CHEGAM OS PARAQUEDISTAS

Antes dos MUNDOS PARALELOS ® entrarem em colisão...

Basílio Sabat.

Em 1971, com 18 anos, Martin comprou seu primeiro carro, um jipe, e entrou para a marinha de guerra, para ganhar mais e poder continuar estudando. Foi destacado para um navio caça-minas, como operador de comunicações, devido a seus conhecimentos de eletrônica.

Navegou por diversos lugares, tomando o gosto pela aventura, não descuidando de estudar apesar da distância da faculdade. Participou de grandes manobras navais, como a Operação Unitas, com navios de toda América. Conheceu o porta-aviões Enterprise por dentro e esteve na Antártica, onde se encontrou a si mesmo, naquela solidão branca.

*******.

Chegam os Pára-quedistas.

Quatro meses depois, transferiu-se sem pedir, para a aeronáutica, por intermédio de um afiliado de sua mãe, que era um capitão piloto aviador militar que pretendia fundar a primeira unidade de pára-quedistas do país.

Estava chegando da Operação Unitas, quando desembarcou e por acaso encontrou no porto o capitão piloto aviador militar, ao qual saudou militarmente antes de reconhecê-lo.

–O que estás fazendo nesse uniforme, Martin?

–Senhor?

Mas em seguida Martin reconheceu Arturo Pimenta, o afiliado da sua mãe.

Dois anos antes de Martin nascer, uma moça solteira tinha engravidado e como naquela época isso era uma coisa grave, ela foi expulsa de casa.

Os pais de Martin, recém casados, resolveram ampará-la, e quando o bebê nasceu, ela pediu a aquele casal bom e generoso, para batizá-lo, o que fizeram com gosto. Com o tempo, Arturo tornou-se militar aviador, chegando a capitão. E agora Arturo estava frente a frente com o filho dos seus queridos padrinhos.

–Deverás vir para a força aérea.

–Isso não depende de mim, senhor.

–Mas eu posso fazer alguma coisa.

Despediram-se e Martin não levou o encontro a sério. Um mês depois, ao atracar, voltando de uma missão na Antártida, o capitão do navio mandou chamar o tenente de comunicações Martin.

–Tenente, está desgostoso de servir neste navio?

–Não senhor.

–Então o que significa isto? – disse o capitão mostrando os papéis de transferência para a Força Aérea.

–Permissão para explicar, senhor.

–Permissão concedida.

E assim, Martin desembarcou. Um jipe da aeronáutica esperava-o no cais, e começou sua vida como o pára-quedista número um, do batalhão aerotransportado numero um. Foi melhor assim, porque, como pára-quedista, servia 24 horas e folgava 48, o que lhe permitia assistir às aulas e descansar.

Nesse meio tempo conheceu a Raquel, que morava na pensão de estudantes, onde Martin ainda morava e guardava seus pertences e livros, tinha 21 anos, olhos e cabelos negros. Seu cabelo chegava até a cintura. Sua pele era bronzeada e seu corpo maravilhoso.

Às vezes ela dormia no quarto de Martin, quando ele estava de folga. Vinha de um drama amoroso com um tenente do exército que a abandonara. Martin aceitou-a com carinho. Estava mais conformado com a sua perda e Letícia passara a ser uma lembrança junto com Lilian, que apesar de viva, transformara-se numa musa apenas.

*******.

O Velho Basílio.

Num domingo de Ramos passou no seu jipe na frente da garagem subterrânea onde anos atrás fora lavador de carros, e resolveu entrar para ver se o velho Basílio Sabat ainda vivia. Afinal, seu pai, em vida, aconselhara-lhe a respeitar sempre a sabedoria dos mais velhos, conselho que seguiu toda sua vida.

–Quem é vivo sempre aparece! – disse o velho com seu forte sotaque russo.

Na frente de duas xícaras de chá amargo, Martin fez um breve resumo dos seus amores e desamores para o velho ucraniano, e por fim disse:

–O senhor que é velho e viajado, o que pode me dizer das mulheres?

Os olhos cinzentos do velho ucraniano brilharam, talvez lembrando das suas mulheres há tanto esquecidas, dos anos vintes e trintas.

–Mulher é todo igual, meu amigo. Mulher já nasce mentirosa, falsa como água de poço. Quando aprende a falar, aprende a mentir.

–Nem todas, Basílio – replicou Martin chocado.

