919-VINGANÇA- A Ampulheta- 8a. e ultima parte

A VINGANÇA

A AMPULHETA — CAPITULO 8

Despertou com o telefone de cabeceira tocando. Olhou o relógio: seis e quarenta e cinco. Tomou o receptor e atendeu:

—Alô?

Uma voz animada perguntou:

— Doutor Guilherme, aqui é Jonas.

— Ah. Sim, o que houve?

— Tudo certo, doutor!

— Quando foi?

— Nesta madrugada, por volta das cinco da manhã.

— Ele desconfiou? Resistiu?

— Que nada, doutor! Ele não suspeitou de nada e caiu como um patinho...

— Tudo seguro? Tem certeza? — A voz do psicanalista demonstrava ansiedade.

— Tudo cem por cento seguro, doutor. Ninguém viu nada. E vai aparecer um acidente inexplicável. Aliás, para seu conforto, a soja daquele depósito irá direto para o porto. Acho que nunca encontrarão o corpo.

— Está bem. Minha parte da sua recompensa seguirá em breve, vou arrumar um portador de confiança.

— Ok, doutor.

Desligaram.

<><>

Jonas voltou ao elevador. Os gritos podiam ainda ser ouvidos, fracamente, através das reforçadas paredes.

— Socorro! Alguém me ouve! Socorro. Estou sendo sufocado!

Mais alguns minutos e os gritos cessaram.

Pensou: Acabou. Já deve ter morrido. Muito merecido. Cumprimos nossa missão. Vinguei meu irmão, que morreu no maldito campo. Todos os que participaram dessa vingança tiveram perdas lá, ou, como o doutor Guilherme, estavam presentes quando esse traidor cometeu suas denúncias. Mario Ramos teve o que merecia, do jeito que fez os outros sofrerem.

Levantando-se, o doutor Guilherme veste o roupão e dirige-se ao banheiro.

Pensando: Fiz uma coisa terrível, concordar com essa história. Mas todos nós estávamos lá. No campo de prisioneiros. E vimos como Mário Ramos traiu os companheiros. Foi responsável por muitas mortes de nossos soldados e oficiais.

Rosto lavado, cabelo penteado, antes de dirigir-se à copa para tomar o café, servido pela fiel Rosália, foi para o consultório. Sentou-se à mesa, pegou um bloco e a caneta e escreveu uma carta de poucas linhas:

Para a Associação Médica: Venho, por meio desta, renunciar à licença para clinicar.

Pensou em escrever mais: “Violei meu juramento de médico, mas não havia outro jeito.” Porém, hesitou e não acrescentou mais nada à simples linha com a renúncia.

Dobrou a folha, colocou num envelope. Colou a aba do envelope e em seguida subscritou-o.

Na copa, antes de servir-se, disse à empregada:

— Rosália, entregue isto para minha secretária, quando ela passar aqui hoje á tarde.

A mulher pegou o envelope e o coloco encostado numa jarra com flores.

— Ainda que mal lhe pergunte... o senhor... vai viajar?

— Sim, devo partir agora de manhã. Minha mala já está arrumada. Não se preocupe.

Tomou o café tranquilamente, nos próximos vinte minutos. Em seguida, levantou-se e dirigiu-se de volta ao quarto.

Rosália estava tirando a mesa do café quando ouviu um forte estalo vindo do quarto do patrão.

— Que será? Acho que o patrão caiu.

Correu para o quarto, bateu à porta. Silêncio. Tentou o trinco, estava destrancada. Entrou.

— Dá licença...

Foi quando viu, deitado sobre a cama, o corpo do doutor Guilherme Dourado. De um minúsculo buraco na fronte saia um fio de sangue, que já manchava o travesseiro.

<><>

E ao amanhecer, o tempo tendo clareado, Jonas se afasta lentamente do elevador de grãos, cuja silhueta se projeta contra a primeira luz do sol, na estranha forma de uma AMPULHETA.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 28 de outubro de 2015.

Conto # 919 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/04/2016
Código do texto: T5609151
Classificação de conteúdo: seguro