915-O MASSACRE-A Ampulheta-4a. Parte

Ampulheta 4ª. Parte

A noite desceu sobre o campo de prisioneiros. Tudo parecia normal, pois o comandante astutamente fingiu nada saber do plano de fuga dos prisioneiros. Mario, depois de haver passado as informações, pensava que a fuga seria abortada ainda dentro do campo de concentração.

Os vigias fingiram ignorar a fuga e, deixaram que os prisioneiros saíssem pelo local que haviam escolhido: um trecho da cerca mal iluminado e distante das torres de vigilância.

Mario observava tudo, escondido de todos, por uma fresta na parede de tábuas do dormitório.

Haviam passado cerca de vinte prisioneiros quando as luzes das torres foram direcionadas para o local e começou o ra-tá-tá sinistro das metralhadoras. Os corpos caiam, ceifados pelas balas.

Os que ainda estavam dentro do campo, deitados no chão, esperando para passar, correram para trás, procurando as sombras dos barracões. Mais soldados italianos apareceram dentro do campo e os caçaram. Não sobreviveu nenhum que estivesse fora dos dormitórios, naquela madrugada.

Mario assustou-se com a direção que as coisas tomaram. E, pior, foi arrastado para fora do dormitório e obrigado, sob a neve e o frio da madrugada, a puxar os corpos dos companheiros para um local fora do campo.

Quando todos os corpos estavam amontoados, numa pilha macabra, gasolina foi jogada e o fogo ateado.

O cheiro dos corpos queimando mais a visão macabra dos homens caindo sob a metralha marcou a mente de Mario, que ficou desvairado e à beira da loucura. Jamais se esqueceria daquelas cenas, daquele massacre, de que, de certa forma fora o responsável.

Não dormiu mais sossegado. Aos longos período de insônia, seguiam-se breve sonos em que os pesadelos o atormentavam como demônios.

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Duas semanas após a chacina o comando do campo foi mudado. O Capitão Giuseppe e seus comandados italianos foram substituído por uma unidade de soldados alemães, e o novo comandante usava na farda insígnia nazista.

As coisas vão piorar por aqui, pensei,

Os prisioneiros foram obrigados a trabalhar numa construção de madeira, distante do campo uns duzentos metros, aproximadamente. Como Mario trabalhava na cozinha, não foi convocado para convocado para aquele trabalho.

Os prisioneiros eram forçados a trabalhar vigiados pelos soldados alemães, que exigiam pressa na execução do serviço. Como estavam todos debilitados, o que trabalhavam na construção voltavam totalmente exaustos e alguns com sinais das coronhadas que lhes eram dadas pelos alemães.

Não passou nem mais uma semana e Mario foi chamado à presença do novo comandante, Kaptain Rudolph. Com um soldado ao lado que funcionava como intérprete, foi dizendo que sabia da colaboração como informante.

Mario ficou calado. Decidira-se que não mais iria delatar meus companheiros .

— Quero que continue fazendo o serviço — falou o nazista, traduzido pelo loiro soldado ao seu lado. — Observe seus companheiros e me traga toda informação ou irregularidade que ver ou ouvir.

Mario permaneceu em silêncio. O Kaptain notou que o colaborador não tinha entusisamo. Levantou-se de repente e dirigiu-se à janela, de onde acenou para Mário para que olhasse também. O soldado-intérprete se postou ao lado.

O brasileiro espantou-se com o que viu: uma construção bizarra, feita de madeira e com uma semelhança de uma ampulheta. Uma gigantesca ampulheta, como se fosse medir o tempo por muitos dias, semanas, anos, séculos...

Apontando para a estrutura, disse em alemão, que o soldado traduziu:

— Veja bem, soldado Ramos, é a última palavra pra obter os segredos militares e informações que desejamos.

O informante continuou calado, enquanto o nazista falava:

—É uma ampulheta de verdade, só que muito maior do que aquelas miniaturas conhecidas. A parte de cima está cheia de areia, que passa pelo estreito gargalo no centro. Leva exatamente uma hora para encher completamente a parte de baixo.

O comandante nazista sorria de satisfação E explicou:

—Na parte inferior colocamos o prisioneiro de quem desejamos revelações que ele saiba. Fica completamente solto, para que possa tentar se safar da areia que ai subindo. Subindo pelas pernas, pelo corpo. Vê aquela abertura com vidro, quase no gargalo? É a última oportunidade de o prisioneiro acenar e pedir misericórdia. Se ele não mostrar a cara, a areia o afogará. Morrerá afogado pela areia.

Deu uma risada.

Isto não é um oficial, é carrasco – Mário pensou. Apavorado, ousou perguntar:

—O senhor vai usar para sufocar os prisioneiros?

—Só com os mais duros, claro. É para aqueles que não quiserem revelar o que sabem.

E exibindo grandes dentes entre risadas, falou:

— Você poderá ser o primeiro a experimentar a ampulheta, caso não me traga informações sobre o que acontece no campo.

Dando a conversa por terminada, falou em alemão com o soldado,que segurou pelo braço o delator e o empurrou, fazendo com que ele tropeçasse ao sair da sala.

Ao se aprumar e dirigir-se da cozinha Mário pensou como que chegando a uma conclusão:

Diacho!1 Em que enrrascada fui me meter!

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 16 de setembro de 2015.

CONTO # 915 DA SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/02/2016
Reeditado em 29/02/2016
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