–Todas. Isso vem ainda da época das cavernas, quando as mulheres não tinham força para fugir ou se defender das agressões dos homens, que as castigavam por qualquer coisa. E isso vem se repetindo em algumas culturas, como sabes.

–Quer dizer que elas mentiam para não apanhar?

–E para não perder os privilégios que tivessem conquistado.

–Tem sentido.

–Além do mais, todas elas aprontam, mais tarde ou mais cedo.

–Há algumas que não...

–Quando não aprontam na entrada, aprontam na saída! – cortou o velho.

–Não está exagerando?

–Nem um pouco, meu ingênuo amigo. Mulher só serve para uma coisa, e algumas nem sequer para isso! E o pior de tudo é quando querem te prender de qualquer jeito e engravidam para te agarrar. Essas são as mais burras de todas, que não percebem que filho não segura marido.

–O senhor deve ter muita raiva das mulheres para falar desse jeito...

–Ao contrario! – disse o velho – Amo as mulheres, mas não sou burro! Não cansaste de ver as putas que me visitavam de noite quando vinhas lavar os carros?

–Toda semana uma diferente. Ainda recebe essas visitas, ou já está impotente?

–Agora aparecem só nas quintas feiras, rapaz. Ainda estou bom para elas, mas não tanto como antes – disse o velho com um sorriso safado e acrescentou:

–As putas são as mulheres mais honestas que existem, porque não mentem, não enganam dizendo que amam, que tu és o único homem da sua vida, e outras baboseiras afins. Elas servem, ajudam, tu pagas e elas vão embora felizes e contentas, e ficas feliz e contente, porque deste uma boa trepada, bem relaxante, sem te preocupar por agradar à mulher. Ela é que tem que te agradar. Para isso pagas.

–Eu não penso assim, Basílio.

–Agora. Porque tu és um moleque de menos de vinte anos. Depois vais mudar de idéia. Mais tarde ou mais cedo vais ter vontade de esbofeteá-las, chutá-las, matá-las...

–Meu pai dizia que em mulher não se bate nem com a pétala de uma flor...

–Mas terás vontade de fazer isso mais tarde mais cedo!

–Até agora não tive essa... vontade, Basílio.

–Mas um dia uma maldita sem-vergonha vai te cornear, ou vai te mandar embora, ou vai te dizer que só quer amizade depois que tua cueca estiver toda melada. Aí vais querer enchê-la de porrada, rapaz tolo!

–Não será para tanto. Meu pai dizia que se a mulher apanha uma vez, coitada, é porque é inocente e não sabe. Se apanhar uma segunda vez, é porque gostou.

–Algumas, não todas, gostam de levar uns cascudos uma vez que outra... Mas se não aceitas minha opinião para que pediste?

–Não digo que não aceito. É que estou meio chocado.

–Não tanto como no dia em que vejas uma das tuas namoradas andando na rua com outro.

Martin ficou em silêncio por um momento. Depois disse:

–E o que eu deveria fazer nesse caso?

–Ficar quieto. Como disse a velha canção russa:

Não chore, sofra em silêncio,

Homem não chora.

Agüente o choque

Olhe para outro lado

Procure outra

Mulher há de sobra em todo quanto é lugar.

–Claro.

–E lembra sempre: não faças a besteira de te apaixonar. A pior coisa que pode acontecer a um homem é se apaixonar. Aí a maldita bruxa faz o que quer com o coitado. As mulheres são para serem usadas e descartadas, meu rapaz. Se elas perceberem que estás apaixonado, elas acabam te destruindo.

–O senhor está mesmo amargurado, Basílio.

–Não me interpretes mal. Tenho 65 anos e sei muito bem o que digo. Afinal, foi para isso que aqui viestes; para me pedir opinião.

–Sim. E agradeço. Prometo pensar sobre tudo isso.

*******

Martin não sabia naquele momento, que um novo amigo, um ex-legionário de mais de 70 anos, barba e cabelo branquíssimos, que conheceria em outro país, repetiria a mesma palestra do velho Basílio, acrescentando:

–Aquele velho ucraniano que lhe disse tudo aquilo nos anos sessenta, não tinha como saber o que hoje a ciência sabe.

–E o que a ciência sabe hoje, Affonso?

–Que não existe a igualdade entre homens e mulheres, apesar de que elas insistam e ocupar nossos lugares, que elas queiram fazer tudo o que nós fazemos...

–Como que não?

–Se elas querem igualdade, então que trabalhem de pedreiras, lixeiras, domadoras de cavalos, marinheiras, mineiras, mergulhadoras...

