Deus não joga dados com o Universo

Em seu gabinete escurecido no Ministério do Armamento, iluminado apenas por uma luminária de pé, Timo Lichtenberger folheava vagarosamente um relatório datilografado encadernado em cartolina creme, cada página ostentando um carimbo em vermelho, com a águia, a suástica, e a palavra "CONFIDENCIAL". Finalmente, deteve-se nos anexos, uma série de colunas de números que lembravam uma tabela de logaritmos. Arqueando as sobrancelhas, ergueu os olhos do documento e encarou o visitante, sentado do lado oposto da escrivaninha.

- Disse que os dados foram processados na máquina Z3?

- Sim, Herr Lichtenberger. Usamos nossa equipe de estatísticos e depois reconferimos numa Z3. Os cálculos batem.

- Isto é... surpreendente - admitiu Lichtenberger, depositando o relatório sobre a mesa e inclinando-se para trás em sua cadeira. Por um breve instante, fitou o teto. Depois, voltou-se novamente para o homenzinho de terno escuro e óculos de aros dourados, que aguardava pacientemente, uma expressão neutra no rosto corado.

- Você acredita em Deus, Staudenmaier?

- Acredito no nacional-socialismo, Herr Lichtenberger - recitou o interlocutor em tom monocórdio.

- Então, devo supor que não é descendente do Staudenmaier de Tübingen... - ponderou Lichtenberger, um sorriso irônico aflorando-lhe ao rosto.

O homenzinho franziu a testa.

- Perdão, Herr Lichtenberger?

- Estou divagando, Staudenmaier. Tampouco sou religioso...

E erguendo o relatório:

- ...mas esses números me fazem pensar se Deus não estaria se divertindo às nossas custas.

Staudenmaier encolheu os ombros.

- Pode ser apenas uma coincidência, Herr Lichtenberger.

Lichtenberger inclinou-se sobre a escrivaninha.

- Uma vez... coincidência. Mas duas? Improvável! Quantas candidatas avaliamos até agora?

Staudenmaier ajeitou os óculos no nariz e abriu uma pasta de couro que trazia no colo. Puxou uma agenda preta e, após folhear algumas páginas, declarou:

- Até segunda-feira, que são os números mais recentes de que disponho, 12.792 avaliações.

- Doze, quase treze mil... - ponderou Lichtenberger. - E destas, quantas minimamente aceitáveis?

- Para funções puramente operacionais... 397.

- Menos de 3% - Lichtenberger calculou rapidamente de cabeça. E batendo com a palma da mão direita espalmada sobre o relatório:

- E agora... isto!

- Lamento ser portador de más notícias, Herr Lichtenberger - disse Staudenmaier diplomaticamente.

Lichtenberger balançou negativamente a cabeça.

- Não são más notícias, Staudenmaier. Apenas teremos um pouco mais de dificuldades do que havíamos previsto inicialmente...

Encarou fixamente o interlocutor e declarou:

- Não vou me dar por vencido. Devemos mandar essa mulher... essa Ermintrude Friedmann... para a "Reichsschule für SS Helferinnen".

E em tom enfático:

- Se ela não é uma boa nazista, vamos torná-la uma!

[27-10-2015]