PALMOS DESTE CHÃO

Sabíamos das dificuldades que enfrentaríamos na transamazônica, Rodovia BR-230, aberta na década de 70. Trafegar por uma estrada naquelas condições, era sempre um desafio, a meses não caía uma gota de água, os carros pareciam sumirem engolidos por turbilhões de poeira, Saímos de Marabá ainda escuro, era imprescindível andar bem nas primeiras horas do dia para fugir do forte calor, que nos castigaria durante a maior parte do trajeto, a situação das estradas da região nesta época, de longe seriam propícias para uma viagem tranqüila, mas em contraste a estação das chuvas, nos davam a garantia de chegarmos ao destino bem próximo ao tempo previsto, sem que ficássemos presos em gigantescos atoleiros, em meio a filas intermináveis de caminhões, a bordo de nosso Chevette ano 79.

Atravessamos de balsa, o Rio Araguaia no clarear do dia, tempo suficiente para uma boa esticada nas pernas, e para um café, acompanhado de tapiocas quentinhas. Saindo de Araguatins, sentíamos agora o sol bem mais brilhante, que dava um tom especial a densa floresta, eram raras as pastagens, vez ou outra avistávamos um e outro vilarejo perdidos naquela imensidão verde.

Seguimos com cautela, a poeira era intensa, muitas “costelas”, exigia um pulso sempre firme e muita perícia para desviar dos buracos e das pontas de pedras, verdadeiras armadilhas escondidas sob o pó, havia sempre o risco do carro derrapar nas leiras de piçarra acumuladas ao longo das margens, formadas pelos pneus dos muitos veículos que trafegavam diariamente, em sua maioria caminhões.

Em meio a tantos buracos, era inevitável o arrastar nas pedras, dava para sentir as batidas sob os pés, os trancos eram constantes, exigindo o máximo da suspensão, não resistindo aos impactos o escapamento se soltou causando um intenso barulho, paramos na primeira borracharia, avaliado os danos, precisávamos de um par de borrachas, improvisamos calços com pedaços de pneu, entre o escapamento e a carcaça do carro, solução prática, até que pudéssemos repor as peças originais, e resolver definitivamente o problema.

Seguimos mais tranqüilos, horas depois, atravessávamos o majestoso Rio Tocantins, divisa do então estado de Goiás com o Maranhão, ao meio dia estávamos em Imperatriz, a segunda principal cidade do estado, onde moravam alguns familiares, após o almoço e um breve descanso, fomos ao comércio, compramos uma pequena parte do que precisávamos para seguirmos viagem.

Em comparação com a estrada já percorrida, o “chão preto” da Belém-Brasília, parecia um “tapete” logo chegamos em Açailândia, onde fizemos mais compras, mercadorias que encheram o porta malas do “cheve” e também o espaço no banco traseiro.

Após abastecermos, refrescamos o calor com um saboroso suco de cajá, pegamos novamente a BR, pela qual seguiríamos, passando por Itinga, até o Km. Zero no Pará, hoje Don Eliseu, onde pegaríamos a Rodovia PA 70, que nos levaria de volta a nossa cidade de origem. Apesar da carga, o valente carrinho, impulsionado pela tração traseira, andava bem, aproveitávamos ao máximo as ladeiras para ganharmos velocidade, aumentando o rendimento nas longas subidas aliviando um pouco a máquina de quatro cilindros, usando como pretexto o adágio popular, de que: “sabendo usar, não vai faltar”.

O sol já apresentava os primeiros raios baixando na linha do horizonte, anunciando o o final do dia, estávamos entrando numa grande reta, quando vindo em sentido contrário, um caminhão que piscava insistentemente os faróis nos avisando que algo estava errado, um perigo iminente, no instante em que já estávamos sentindo mais forte um cheiro de queimado, meu parceiro até brincara, dizendo que poderia ser o disco de embreagem devido o esforço nas subidas íngremes. Como que por impulso, nos olhamos gritando:

- É fogo... É fogo!

- Para! Para depressa! Os calços! São os calços do escapamento!

Gritava o mano, desesperado ao descobrir sob o carro a origem do fogo.

- Meu Deus!

Gritei ao lembrar que o tanque de combustível, atrás do banco traseiro, um pouco acima do escapamento, era uma bomba, prestes a explodir.

Olhávamos aterrorizados o clarão do fogo, entre tufos de fumaça escura que saía ao lado da roda traseira, apressadamente acionei o extintor de incêndio, a agonia aumentou ao perceber que o mesmo falhou, Já se aproximava correndo o caminhoneiro, com um extintor imenso, que por infelicidade também não funcionou, a desolação foi total.

Na iminência de uma explosão, começamos a esvaziar o porta malas, na tentativa de salvar o que fosse possível, jogando a mercadoria para fora do alcance das chamas, enquanto isso o mano tendo nas mãos um pedaço de madeira, corajosamente deitado ao lado oposto do principal foco, batia repetidamente na base do fogo, conseguindo assim arrancar os pedaços de pneu, transformados agora em bolas de fogo, causadores daquela inusitada situação.

Passado o momento do susto, extinguindo de vez os sinais de combustão, nos despedimos, agradecendo pelo alerta e a prestativa ajuda, ao amigo, que seguiu desejando-nos boa sorte. Já escurecia, quando ainda vasculhávamos a área, procurando a carteira com documentos pessoais que caíra do bolso durante o alvoroço, por sorte a encontramos ao lado do acostamento, onde fora arrancada a estaca de uma cerca.

Já era noite, quando paramos exaustos num posto no Km. Zero, ao iniciarmos o jantar, fomos surpreendidos pelos gritos de um funcionário, nos alertando sobre uma fumaceira saindo do nosso carro, desta vez, na parte interna, devido a grande concentração de calor, a alta temperatura fez os tapetes e forros iniciarem uma combustão, felizmente percebida a tempo. Mais um corre-corre, com alguns baldes, encharcamos com água o piso do carro, até o resfriamento total do mesmo.

Por precaução, contra novas ameaças de um possível sinistro, compramos um facão, uma lanterna e dois garote plásticos de dez litros, para levarmos água suficiente para qualquer eventualidade.

Deixamos o posto lá pelas 23h30min. Decidimos rodar noite a dentro, dessa vez com ele ao volante, pela sua experiência em dirigir a noite, já que pegaríamos novamente outra estrada de chão, a PA 150(BR 222).

A brisa da madrugada aliviara o cansaço, trazendo uma leve sonolência, alguns quilômetros após deixarmos Vila Rondon, o “cheve” apagou, com o motor fora do tempo, coberto de poeira, não havia mais nada a fazer.

Amanhecido o dia, com a solícita colaboração de um viajante, fomos rebocados pela sua caminhonete de volta à Rondon, para o devido conserto.

Algumas horas mais tarde, Após atravessamos de balsa o Rio Tocantins em São Felix, onde hoje existe a imensa ponte, onde além dos veículos, passa o trem de Carajás, chegamos em Marabá a tardinha, sem maiores sustos, além de um pneu cortado, o estouro dos amortecedores traseiros e a suspensão comprometida, pelo grande esforço, comuns a adversidade das estradas da Amazônia, enfim estávamos em casa.

Ainda hoje, ao ver um caminhão antigo, de cara grande, de “inconfundível alaranjado” é inevitável não lembrar daquela aventura, jamais esquecerei do amigo caminhoneiro, verdadeiro irmão da estrada, que estava ali no momento certo, nos avisando do perigo, salvando nossas vidas, naquela tarde de outubro de 1981.

Magos