–Mas muitas têm poder de comando, Affonso.

–Todas as que têm poder de comando, não perdem a oportunidade de esfregar o cargo na cara dos homens sempre que podem, e se estiverem com a tal de TPM, descontam nos subordinados homens para demonstrar que são superiores. Mulher não faz tudo o que fazem os que não sangram todo mês e urinam de pé.

–Mas a capacidade mental delas é igual a dos homens...

–Ai é que você se engana, meu incrédulo e desinformado amigo uruguaio. Eu posso ser velho, e até meio broxa, mas não estou caduco e estou sempre bem atualizado. A ciência tem demonstrado neste século; sem lugar a dúvidas que as mulheres têm quatro milhões de neurônios a menos do que os homens. Por isso elas querendo ou não; fazem tanta cagada com os coitados dos homens. Quer um exemplo?

–Por favor.

–Reparou que quando mais bonitas são, mais atraem os vagabundos? Elas sempre preferem os cafajestes vistosos, em detrimento dos bons e certinhos.

–Reparei.

–No Japão caminham dois passos atrás do homem, e na Arábia usam véus para não se mostrar aos outros homens. E apanham de relho, soco e sopapo em várias culturas. Porquê será que elas apanham tanto?

–Affonso! Você está apelando!

–Não estou apelando. Você, meu incrédulo professor Martin, é um namorador romântico incorrigível, e sempre vai cair nas rédeas de mulheres espertas. Informe-se, ignorante – disse o velho ex-legionário sorrindo de forma sinistra por entre sua barba branca – Hoje há como se informar. Há, por exemplo, a Internet, que não existia nos anos setenta, quando você era um estúpido moleque cheio de hormônios à solta...

*******.

Esther.

Mas, essa conversa de Martin mais velho com Affonso, ainda estava a uns trinta anos de acontecer, pouco antes dos MUNDOS PARALELOS entrarem em colisão...

Por enquanto Martin jovem lembrou de Letícia e de sua misteriosa doença, da qual ela só foi falar três meses antes de morrer, embora soubesse estar enferma desde cinco anos atrás.

–Ela mentiu para mim. Eu a amei com loucura e ela não me disse que tinha leucemia... – pensava ele coberto de mágoa.

Martin ficaria com mais essa mágoa até dezembro seguinte, quando Esther, a irmã mais nova de Letícia foi por primeira vez a Montevidéu, e Martin foi buscá-la no aeroporto, para levá-la à praia e aos lugares interessantes da cidade.

Esther Cardelino tinha um ano a menos que Letícia, olhos azuis e cabelo loiro bem comprido, até a cintura. Usava um vestido recatadamente fechado em cima, cor de rosa, de tule finíssimo com forro de seda, de mangas compridas abotoadas, porém curto até menos da metade da coxa, como se usava na época.

Seus lábios eram finos e vermelhos. Não usava qualquer maquiagem, mas também não lhe fazia falta.

Ela o reconheceu pelas fotos. Ele estava com seu terno de verão azul claro, camisa branca e usava sua gravata preferida, listrada de vermelho, branco e preto. Após as apresentações, subiram no jipe e foram a passear pela cidade. O passeio levou-os até um famoso restaurante quase na cima do único morro da cidade, com vista à baía e ao porto. Na frente de dois cafés, Martin abriu-se para sua ex-cunhada:

–Ela mentiu. Não me disse que estava enferma.

Esther ficou muito seria. Seus olhos azuis encararam os olhos castanhos de Martin com um brilho úmido, quando disse:

–Ela não mentiu, ela omitiu sua doença, para não te machucar, Martin.

–Mas me machucou morrendo.

–Não foi culpa dela... Aliás, quanto tempo vocês namoraram? Três anos? Seriam três anos sentindo piedade. Ela não queria que as pessoas tivessem piedade dela. Por isso vivia como se nada estivesse acontecendo.

–Não parecia enferma.

–Mas tinha terríveis dores. De seis em seis meses tinha que ir à clínica para trocar todo o sangue. Aí se recuperava por um tempo e vinha para cá, para se encontrar contigo, para não ter que aguentar a nossa compaixão. A compaixão e dor da família.

–Visto por esse lado...

–Nunca te perguntaste por que ela era tão livre, para uma menina de sua idade?

–Por Deus, não!

–Porque nossos pais resolveram que ela deveria ter tudo o que quisesse, ser livre para aproveitar a vida que ainda lhe restava.

