A VIAGEM!
Cheguei lá meio atordoado. Não estava realmente pronto para ir àquele lugar tão inóspito, mas não havia como escapar. Tive receios, mas fui até lá. Antes, porém, em um momento muito particular, procurei me esvaziar do meu mundo concreto, tentei por várias vezes me desconectar da realidade e ir para dentro do meu vazio abismal, entretanto a realidade me prendia com as suas imagens que iam e vinham à minha mente, com os seus sons, que naquele momento não eram poucos, e, com o calor infernal que fazia. No entanto, depois de muito relutar, finalmente consegui chegar ao meu escuro interior, obedecendo às placas dos comandos que, ao som de uma bela canção, eram emitidos pela voz de um visionário comandante.
Não gostei muito do que vi, ou melhor, do que não vi e resolvi sair daquele trevoso lugar. Ao sair daquele meu vácuo abismal, deparei-me com uma pequena praia que tinha apenas um coqueiro. O mar estava agitado e as ondas vinham e se debatiam violentamente contra a areia da praia, criando uma bela imagem sonora que, apesar do escaldante calor, levou-me a um breve cochilo. Na minha madorma, sonhei que aquela pequena praia já não era tão pequena como de fato, agora ela tinha uma vasta extensão cortada ao meio por um grande trapiche que servia de porto para muitos navios que lá estavam. De repente, algo inusitado estava acontecendo, aqueles navios, apesar de grandes e numerosos, se colados um após o outro, não se comparavam em tamanho ao grande navio acabáramos de avistar. Todos ficaram atônitos, estáticos, e ele... Ah! ele vinha vagarosamente chegando, cortando as indefesas ondas, até que ancorou próximo à praia em que eu estava. Um homem aparentando os seus quarenta e poucos anos, acompanhado de mais alguns tripulantes desceu do navio, embarcaram em um bote e vieram até o porto. Depois de terem conversado com alguns homens que lá estavam, dirigiram-se para a praia e justamente para o lugar onde eu estava. Descobri, então, que aquele navio ancorou ali porque estava com um sério problema, o seu comandante vinha passando mal e não mais podia conduzir aquela embarcação e eles precisavam de um prático.
Não sei por que os homens que estavam no porto me apontaram como o único que naquelas paragens poderia ajudá-los na condução daquele grande navio até o seu destino final. Tentei relutar e lhes dizer a verdade, que não seria capaz de conduzir aquela tão grande embarcação, mas foi em vão o meu discurso, os homens não acreditaram e, quando dei por mim, já estava no comando do navio, ao timão daquela nau que conduzia vinte milhões de passageiros, todos dependentes do meu conhecimento de guia marítimo.
Acostumado aos atalhos do Marajó, naveguei pelo Rio Pará rumo ao Parauaú, mas não poderia deixar de tirar uma onda com a cara dos meus colegas de Bagre. Ao chegar em frente à Ilha das Araras, sinalizei para que o motorista reduzisse a marcha e rumei para o Paraná de Bagre. Na minha empolgação, nem me lembrei das praias que ladeiam o Rio Pará, mas, entre esbarrões e alguns gritos daqueles passageiros, chegamos ao Paraná de Bagre onde eu fui muito aplaudido por todos os que estavam no grande navio. Aí a coisa ficou apertada. O rio, muito estreito, mal dava para o navio passar, mas com toda a minha habilidade timoneira, o navio navegava, mesmo que vagarosamente. Ao passarmos pela Serraria do Sete, percebi certo brilho em seus olhos. Imaginei ser o desejo de ter um daqueles só para levar passageiros para Belém, trazê-los de volta e encostar de bico no hidroviário de Bagre. No momento em que passávamos em frente à Serraria Mil, ordenei que se acendessem todas as luzes do navio, pois a tarde já estava sendo engolida pela boca da noite e precisávamos de luz. Os funcionários da Mil, assustados, correram todos para a mata pensando ser o navio uma grande cobra. Ao ver tamanha embarcação, o Professor Marialdo, que estava conversando com a Professora Marilac, ligou imediatamente para Manoel lhe dizendo, com certo receio, que agora teriam um concorrente à altura. E, assim, passamos em frente de Bagre, navegando sob os olhares extasiados dos seus moradores. A professora Terezinha bem que tentou, mas o povo aglomerado não deixou que ela visse o navio. A Professora Natália conseguiu acompanhá-lo na garupa da moto do Sílem, pena que a Natasha não estava junto para vê-lo. O Professor Ezequias estava lá no Posto Rezende e, ao lado da sua esposa, até me deu um tchauzinho. O Professor Lidiomar até que correu para levar o Kaic para ver a grande nau, mas a mesma já tinha passado. E a viagem prosseguiu. Passamos pela Vila Nova, pelas Ilhas do Ioiás, voltamos ao Rio Pará, entramos no Parauaú... Breves! Lá estava o Flozinaldo e o Antônio tomando umas no hidroviário. Prosseguimos a viagem pelo Rio Parauaú, passamos pelo Aturiá, pelo Tajapuru, pelo Companhia, cortamos as águas do Jacaré Grande, navegamos pelo Rio Limão e, finalmente, atravessamos a Baia do Vieira... Ufa! Que travessia paid’égua! Do outro lado, entramos no Rio Salvadorzinho, depois navegamos pelo Furo Grande, entramos no Furo da Cidade e, tínhamos a nossa frente a Baia de Macapá. Aí foi só atravessá-la e lá estava a Fazendinha. Chegamos finalmente a Macapá. Desembarcamos e, em um carro conversível, dirigimo-nos ao escritório da empresa que fica ali.
A caminho de lá, pela estrada da Fazendinha, íamos a duzentos quilômetros por hora quando, de repente, avistamos ao longe uma aglomeração de pessoas, era uma manifestação por conta de um acidente que havia acontecido ali. O engarrafamento, a princípio pequeno, só ia aumentando e, sob o sol escaldante de Macapá, não saíamos do lugar. Ficamos ali durante horas. Foi então que resolvi voltar ao navio. Saí do carro, tirei a camisa e comecei a correr. Apesar do cansaço, a sensação de liberdade era muito melhor e, embalado por ela, eu corria cada vez mais. Cheguei ao navio extremamente cansado, peguei o elevador e subi. Fui até a suíte do comandante, onde havia uma piscina exclusiva, e ali fiquei por algumas horas refazendo minhas energias. Uma sirene interrompeu o meu descanso. Era o sinal que indicava que eu havia de me preparar para a volta.
Fazendinha. Baia de Macapá. Furo da Cidade. Furo Grande. Salvadorzinho. Baia do Vieira. Te esconjuro! Limão. Jacaré Grande. Companhia. Tajapuru. Aturiá. Parauaú. Rio Pará. Ioiás. Redução de Velocidade. Araras. Ainda vi a Professora Ribera embarcando para ir para Belém quando acordei do devaneio da minha introspecção. Estava novamente na praia e resolvi dar uma volta. Avistei ao longe algumas pedras muito grandes, era a Caverna do Sem-Fim. Fui até lá, entrei, deparei-me com a grande escuridão do meu vazio sepulcral. Voltei. Estou aqui!