Maria Goretti
O ano há de ter sido o de 1957. Ou 58? O certo é que fomos pra rua, adultos, moços, crianças para experimentar a sensação da novidade: cinema!
Sem um salão adequado no povoado do Brumado, a exibição fez-se a partir da balaustrada do alpendre do Licurgo, direcionada ao paredão oposto, do prédio chamado convento, que ate poucos anos antes abrigara moças solteiras que trabalhavam na fábrica de tecidos. Um lençol branco serviu de tela.
De cadeiras, banquinhos e tamburetes à mão, e um batido acelerado no coração, descemos trepidantes da casa de vovó, que, rua acima, era quase vizinha do local do espetáculo. A rua empoeirada e o pedregulho não nos intimidavam. E a maquininha rodou, prendendo a atenção de todos. Em preto e branco, mais preto do que branco, rodou-se o drama de Maria Goretti, um filme italiano de 1949, intitulado Il cielo sulla palude - literalmente, O céu sobre o pântano.
O impacto sobre a platéia foi indescritível, na generalizada indignação, e inobstante, o que intrigava era o conflito entre a sedução da menina e a brutalidade do ato que a assassina. Houve gente que tentou corrigir a malfeição atirando pedras na improvisada tela mal terminado o espetáculo.
Voltamos pra casa com o peso do sono e das cadeiras aliviado apenas pela certeza de que Goretti, elevada aos altares, lá do céu gozava abundantemente. Da castidade, que a castigara tão duramente.