–Não tinha pensado nisso. Como fui cego!

–Eu nunca tive os privilégios de Letícia. Nossos pais me cuidavam e me controlavam como uma boneca de porcelana. Recém agora me deixaram viajar sozinha, e só porque minha tia pediu com insistência e meu irmão assinou embaixo porque gosta de ti. E também porque tu me esperarias para fazer-me companhia.

Martin nada disse, brincando com a colherinha do café. Seguiu-se um prolongado silêncio em que eles não se olharam. Por fim a jovem disse:

–Vocês foram felizes em todo esse tempo? É isso que me interessa.

Martin encarou seu olhar:

–Foi meu melhor tempo. Foi o melhor dos tempos que já vivi.

–É muito bom saber disso... – os olhos dela estavam vidrados pelas lágrimas.

–Foi sim. Foi muito bom, muito doce, enquanto durou.

–Vocês... transavam? – perguntou ela corando e olhando para as mãos dele.

Martin fechou seu rosto e apertou os lábios.

–Vou tomar isso como um “sim” – disse ela sorrindo de maneira encantadora.

–Escuta, Esther, não quero manchar sua memória...

–Não me venhas com isso, Martin – cortou ela – não se trata de manchar a memória da minha irmã. Estamos aqui para honrá-la com a lembrança do amor que tivemos por ela. E se vocês fizeram amor... Quê bom que fizeram! Quer dizer que ela aproveitou muito bem a pouca vida que teve. Estou feliz por ela!

–Ela não te contou nada? Não acredito que o tenha ocultado de ti...

Um sorriso iluminou o belo rosto da jovem, apesar das lágrimas que já escorriam rosto abaixo.

–Contou, sim. Tudo. Estava muito feliz.

–Se sabias, porquê perguntaste?

–Queria saber por ti mesmo. Agora posso ver que foi uma coisa muito séria.

E as palavras experientes e amarguradas do velho ucraniano voltaram à memória do jovem por um momento:

"–Mulher é todo igual, meu amigo. Mulher já nasce mentirosa, falsa como água de poço. Quando aprende a falar, aprende a mentir."

Martin afastou a imagem pessimista de Basílio Sabat da sua mente e disse:

–Meu pai costumava dizer que uma das maiores virtudes que um homem poderia ter em relação às mulheres realmente amadas, era a discrição.

–Sábio, teu pai.

–Está fazendo muita falta agora.

Martin limpou as lágrimas do rosto de Esther e a beijou com cuidado. Ela pegou as mãos dele entre as suas. E disse, olhando-o nos olhos:

–Letícia tinha razão em tudo que contava ao teu respeito, Martin. Agora que te conheci pessoalmente sinto muito mais pena por minha irmã, que estará privada de ti por toda a eternidade. Ela não merecia isso.

–E eu?

–Estás vivo, Martin! Pára com essa mágoa! Eu choro por ela, coitadinha, que te perdeu e está mais sozinha do que tu.

Martin não disse nada. Os dois ficaram longo tempo de mãos dadas, olhando-se aos olhos. Ela era tão parecida com Letícia!

Ele não suportou. Uma lágrima escorreu no seu rosto e ele não tentou ocultá-la. Ficaram de mãos dadas, olhando-se aos olhos, cada um contemplando as lágrimas do outro, até um navio na baía próxima, apitar.

–Vou te levar à casa da tua tia – disse ele, fazendo um sinal para o garçom.

*******.

Despedida.

Uma semana depois, Martin levou Esther ao aeroporto.

–Aqui nos despedimos – disse ele.

–Parece que sim – disse ela – foi muito bom te conhecer.

–Também foi bom te conhecer.

–Nunca esquecerei esta semana, Martin. Adorei os lugares, adorei a praia, principalmente as tardes que passamos juntos, conversando e tomando banho de mar.

–Estou feliz por isso – disse ele – eu sempre quis ter uma irmã para mimar.

–Estou honrada. – e seu sorriso era triste – Nos veremos algum dia?

–Não sei, Esther. O mundo dá muitas voltas e pretendo futuramente viajar.

–Se não nos vermos mais, meu querido; quero que saibas que minha família vai te querer bem mais, pelo bem que fizeste para minha irmã nos últimos anos da sua vida.

–Transmite meu carinho a eles.

–Não será fácil descrever com palavras todo o bem que me fez falar contigo. Não sinto mais aquela dor que eu sentia desde que a coitadinha morreu.

