Uma estória de Matinta
Era mês de agosto, plena sexta-feira, por volta de meia-noite. Ana caminhava de volta para a colônia, levando consigo o que sobrara daquele dia de feira. Como a bicicleta cargueira havia sido roubada, seu trajeto de ida e volta ao trabalho era cansativo e perigoso.
Apenas o brilho da lua e das estrelas iluminava a estrada de terra. A densa vegetação ao redor era de apavorar, pois lembrava um cenário de filme de terror. Ofegante e apressada, Ana carregava, com dificuldade, os sacos com frutas, legumes, hortaliças etc.
Ao chegar perto de sua casa, Ana escutou gritos estridentes.
- Quem quer? Quem quer?
Ana sentiu o corpo arrepiar e estremecer. Ela conhecia bem as estórias do local e reconheceu que a Matinta Perera estava prestes a morrer e que desejava amaldiçoar alguém. Ana largou as sacolas no chão e correu o quanto podia. Suava frio e morria de medo de apanhar da Matinta.
Ao chegar em casa, trancou bem a porta e continuou atenta. De repente, escutou o assovio sinistro: “Fiiuuuuuu... Fiiuuuuu”!
A mulher lembrou-se do que sua falecida avó dizia, que bastava prometer tabaco para aquele ser maldito ir embora.
- Dona Matinta, volte amanhã. Se é tabaco que a senhora quer, terá amanhã cedinho.
Nessa hora, o barulho parou. Ana, curiosa, tentava adivinhar quem era a assombração. Então, pegou uma tesoura bem grande e enfiou uma das pontas no chão de terra batida. Quando se faz isso, reza a lenda que a Matinta fica presa e é possível descobrir sua identidade.
Ana pegou um punhado de sal e fez uma cruz embaixo de sua cama. Ela era precavida. Não dava chance ao azar e, todos os dias, levava um galho de arruda preso ao sutiã. Assim, dormiu sossegada.
No outro dia, bem cedo, ela escutou batidas em sua porta. Lembrou-se do tabaco e da promessa que fez. Enrolou o fumo num papel e foi abrir a porta.
- Dona Teca! – Ana falou abismada.
- Bom dia, vizinha! Vim pegar o que me prometeu.
- Aqui está.
- Agora vou voltar para casa, finalmente. Passei a noite por aqui, não sei por quê. Alguém me prendeu.
Ana ficou boquiaberta, mas, ao mesmo tempo, aliviada. Afinal, a Matinta não a atacou. Só que o fato de saber que o perigo morava ao lado, fez com que Ana se mudasse para a casa de seus parentes.
Duas semanas depois, ela ficou sabendo que dona Teca morrera. Ana decidiu voltar para sua casa. Era muito bom voltar para o próprio cantinho. Ao chegar na frente da casa, uma garotinha estava a procurar por algo. Ana, intrigada, resolveu perguntar:
- O que tu procuras, menina?
- Nem eu sei. Foi que eu ouvi, dias atrás, alguém me perguntar se eu queria algo. Sem saber o que era, eu respondi que sim. Já procurei a pessoa e nada de encontrar.
Ana deu meia volta e decidiu ficar bem longe da nova Matinta.
Autoria: Maria Cleide da Silva Cardoso Pereira