880-A MORTE DO COMENDADOR-Aventura - SMP 7º
O SEGREDO DA MINA DE PRATA
Parte 7 - A Morte do Comendador
Vovô Calí sabia do que estava falando. Poucos meses após aquela visita à gruta da mina de prata, quando fiz a promessa solene de cuidar de vovó Esmeralda e apenas dias após comemorar o centenário, morreu tranquilamente.
A família compareceu ao velório e ao enterro. Fiel ao que havia prometido ao vovô tratei de todos os assuntos relativos ao enterro, missa de sétimo dia, e essas coisas que se seguem ao falecimento de qualquer pessoa.
Quando voltamos do enterro, que aconteceu numa terá-feira ás dez da manhã, os membros da família, isto é, os meus tios e tias se reuniram na sala maior da casa da fazenda. Emerenciana e Sula se desdobravam para servir o almoço, e pela primeira vez na minha vida vi reunidos, numa mesma ocasião, todos meus tios e tias, juntamente com meu pai e minha mãe. Os netos que haviam comparecido ao enterro, deixaram a fazenda: uns, de volta às suas residências e outros foram para a cidade, preferindo aguardar os pais no conforto relativo do pequeno hotel. Dos netos, somente eu participava daquele encontro e me sentia mesmo como um estranho no ninho, tamanha era a falta de convívio com meus parentes.
Como era de se esperar, a conversa logo foi dirigida para a fazenda. Tio Jeremias se adiantou e sem considerar a dor de vovó, que estava presente, falou numa voz forte e decidida de que estava acostumado a mandar em muitos empregados e a lidar com situações que exigiam decisões rápidas:
—Bem, rei morto, rei posto. Precisamos saber quem vai querer ficar na fazenda, a fim de tratar do inventario, da colocação de mamãe num local apropriado (quereria dizer... num asilo?), a venda desta velha fazenda, essas coisas.
Tia Dolores, uma das noras, olhando para vovó, falou friamente:
— Acho que a fazenda deve ser vendida e dona Esmeralda pode mudar-se para cidade, pois sua vida aqui na propriedade, isolada do mundo, será problemática.
— Não demora muito, precisará de cuidados médicos, e dessas coisas que os velhos precisam. Aqui na fazenda é tudo mais difícil. — Tia Gumercinda acrescentou.
Todos deram palpites, mas ninguém se prontificou a realmente ajudar à viúva que ouvia, impávida e compreensiva, ao debate sobre seu destino, sem que dela se pedisse a opinião. Observei que ninguém queria deixar, por alguns dias ou semanas, seus afazeres, para cuidar realmente da mãe e sogra viúva. Que, aliás, não estava pedindo a ninguém que cuidassem dela.
— Vocês não se preocupem comigo. Vou ficar aqui na fazenda, sim, com meus amigos Emerenciana, Sula e Tingo. Não vou lhes causar nenhum aborrecimento.
Entrei na conversa.
— Antes de morrer, vovô me fez prometer que eu cuidaria de vovó enquanto ela fosse viva. E é o que pretendo fazer.
Houve um momento de silêncio. Prossegui:
— É um ponto de honra, pois vovô pediu, sabendo que vovó poderia ficar abandonada. Faço questão.
Parece que ouvi suspiros de alívio da parte de alguns tios e tias.
—Mas há o inventário, essas coisas legais. — Disse tio Jovelino. — A fazenda não vale lá muito dinheiro, o que vai tocar pra cada um vai ser pouco. Mas é da lei.
—Você está dizendo da metade da fazenda, a parte de Calí. — Disse vovó Esmeralda. