A LEGIÃO NEGRA

Antes dos MUNDOS PARALELOS ® entrarem em colisão...

A Legião Negra.

Martin havia chegado a Paris depois do meio-dia daquele gelado 25 de dezembro de 1972 em que a neve ainda não tinha chegado em sua plenitude. Desceu do 747 da Air France pelo tubo de desembarque e não percebeu a cruel temperatura externa.

Uma vez que pegou suas duas malas e a mochila esportiva, encaminhou-se à saída do aeroporto. As portas abriram-se automaticamente e ele saiu ao frio, vestido com seu terno azul cobalto de verão com o qual tinha embarcado no aeroporto de Carrasco, em Montevidéu, Uruguai, com 29 graus de temperatura.

Deteve-se um segundo e voltou a entrar. Encaminhou-se ao banheiro masculino e abriu suas malas. Despiu toda sua roupa e colocou suas ceroulas de flanela e sua camiseta de mangas compridas.

Vestiu uma camisa branca de linho e seu terno cinza de inverno de lã inglesa. Escolheu sua gravata italiana listrada de branco, preto e vermelho, sua favorita, e vestiu por cima sua gabardina verde.

Olhou-se no enorme espelho e achou que estava apresentável. Dobrou cuidadosamente toda sua roupa restante na mala mais nova e jogou a outra mala no lixo. Em seguida, com a mala nova e a mochila a tiracolo, encaminhou-se resoluto à saída.

Pegou um táxi:

–Rue du Bac, avec le Boulevard. St. Germain, S'il vous plait.

–Oui, Monsieur.

Deslumbrado pela cidade que aos seus olhos provincianos apresentava-se imponente, quase esqueceu do encontro com Monsieur Level naquele café parisiense, onde se realizaria o primeiro contato com seu contratante. Entrou e pediu café e croissants. Depois que matou a fome, acendeu seu cachimbo.

Tinha o hábito de fumar cachimbo desde que tinha quinze anos, quando um médico pediatra amigo da família deu-lhe de presente um cachimbo italiano para que abandonasse os cigarros; e começou a relembrar os últimos dias que foram bem agitados.

*******.

Raquel.

Dois dias antes; quando estava preparando suas malas e abandonando para sempre o quarto da pensão de estudantes da rua Benito Blanco esquina Scoseria, onde tinha vivido os últimos cinco anos; teve seu enfrentamento derradeiro com Raquel.

Ela morava há quatro anos na pensão de estudantes; desde que fora abandonada pelo seu antigo amor. Agora tinha 26 anos e adorava o jovem estudante que sempre fora tão carinhoso. Mas ele ia embora, talvez para sempre, e a pobre garota enfrentava o mesmo drama pela segunda vez:

–Te vás assim, Martin? – perguntou ela desesperada.

–Assim como? – disse ele, distraído, fechando com fita crepe uma caixa de papelão cheia de livros de história.

–Sem mais nem menos?

–Não entendo onde queres chegar – disse ele, recolhendo seus quadros da parede e colocando todos numa caixa de papelão, junto com o resto da tralha miúda que estava levando aos poucos para o carro.

–Vás embora para Europa e me deixas aqui, sozinha.

–Não posso te levar para onde vou e nem para o que vou fazer. Além do mais, tu tens um emprego, coisa que eu não tenho... mas o terei nos próximos cinco anos.

Ela seguiu atrás dele, chorando, até o carro onde já estavam seus livros e roupas. Martin sentia pena dela, mas já tinha tomado sua decisão. Não ficaria mais neste país; onde não teria oportunidades. Precisava endurecer seu coração, ou não conseguiria deixar a Raquel, que estava tão bonita com esse vestido curto bem decotado de organdi azul claro.

–Cinco anos? Se não te adorasse tanto, não teria vindo para me despedir. Eu sou uma estúpida. Uma pobre estúpida.

–Não fales assim, Raquel.

–Mas tu não me amas e estou sofrendo pela tua causa – replicou ela.

Martin sentiu que seu coração amolecia perante o olhar amoroso da moça, sentiu que, se pensasse mais um pouco, a conduziria pelo braço para adentro, arrancaria seu vestido por cima da cabeça, a derrubaria na cama e abaixaria sua calcinha de renda pelas pernas abaixo e a possuiria com fúria uma e outra vez, como um desesperado.

–Talvez o que te faça sofrer seja que sabes que te amo à minha maneira e que nunca te enganei, não é verdade? – disse ele lutando para se controlar.

–Não sei se deverei amar-te ou odiar-te. Ou as duas coisas.

–Os antigos diziam que só se odeia o que muito se amou. Prefiro teu ódio.

–Mas eu te amo! Não consigo odiar-te!

–Sei disso, mas quero que me odeies pelo mal que te faço partindo. Sei que estou sendo ruim contigo, que nunca me fizeste mal. Quero que me odeies pelo mal que te faço. Daqui a uns dias vais me odiar tanto que vás querer me ver morto.

