912-PESADELOS- A Ampulheta - 1o. capítulo

Capítulo 1 de A AMPULHETA - Pequena novela

Mário Ramos era um homem perseguido pelo medo. Nas frias madrugadas da serra onde vivia isolado, acordava invariavelmente com seus próprios berros de terror e o corpo banhado em frio suor.

O pesadelo era recorrente. Repetia-se com pequenas variações.

—Não! Por favor, Nããããããõ!!!!chega de areia. Está me sufocando! Meu nariz... a garganta... Nãããão!

O grito era abafado pela areia que entrava pela boca, nariz, ouvidos. Mário saltava da cama ainda sem se dar conta de que era um pesadelo, saía correndo pelo longo corredor e só se detinha à beira da piscina. Aterrorizado, coberto de suor, cabelos empastados sobre a testa e o rosto, segurava na grade baixa que circundava a piscina, que ele mandara colocar, justamente a fim de evitar que num daqueles pesadelos caísse na água, com resultados que ele podia imaginar, quando lúcido.

Desperto pela friagem da noite, sentava-se em uma das cadeiras que ficavam ao redor da piscina, e pensava. Ou melhor, tentava colocar seus pensamentos em ordem.

‘Merda! O mesmo pesadelo, sempre o mesmo. Uma noite dessas meu coração não vai agüentar. Ou então, no terror e no desespero, pode acontecer de eu pular esta grade e aí... em vez do sufoco da areia, morro sufocado pela água. “

No pesadelo que se repetia noite trás noite, Aníbal se via preso na parte inferior de uma enorme ampulheta e a areia ia caindo, caindo, numa fina corrente infindável. Ele estava sempre com a cabeça fora da areia e procurava ficar perto do orifício por onde escorregava a areia. Havia um momento, entretanto, que a areia preenchia toda a parte inferior e ele tentava tampar com as mãos o jorrar da areia e finalmente, colocar a cabeça através da passagem, inutilmente. A areia o empurrava. Era a hora do sufoco mortal.

Reassumindo o controle do corpo e da mente, entrou em casa, caminhou até a cozinha e tomou um copo de água gelada.

“Terei de visitar novamente o doutor Guilherme. Isto precisa ter um fim!

Na manhã seguinte, levou avante a decisão tomada sob a pressão do terror da madrugada anterior.

Alheio ao panorama da selva de cimento que se descortinava da ampla janela do consultório do famoso psicólogo doutor Guilherme Dourado, no vigésimo andar de importante edifício, Aníbal ainda se sentia aterrorizado pela lembrança do pesadelo.

—Por favor, ajude-me, doutor. Acho que estou ficando louco. O mesmo pesadelo quase todas as noites. Vou acabar fazendo uma besteira...

O psicólogo, que já vinha tratando de Aníbal, era atencioso e até carinhoso com seus pacientes, mas falava claramente com todos eles.

—Vamos tentar novamente, Seu Mário. O senhor precisa colaborar mais do que tem feito. Pode-se dizer que estes pesadelos, ou melhor, este pesadelo reincidente, tem na origem um sentimento de vingança ou de revanche. Há um grande bloqueio em sua mente. Algo que é tão aterrorizante que o senhor tem medo de encarar e de revelar.

Levantando-se de sua cadeira, o psicólogo encostou-se com a perna direita levantada sobre um canto da escrivaninha, numa atitude de descontração. Era uma tática que usa para colocar o cliente também à vontade.

— Está disposto a contar-me agora todo o seu passado?

— Sim, doutor, mas não sei se conseguirei.

Sem que o paciente percebesse a intenção, o doutor retirou do bolso um medalhão prateado, brilhante, preso a uma corrente também de prata.

Mário mantinha os olhos fixos no rosto do doutor, que começou a balançar o medalhão em movimentos lentos.

— O senhor quer me revelar tudo?

— Sim doutor. — respondeu Mário, agora já com o olhar dirigido para o medalhão, que balançava de cá prá lá e de lá prá, num movimento rítmico e atraente.

— Está bem. Agora, calma, Mário, calma... relaxe... —O médico iniciou o processo de hipnose, diminuindo o tom da voz, tornando-a mais suave, mais suave...

— Hummm – replicou Mário, já meio sonolento. — O que está fazendo?... O pesadelo... não posso dormir... a ampulheta...

Lentamente, o movimento do medalhão, de um lado ao outro, de frente para o paciente, o levou a um sono que foi se aprofundando, um sono hipnótico.

Dentro de alguns instantes, Mário já estava dormindo a sono solto.

—Vamos começar do começo. — Diz a voz sedutora e autoritária ao mesmo tempo. — Onde você está agora?

E Mário começou a narrativa que poderia revelar o terrível segredo de sua vida.

- continua

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 4 de setembro de 2015

A AMPULHETA – 1ª. PARTE –

Conto # 912 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 28/01/2016
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