–Eu ainda sinto.

–Mas vais superar. Homem sempre supera.

–Esther, isso é um lugar comum...!

O alto-falante anunciou a partida do vôo para Buenos Aires.

–O teu vôo.

–Sim. É hora de te dar o carinho de minha família e meu – disse ela abraçando-o e beijando-o com doçura – Obrigada pelo teu carinho, Martin. Sentirei saudades.

–Também sentirei saudades da irmã que me amou por uma semana – disse ele retribuindo da mesma forma.

–Espero que sejas feliz de novo, meu querido.

–E tu também.

Minutos depois o avião de Aerolíneas Argentinas fazia-se pequenino no céu. Martin, voltando a si, girou nos calcanhares e encaminhou-se à saída.

Havia exorcizado seus fantasmas.

No carro, o rádio tocava o tema do filme Um Homem e uma Mulher, e ele agora podia ouvi-lo sem chorar.

–Obrigado, querida Letícia, onde quer que estejas.

*******.

Asas Quebradas.

Mas ainda tinha Raquel, que o amava, ou assim parecia nas noites em que dormia com ele. Claro que Martin estava sempre com um pé atrás, ainda mais com a experiência relativa às mulheres que estava acumulando dia a dia. Basílio o tinha influenciado demais, embora, com um efeito retardado, mas o maior problema de Martin, nessa época, não eram seus amores. O trabalho é que era problema. Por aquela época, um grupo extremista queria tomar o poder pela força naquele pacífico país.

Martin era um soldado 24 horas sim e 48 horas não; e, portanto teve que participar de violentos combates contra os terroristas assassinos, sequestradores, assaltantes e ladrões, que hoje; neste politicamente correto século XXI; são ministros, deputados, senadores e até presidentes.

Matou alguns deles, feriu algum outro, e também levou tiros e facadas.

Aos 19 anos, um mês depois de se formar, foi parar no hospital militar, ferido seriamente numa batalha noturna em que os terroristas tentaram invadir a fazenda do presidente a 180 quilômetros da capital.

Os pára-quedistas pularam sobre a fazenda às três da manhã e a batalha durou menos de quinze minutos. Martin matou oito deles antes de cair baleado. Acordou no helicóptero que o levava ao hospital militar, com outros dois feridos, e desmaiou de novo.

Recuperou-se em dez dias, e ia ser dado de alta, quando entraram no seu quarto sua mãe e seu comandante afiliado de sua mãe. Entraram discutindo.

A mãe de Martin estava feita uma fera.

–Quase me matam o menino e ninguém me avisa nada?

–Mas... Dinda, isso é secreto militar... – disse Arturo.

–Uma ova que é!

Martin interveio:

–Calma, calma que assim fico constrangido.

É fora de propósito relatar a desagradável discussão que se seguiu. Apenas interessa o resultado: Martin seria aposentado por invalidez e receberia uma indenização e uma pensão, além de uma promoção de tenente para capitão, fora algumas medalhas por bravura em combate. Tudo por conta das maquinações e brigas da sua mãe com seu comandante.

E agora, com vinte anos de idade, fora da Força Aérea; aposentado e com dinheiro, além de recém formado professor, ele não sabia o que fazer.

*******.

Beco Sem Saída.

Em novembro de 1972, cansado de procurar emprego, estava desiludido da vida.

–O senhor tem experiência? – perguntou o diretor.

–Como posso ter experiência, se me deram o diploma praticamente ontem?

–Sinto muito, mas queremos professores com experiência.

–Os idosos com experiência, se não estão em cadeira de rodas, estão em aula.

–É o nosso regulamento. Sinto muito.

–Quer dizer que não terei uma chance?

–Quando tiver experiência.

–Ou seja, nunca, com esses regulamentos.

–Não sou eu que faço os regulamentos.

–Entendo. Deverei esperar que todos esses professores morram de velhos.

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Os Amigos.

Se tivesse permanecido nos pára-quedistas, pelo menos teria o alívio de dar uns tiros, matar alguns terroristas e descarregar sua raiva do mundo em geral apertando o gatilho.

Mas agora, como civil, tinha que engolir sapos.

Sua rotina de “aposentado” incluía o encontro com os amigos na pizzaria e cervejaria do Palácio Salvo, o lugar mais central da cidade.

No fim de tarde reuniam-se jovens ex-estudantes e ex-milicos; entre eles Miguel Sotto, seu amigo de infância, colega de escola e de quartel.

