916-A LIBERDADE-A Ampulheta - 5a. parte
Capítulo 5 de A Ampulheta.
Pedrão Trovão, um dos combatentes brasileiros feito prisioneiro, colocou o nome de Funil da Morte à estranha construção.
Durante algum tempo as torturas e mortes na ampulheta do terror aconteceram com prisioneiros americanos, que lutavam com os brasileiros. Alguns morreram na câmara. Podía-se ouvir os gritos até os últimos berros, que eram silenciados pela areia sufocante.
— Parece até que os malditos alemães põe microfones e alto falantes para que todo mundo escute os gritos — disse Pedrão Trovão.
Após algumas semanas, foram internados no campo dois prisioneiros brasileiros: o soldado Carmo e o major Marques. O Carmo era calado e até casmurro, não gostava de conversa. Já o major era bom falante, contava causos e fazia a turma até se esquecer que estavam naquela situação de sofrimento.
Relatou aos companheiros de infortúnio que os brasileiros estavam obtendo vitórias sobre os alemães. Monte Castelo já havia sido dominado pelos aliados – americanos, ingleses e brasileiros, que agora lutavam em frentes diferentes.
Foi levado duas vezes para interrogatório e quando voltou, mostrava sinais das torturas infligidas: hematomas no rosto e no corpo todo, pulso feridos, rosto inchado e outros sinais que não mostrava, por serem por demais abjetos.
— De mim esses filhos da puta não me tiram nada! — dizia.
Na terceira vez, porém, o interrogatório demorou o dia todo. Lá pelas cinco horas, os prisioneiros puderam ver quando o major foi arrastado para a ampulheta.
— Vão matar ele naquele maldito funil da morte! — profetizou Pedrão.
Ninguém ouviu qualquer berro ou grito de pedido para abrirem a ampulheta. Pelos alto falantes podia-se perceber, sim, o esforço do major em tentar safar-se da a areia e, no final, os ruídos de sua morte. Sem um grito, sem um “AI!” .
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Não muito depois das mortes dos na ampulheta, houve grande movimentação numa noite suja, escura, a neve cobrindo todo o campo e as construções. Carros com o comandante do campo e seus auxiliares saíram rapidamente, seguidos por caminhões levando todos os soldados que tomavam conta do campo. As guaritas ficaram desertas e as luzes foram apagadas. Nada falaram ao prisioneiros e e quando o movimento serenou, começaram a sair dos dormitórios. Não havia mais soldados nem oficiais nazistas. Nenhum sinal de viva alma nos prédio administrativo.
Eles tinham fugido e abandonado os prisioneiros.
— Atenção! — disse um oficial — Vamos ver se não se trata de emboscadas. Cuidado, podem ter deixado minas ou armas de efeito retardado. Vamos examinar tudo com cuidado.
Não deixaram sequer alimentos ou rações. Mario, que era um dos cozinheiros, preocupou-se com o “rango”, mas nem por isso deixou de examinar todos os cantos do seu lugar de trabalho.
Nada encontraram e planejavam sair do campo, rumo ao sul, quando viram ao longe a movimentação de tropas que vinham na direção do campo.
— Estamos livres e salvos!
— Lá vem nossos camaradas!
A alegria do encontro e a comemoração da liberdade deixou todos emocionados; foram momentos inesquecíveis.
Refeitos com uma parca refeição e antes de partirem para retaguarda, os ex-prisioneiros fizeram um pedido ao Capitão Livramento:
— Queremos que destrua aquele funil, aquela ampulheta. É um macabro instrumento de tortura.
Não houve dois tempos. Com um pequeno canhão de arrasto, projéteis certeiros derrubaram para sempre a bizarra construção.
Eram 122 ex-prisioneiros: brasileiros, americanos, e até alguns italianos que lutavam contra os alemães, na resistência. Entre eles, entretanto, não havia mais distinções. O sofrimento os irmanara.
Os soldados brasileiros foram conduzidos para o acampamento das tropas e descansaram uma semana. No final, aqueles que queriam continuar na luta ( enão foram poucos) voltaram aos seus batalhões; os que desejaram voltar ao Brasil (e Mario entre eles) embarcaram em um navio que chegara recentemente, com mais tropas e suprimentos para os combatentes. Foram mos conduzidos para a retaguarda, elogiados pela nossa bravura e em seguida, recambiados para o Brasil.
No navio Mario começou a ter pesadelos nos quais ele estava dentro da ampulheta... sufocando-se... sufocando-se.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 20 de outubro de 2015.
Conto # 916 da Série 1.OOO HISTÓRIAS