–Não!

–Entre amor e ódio há apenas uma linha, fina como um fio de cabelo, minha querida.

–Me chamaste de querida!

–Sim, porque te quero muito.

–Então não me abandones, se me queres!

–Raquel, querida, nada do que digas o faças, poderá parar o que está para acontecer. Já não posso voltar atrás.

–Por que? O que vai a acontecer?

–Há uma engrenagem rodando da qual faço parte; minha palavra já foi dada e nada pode impedir que eu vá para Europa. A sorte está lançada.

–Então aqui nos separamos, Martin.

–Sim.

–Posso beijar-te?

–Não, Raquel.

–Não?

–Isso o faria tudo mais difícil. Para nós dois. Estou lutando para me controlar e não fazer algo do que me arrependeria depois.

–Sim, é verdade. Desculpa.

–Adeus, Raquel.

–Adeus Martin.

*******.

Voando Fora do Ninho.

Sem olhar para trás, para não vê-la chorando, Martin deu a partida no seu carro e foi embora para sempre. Nunca mais veria a Raquel. Sabia que estava sendo imensamente cruel com a pobre garota, mas ele também tinha sofrido por causa de mulheres cruéis, e seu coração tinha se endurecido após a morte de Letícia.

Deixou o carro e os pertences na casa da sua mãe, que nunca soube o que ele ia fazer na Europa. Para ela e para sua madrinha; ia fazer uma pós-graduação na Sorbonne, o que realmente fez, posteriormente, já que teve cinco anos para isso.

Escreveria depois em Antuérpia, cheio de ingratidão para com a coitada e esquecida Raquel:

Página para abandonar Montevidéu.

Ninguém havia no aeroporto

Para me despedir quando parti.

Ninguém que chorasse por mim,

Ninguém que prometesse esperar-me.

Minha dor decolou comigo

A bordo daquele Boeing.

Em um cemitério, um túmulo novo,

Meu passado guardava.

Em uma rua, um caminhão de lixo,

Mil cartas amareladas levava.

Em uma casa fechada,

Meus chinelos esperavam.

A minha cidade eu vi empequenecer

Meio oculta pelas nuvens

Através das minhas lágrimas

Até desaparecer.

Meu passado desfilou

Como em filme mudo

Dentro do meu cérebro

Até eu adormecer.

As horas se passaram

Atravessando o Atlântico.

A aeromoça americana

Com seu sorriso profissional

Meu copo transbordava

E eu bebia, e lembrava.

Por fim Paris,

Cidade Luz,

Chuvosa, fria,

Montevidéu me parecia.

Ninguém estava esperando,

Por tanto caminhei,

Imaginei,

Pensei.

Aquelas casas molhadas,

Aqueles carros apressados,

Aquela semelhança...

Mas tinha algo a fazer.

Um telefone, uma moeda...

–Alô? Monsieur Level?

–Oui? Monsieur Le Capitaine…?

…………………………………

Café.

Café e Croissants.

Restaurante de Paris.

Chuva na vidraça.

Espero.

Monsieur Level chegou.

–Bom soir, Monsieur Le Capitaine!

Negócios.

Foi aí que tudo começou.

*******.

Paris.

Logo após as apresentações, Monsieur Level, com olho crítico de ex-legionário, avaliou o jovem pára-quedista latino-americano, e aparentemente aprovou o que via, já que em seguida foi direto ao assunto:

–Você deverá partir esta mesma noite para Antuérpia.

–De acordo.

–Na estação entrará em contato com nosso representante belga que o conduzirá ao nosso principal campo de treinamento.

–E depois?

–Será treinado em no mínimo um mês, de acordo com o que você já saiba, e no máximo noventa dias, mas não acho que se chegue a esse extremo.

–Tenho bastante experiência de combate.

–Veremos – disse o francês sorrindo – veremos.

–Espero não decepcionar.

–Monsieur, em nosso ramo, os que decepcionam são os primeiros que morrem.

Martin engoliu em seco. Monsieur Level prosseguiu:

–Esperemos que para fevereiro possa partir para sua missão.

–Em África?

–Não mencione nomes de lugares. Agora não pode mais fazê-lo em lugares públicos. Você está sob as ordens da Legião pelos próximos cinco anos. Seu salário já começou a correr a partir de hoje as 15:10 horas, quando assinou o contrato.

–Sim senhor. – disse Martin, o aprendiz de mercenário.

*******.

Próximo: CHEGAM OS PARAQUEDISTAS

*******.

O conto A LEGIÃO NEGRA - forma parte integrante do romance inédito HISTÓRIA DE MARTIN ® – Volume I, Capítulo 3; páginas 25 a 28.

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 22/12/2016
Código do texto: T5860345
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