Amor tecido...

Papai e mamãe tiveram a ventura de celebrar juntos os setenta anos de bodas, rodeados da família. Tecelões ambos, fiaram uma cumplicidade amorosa ao longo dessas décadas. Um dos mais remotos registros que temos desse enredo, por meio de um retrato em preto-e-branco, feito no Parque Municipal de BH, datado do lua-de-mel, de maio de 1945, que transcendendo a felicidade estampada na fotografia, vai ao verso onde se lê, da bela grafia de papai, indelével, vazado na tinta: LuiZézé, unidos para sempre.

E, a partir dali, foram urdindo o labor do amor, alternando-se nos turnos de trabalho na fábrica, no um cuidar do almoço, outro do jantar, na costura em volta da máquina Singer, de pedal, nos cuidados da prole que se ia agregando a cada biênio e nas muitas e crescentes tarefas domésticas que seria enfadonho listar aqui.

O quintal foi só um capítulo desse consórcio, mas foi dos mais coloridos. Buscavam plantar de tudo que fosse árvore frutífera: mangueiras, laranjeiras, abacateiros, goiabeira, amoreira, parreira, cidreira, limoeiro, estendendo-se até àquelas que nem eram muito afeitas ao clima e solo brumadense, como pessegueiro, macieira, marmeleiro...Afora o jardim, a criação de galinhas...

E ainda havia a horta que já teve até a proteção dum lençol - de casal estendido, feito um dossel para quebrantar a voragem solar sobre as mudinhas alfaceiras...

Mesmo com tudo, faltava um coqueiro, contudo. E a busca incessante morria na falta de oferta. Até que, até que, a cobiça, movediça, levou-nos a um pasto da Companhia de Tecidos, numa cabeça de serra, onde uma promissora mudinha era a tentação pra tanta ação que advinha. Afinal, havia abundância de coqueiros à volta, já graúdos e sua produção perdia-se sem consumo - em resumo.

E numa tarde domingueira, missa, almoço, tudo cumprido, saímos a passear pasto afora, sem o quilo, pensando naquilo. Papai de saco e enxadão às costas, divisada a arvinha, pôs-se a cavar à sua volta. Já ia fundo no fosso, suarento, quando, de repente, lá embaixo, na poeirenta estradinha que ligava o Brumado ao Pitangui, despontou a caminhonete verde da Companhia...

Diante da iminência de sermos avistados em altitude e atitudes suspeitas, a ordem unida e seguida foi deitar na relva circundante... E a caminhonete seguiu em frente, sem ao menos uma buzinada. Mas a aventura estava acabada. Pra casa não levamos nada, a não ser o custo do susto. Por sinal, robusto.

Semanas depois, numa volta ao Belorzonte de sua lua-de-mel, papai trouxe um presentinho pra sua Zezé, um coqueirinho, presque parfait...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 26/07/2016
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