto o sol se punha por trás dos belos edifícios. Sarrazin achou uma certa semelhança com a sua distante Montevidéu nas tardes de verão.

–Ia ualad! – chamou Abdullah, com voz não muito alta.

O garçom chegou. Sarrazin desentendeu-se da conversa em árabe, para lembrar de Bernardette, e imaginou-a na churrascaria Tiburón em Montevidéu, sentada ao seu lado, tomando cerveja Norteña e olhando o mar... Ele estava perdido.

*******.

A voz de Yussuf o tirou do restaurante à beira do mar em Montevidéu e o trouxe de volta a Beirute:

–Spelunker, wake up!

–Ah? Ah, sim!

–Vamos comer – disse Argot – vê se pára de pensar na ruiva!

–Al ‘axá’u jáhiz, sahibi – disse o garçom a Sarrazin, enquanto o servia.

–Merci, monsieur – respondeu ele que não falava uma palavra de árabe.

O garçom, que como quase todo libanês falava francês fluente, disse, querendo agradar o jovem estrangeiro:

–Vous parlez très bien le française, monsieur.

–Merci.

O garçom retirou-se e os quatro amigos debruçaram-se sobre as iguarias, não sem antes Abdullah e Yussuf agradecer a Allah pela refeição.

Argot, cosmopolita, comeu com prazer de conhecedor, e Sarrazin atacou o kibe com cautela. Abdullah e Yussuf, como bons muçulmanos, não beberam o vinho francês servido e Yussuf pediu ao garçom água pura para beber:

–Má’ lix-urb!

Argot olhou os árabes de soslaio e serviu vinho para Sarrazin.

–Merci, mon ami.

O jantar foi calmo. Na rua os veículos passavam rápidos, assim como os pedestres, sob a luz artificial de iodo. Inúmeros insetos batiam nas lâmpadas da iluminação pública, trazendo recordações de tempos idos ao mercenário latino-americano, recordações de outros jantares, em companhia de outros amigos do outro lado do mundo, quando jovens estudantes queriam consertar o mundo injusto e cruel na mesa de um bar.

Quando Martin, o estudante nem sonhava que algum dia existiria Sarrazin, o mercenário.

As recordações foram interrompidas pelos sonoros arrotos dos dois palestinos, para beneplácito do cozinheiro, que assomou sua cara na porta dupla da cozinha. Argot ensaiou um arroto longo e artístico que quase arrancou aplausos do cozinheiro, e deu uma cotovelada em Sarrazin, que, percebendo a etiqueta árabe, também arrotou, com o que o cozinheiro agradeceu e desapareceu porta dentro da cozinha.

–Al-‘acl tâíib – disse Yussuf.

–Al-marratal-átiat iacúnn átiab – respondeu Abdullah.

–Falem em cristão, pelo amor de Allah! – disse Sarrazin brincando.

–Yussuf disse que a comida foi muito gostosa, Herr Spelunker; e eu respondi que na próxima vez será ainda mais gostosa.

–Porque? Haverá alguma iguaria fora do comum?

–A próxima vez, nosso jantar será com o nosso contratante, e já sabendo quanto vamos ganhar para ir à URSS – respondeu o árabe em um sussurro.

–Ótimo!

–Très bien! – disse Argot após um demorado gole de vino.

–Agora podemos ir dar umas voltas pela cidade. Beirute é a cidade mais civilizada de Oriente Médio – disse Abdullah.

E assim, os quatro amigos saíram a caminhar pela cidade, antes que fosse quase que totalmente destruída, como aconteceria num futuro não muito distante...

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Próximo: A ASSASSINA

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O conto A FRANCESA - forma parte integrante do romance inédito HISTÓRIA DE MARTIN ® – Volume II, Capítulo 15; páginas 32 a 35.

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 29/12/2016
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