Ela veio por minha vontade

Acordou - no sonho - com uma presença luminosa que se curvava sobre ela. O rosto foi entrando em foco. Era uma mulher, ainda jovem, e estava sorrindo.

- Devorah - sussurrou ela.

E depois, separando as sílabas, repetiu docemente:

- De-vo-rah...

Devorah sorriu. O quarto estava escuro, mas aquela figura radiosa era estranhamente reconfortante.

- Você é um anjo? - Perguntou, cobertor puxado até o queixo.

- Não - respondeu o vulto suavemente.

- Quem é você?

- Alguém que te ama e que veio de muito longe por sua causa.

- Mamãe?

- Ainda não o sou, Devorah.

E chegando o rosto bem junto do dela, tanto que pode até sentir seu hálito doce:

- Quer que eu seja sua mamãe?

A menina piscou os olhinhos, embevecida.

- Quero!

- Então eu serei, e virei visitá-la nos seus sonhos. Vou te ensinar um monte de coisas... coisas que eu não pude ensinar à minha outra filha.

- Você tem outra filha? - Devorah sentiu-se um tanto decepcionada.

O rosto da mulher tremeluziu, como se o ar entre elas houvesse sido deformado por uma onda de calor.

- Eu tive... foi tirada de mim.

- E como se chamava?

- Agatha.

- Ela era da minha idade?

- Não, era bem mais nova do que você... quase um bebê.

E com uma ruga de tensão a vincar-lhe a testa:

- O meu bebê...

Devorah ponderou então que nada impediria que ficassem juntas. Não teria que disputar espaço com ninguém.

- Por que então não me leva junto com você?

A mulher inclinou-se, sorriso de volta ao rosto, e seus narizes quase se tocaram.

- Eu virei te buscar... - disse ela.

Beijou-a na testa e sussurrou, de muito longe:

- ...quando tudo estiver terminado.

[21-10-2015]