913-PRISIONEIRO- 2o. Capítulo de "A Ampulheta"

2º. Capítulo da novela “A Ampulheta“

Não gostava de esportes nem de qualquer atividade que poderia colocá-lo ameaçado ou em perigo. Na escola, quando correu de uma briga com um colega, outro o chamou de covarde e foi queixar-me com o professor.

— Não liga não, Mário, disse o professor, em tom de zombaria. — É melhor correr do que apanhar.

Mario era pequeno, miúdo, o menor da classe, e sabia que em qualquer briga, levaria uma sova. Por isso, agarrou-se no “conselho” do professor.

E assim foi crescendo. Evitando problemas.

Foi sorteado para o Exército no tempo da segunda guerra e ficou apavorado. Era uma convocação com o fim de mandar soldados brasileiros para a frente de batalha. Tentou por todos os meios servir no trabalho burocrático do quartel.

— Já temos pessoal suficiente, informou-lhe o tenente encarregado da papelada.

Durante o treinamento a que a companhia foi submetida, preparando-se para a frente de guerra, pensou em servir na área de comunicação, que aparentemente estava na retaguarda.

— Tenente, sou bom em comunicação, quero ficar neste setor.

— Negativo, soldado Mário. Vamos seguir diretamente para o front. O setor de comunicações já está completo.

A companhia em que Mario estava incorporado foi a primeira a ser enviada para a guerra. Embarram rapidamente porque havia que havia necessidade de soldados, de “bucha de canhão”, como se falava — sempre em voz baixa, claro, não fosse um cabo ouvir.

Embarcaram num navio norte-americano.

— Como se chamava o navio? — Perguntou o Psicólogo, testando até onde estava Mario aprofundado na hipnose.

— Nem me lembro mais o nome. Sei que depois das enormes letras US tinha o nome de um general gringo. O embarque foi em dois de julho de 44.

Só ficaram sabendo destino quase no fim da viagem. Quando o navio estava perto da Ilha Fernando de Noronha, houve murmúrios de iriam para a África. Nenhuma outra informação foi dada. Tudo era segredo e secreto. Quando atravessaram o Estreito de Gibraltar é que ficaram sabendo que a tropa da Força Expedicionária Brasileira desembarcaria na Itália.

Desembarcaram em Nápoles duas semanas depois e foram direcionados para o norte. Receberam treinamento dos americanos, e em 15 de agosto começaram a primeira ação de guerra.

Mario evitava se expor, mesmo a custo de se esconder e nem tentar atirar com o fuzil.

Numa batalha famosa, a tomada de Monte Castelo, os pracinhas ficaram vários meses tentando alcançar o topo do monte, onde os alemães estavam bem entrincheirados.

Mario estava numa patrulha quando caíram numa emboscada e não tiverem nem tempo de resistir; foram feitos prisioneiros.

O campo de prisioneiros par onde Mario e seus camaradas forma enviados era bem distante de Monte Castelo. Quando lá chegaram após horas de viagem num caminhão fechado, passando frio e fome, era entardecer e logo foram despejados no meio de mais de duzentos prisioneiros. Para surpresa dos recém chegados, muitos eram brasileiros. Os combatentes nunca eram informados das prisões de companheiros. Entre os muitos prisioneiros brasileiros, alguns eram oficiais da FEB, que se igualavam aos soldados no convívio diário e na camaradagem.

Entrosando rapidamente entre os companheiros de infortúnio, Mario logo foi sendo informado do funcionamento do campo de prisioneiros.

—O campo é administrado por soldados do exército italiano, que não são tão duros quando os alemães. — disse-lhe um prisioneiro com insígnia de major. — Mas se você pensa que não será maltratado, vai tirando o cavalo da chuva. A comida é pouca e estamos sempre com fome.

— O frio aqui é de rachar. Nossos uniformes não são apropriados para esse tempo desgraçado. Informou outro pracinha.

— E sem falar nas torturas. Eles querem saber o que nem nós sabemos: quantidade de soldados, tipo de armamentos, estoque de munição. Tem companheiro que não agüenta e inventa coisas. Aí é pior, pois eles logo verificam que o soldados estava mentindo e aí apanha mais.

Mario tremeu. Os cabelos da nuca se arrepiaram, de tanto medo.

Tenho de me sair desta... Achar um jeito de não ser torturado... — pensou.

Na manhã do terceiro dia Mario foi levado até um local que funcionava como sala de interrogatório e, evidentemente, de tortura. Um oficial estava sentado defronte uma mesa, dois soldados rondavam, examinado correias e aparelhos diversos.

Um soldado postava-se de pé ao lado do oficial sentado. Era o intérprete da conversa que iria se desenvolver.

O oficial manuseava uma folha e sem levantar os olhos do papel, disse:

— Io sono il capitano Giusepe Leone Nero.

O soldado em pé tratuziu a fala para Mario:

— “Eu sou o capitão Giusepe Leone Nero” . E daí prá frente, em português compreensível foi traduzindo as falas do Capitão.

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Sentado defronte o psicólogo, imerso em sono profundo, Mario dava sinais de cansaço. Inquieto, começou a arrastar as apalavras.

O Dr. Achou menor interromper a sessão e trazer o cliente de volta à realidade.

— Por hoje, ficamos por aqui. — falo assim que Mário ficou consciente. — O senhor continue tomando os dois medicamentos, um de manhã, outro à noite. Semana que vem continuamos.

Sem saber o que havia acontecido, que havia iniciado uma nova terapia, Mario despediu-se e saiu normalmente do consultório.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 15 de setembro de 2015.

Conto # 913 da série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/01/2016
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