886-COMO CONHECI O ZORRO - História dos gibis
Os heróis das histórias em quadrinhos habitam definitivamente nas minhas memórias e volta e meia sou tentado a ler/reler uma aventura dos inesquecíveis aventureiros dos gibis.
O de mais remota lembrança é o Zorro. Refiro-me ao Cavaleiro Solitário, o justiceiro cujo único disfarce é uma pequena máscara negra sobre os olhos, traje de caubói autêntico das planícies do oeste americano: elegante chapéu branco de aba larga, lenço no pescoço, camisa e calça de cor cinza azulada, roupa justa para destacar a musculatura. Coldre com tachas prateadas onde dois revólveres estão bem à mão para uso do herói. Botas de cano até o joelho, pretas e sempre lustrosas, não importando o pó do deserto nem a lama das cidades.
Seu amigo fiel é o Tonto, índio pele-vermelha, cuja identidade é marcada por uma faixa de pano ao redor da cabeça, com uma pena na parte de trás. O cavalo é o veloz e inteligente Silver, branco como nuvem (e daí o seu nome, que quer dizer prata).
Ao término de cada aventura, para dar a história como finalizada, Zorro faz com que Silver levante as patas dianteiras, numa demonstração de elegância eqüina, e lança o grito de vitória:
— Eiôôôôôô. Silver!
Esta reminiscência acontece após assistir o filme O Cavaleiro Solitário, de 2013, no qual Johnny Deep, no papel de Tonto, rouba as cenas em que aparece. O herói é interpretado por Armei Reid, que é óbvio, faz também o alter-ego, isto é, o personagem na vida comum, por nome John Reid. O que me parece ser uma criação dos roteiristas do filme, pois nas HQs nunca vi este enfoque do Zorro vivendo pacatamente em uma comunidade do Velho Oeste.
Conheci o Zorro quase por acaso, e longe dos quadrinhos. Uma correspondência foi entregue por engano na casa de meus pais, e como se tratava de um “impresso” eu abri (aos sete anos, não tinha noção do que seria “violação de correspondência”). E – maravilha! — era um exemplar de jornalzinho do Zorro, enviado aos sócios do Clube do Calunga (era esse o nome do Tonto naquela publicação), uma propaganda do sabonete Palmolive.
Era uma publicação de quatro paginas, tamanho tablóide, com apenas três quadrinhos espalhados entre a aventura. Após ler a história com avidez, fiquei sabendo as condições para receber futuras edições do Jornal do Calunga: enviar duas cintas de papel que envolviam cada sabonete Palmolive.
Amolei minha mãe até que ela concordou em comprar os dois sabonetes, afinal, a gente já usava sabonete em nossos banhos (diferente de alguns vizinhos que usavam o sabão de pedra). Mandei as cintas e recebi a inscrição, com carta do Calunga, dando boas vindas e me informando que, a cada mês, eu deveria enviar mais duas cintas para continuar sendo sócio do Clube do Calunga.
Consegui convencer mamãe a adquirir os sabonetes Palmolive, que se tornaram de uso constante em nossa casa. Afinal, era do mesmo preço (dois cruzeiros, moeda em vigor em 1943, ano em que decorre esta “saga”) do Lifebuoi e do Carnaval, os mais populares e baratos então.
Recebia, pois, a cada mês, o jornalzinho com uma nova aventura. Adorava abrir o pacotinho, indo em seguida mostrar para mamãe e papai (que também gostava mas não dizia) e deitava-me na cama para ler a aventura. Isto durou uns dois anos e tive uma pilha dos jornaizinhos, que guardava com cuidado.
Anos mais tarde é que conheci os quadrinhos do Zorro. As aventuras eram publicadas em capítulos semanais (uma página com 12/15 quadrinhos) no O Globo Juvenil.
Em seguida, veio seriado do Zorro, que passava nas matinés do Cine São Sebastião. Eu gostava mais do Flash Gordon, mas nem por isso deixei de ver o Zorro no cinema.
Em 1954, a EBAL- Editora Brasil América Ltda. — lançou um número da Edição Maravilhosa com aventuras do Zorro. Todavia, somente em abril de 1971 a EBAL lançou a revista exclusiva para o personagem.
Só para constar: nessa época, ou seja, década de 1970 a EBAL era a maior editora de gibis do Brasil. Fundada em 18 maio de 1945, atravessou meio século editando quadrinhos – gibis e livros – e terminou com a morte do seu criador, Adolfo Aizen, em 1995.
Cultivo com carinho e muita alegria, com um pouco de nostalgia, essas memórias. Os gibis que tive do Zorro — e de muitos outros heróis de quadrinhos — foram doados à Gibiteca da Biblioteca Municipal de Belo Horizonte, onde, quando em vez, volto a conviver com os heróis do passado, e, especialmente, com o Zorro, suas cavalgadas, seus revólveres e seu cavalo indômito.
EIÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔ, SILVER!
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 30 de janeiro de 2015.
Conto # 886 da Série 1OOO HISTÓRIAS
contato: argobbo@yahoo.com.br