Em águas insondáveis
Era uma noite escura de outono e eu estava na biblioteca, profeticamente lendo o opressivo último romance de P. G. Ballard ("Drowning in Fathomless Waters"), quando o telefone tocou. Pousei o livro na mesinha do abajur e atendi. Do outro lado, a voz sempre calma de Prescott.
- Espero não ter interrompido o seu sono...
- Aqui ainda não é meia-noite, Arizona - retruquei. - E você? Em qual fuso horário está?
- Estou no Canadá... em São João da Terra Nova, para ser mais exato.
Assobiei.
- O que diabos está fazendo neste fim de mundo?
Prescott saiu pela tangente.
- Nada e muita coisa. É um bom lugar para se pensar, particularmente em coisas que poderiam ter acontecido de modo diferente...
- Como tudo no mundo - ponderei.
- O que você sabe sobre o afundamento do "Titanic"? - Perguntou ele à queima-roupa.
- Bem... não muito. Só o que vi nas revistas e naquele filme que concorreu ao Oscar...
Subitamente, a razão do telefonema tornou-se clara.
- Você o achou!
- Calma - respondeu Prescott, a um oceano de distância. - Ainda não. Mas tenho uma boa pista para começar...
- E o que espera resgatar? Que eu saiba, o "Titanic" não transportava nada de valor que justifique uma abordagem... e estamos falando do quê... uns 3.000 metros de profundidade?
- Talvez mais - respondeu evasivamente. - Escute, Martin, tenho algumas tecnologias novas para testar, inclusive um minissubmarino de controle remoto.
- Quem está bancando? - Inquiri.
- Não posso falar sobre isso ao telefone - retrucou. - Mas estou montando a minha equipe. Falei sobre você com meus... patrocinadores... e eles estão ansiosos para conhecê-lo e ao seu Sonar de Alta Resolução. Creio que é o que falta para fechar o plano de busca.
- Bem... o SAR ainda não foi testado em condições reais - ponderei. - Não posso garantir que irá funcionar num mar revolto com a mesma eficiência verificada em laboratório. E tem um outro problema quanto ao SAR...
- Qual seria?
- Para poder construir o protótipo, precisei contrair um empréstimo com o Instituto Oceanográfico Pedersen. Tecnicamente, eles são donos de 50% do equipamento, e não posso retirá-lo dali sem a anuência deles.
- Acho que podemos resolver isso - disse Prescott. - Meus patrocinadores podem querer adquirir os 50% do instituto... ou talvez os convidem a participar do empreendimento.
Fez uma pequena pausa, antes de acrescentar:
- Pensando bem, talvez seja mesmo a melhor estratégia. A participação do Instituto Oceanográfico nos dará uma boa cobertura, caso alguém resolva questionar por que estamos procurando os destroços de um transporte militar da II Guerra Mundial...
[03-12-2015]