Eles se conheciam desde 15 de março de 1959, primeiro dia de aula da primeira série do primeiro grau, quando suas mães ficaram amigas na porta da escola. Uma amizade de duas famílias que duraria mais de quarenta anos, quando Miguel partiria definitivamente para Suécia.

Miguel tinha duas irmãs; Betina, uma pré-adolescente; e Lilian, de 18 anos, muito bonita; amiga e homônima da outra Lilian que Martin amava.

Os encontros estavam tornando-se chatos. Todos tinham o mesmo problema de Martin: eram jovens formados, mas sem emprego.

Todos contavam as mesmas histórias da falta de experiência.

–Cheguei á conclusão de que este é um país de velhos – disse Miguel Sotto.

–Apoiado – disse Kenneth Mc Konnen, o formando de origem inglês.

Como rapazes universitários desocupados que tentavam consertar o mundo injusto em que viviam, eles precisavam manter-se muito bem informados, coisa que em Uruguai dessa época, era fundamental.

O mundo não sabia que Uruguai existia, mas Uruguai era um país que estudava história e geografia, e, portanto sabia muito bem onde o mundo estava e o quê o mundo fazia ou tinha feito. Os rapazes tinham sido muito bem ensinados nas suas escolas e faculdades. Era por isso que estavam tão infelizes. Se fossem ignorantes e incultos...

Quem sabe?

Talvez seriam mais felizes.

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A Revista.

Embaixo dos arcos do Palácio Salvo, havia uma banca de jornal na qual sempre podiam encontrar-se jornais como Le Figaro, The Times, Jornal do Brasil, Correio do Povo, Corriere della Sera, Deutsche National Zeitung, e outros.

A rotina dos jovens incluía ler a imprensa mundial aí mesmo naquela mesa. Os que liam inglês, italiano, francês, alemão ou português, traduziam para os outros as mais importantes manchetes.

No último sábado de novembro, o dono da banca aproximou-se da mesa dos rapazes, aos que bondosamente emprestava jornais e revistas estrangeiras, com a condição de devolve-las em boas condições.

–Chegou coisa nova, rapazes.

–O quê? – perguntou Miguel Sotto.

–Isto – disse o velho livreiro, entregando uma vistosa revista norte-americana.

–Soldier’s Fortune! – exclamou Kenneth.

–O que é isso? – perguntaram alguns.

–Soldado da Fortuna, gente – disse Kenneth – Uma revista para mercenários.

Alguns deles não tinha pegado nunca em armas, apesar de morar num país onde o porte de armas para civis era liberado; mas tanto os ex-soldados como os civis daquela mesa, admiraram-se de ter em mãos uma revista com propaganda de armas e afins, coisa nunca vista para todos eles.

–Não passe frio no norte com a nova barraca polar dupla com buraco no chão para pescar no gelo. – traduziu Kenneth.

–Fascinante – disse Martin.

–Corte todos seus problemas com a nova faca Bowie Command...

–Cortante – disse Miguel.

–Resolva imediatamente suas discussões. Argumente com a nova Star de 9 mm, com pentes opcionais de 30 e 50 balas.

–Definitivo – disseram todos.

–Não erre nunca mais com a nova mira telescópica...

–Certeiro – disse Martin rindo.

–Remova aqueles obstáculos que infernizam sua vida com a nova granada...

–Gente, isso é uma loucura – disse Miguel.

–E tem mais – interrompeu Kenneth – há os anúncios classificados, vejam isto:

–Fuzileiros com experiência para serviço na Amazônia.

–Odeio mosquitos, cobras, macacos e afins – disse Martin – além do mais deve ser para matar índios para aqueles americanos em terras de mineração.

–Este outro é a tua cara: “Recrutamos ex-pára-quedistas para serviço fácil de treinamento no norte da África. Telefone tal e tal, Paris, falar com Monsieur Level”.

–Opa! – disseram todos.

–Esse parece bom – disse Martin, anotando o número.

–Vais ligar? – perguntou Miguel.

–Vou. Estou curioso. Sempre quis conhecer as pirâmides.

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Próximo: PRIMEIRA MISSÃO

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O conto CHEGAM OS PARAQUEDISTAS - forma parte integrante do romance inédito HISTÓRIA DE MARTIN ® – Volume I, Capítulo 2; páginas 14 a 24.

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 23/12/2016
Código do texto: T5861233
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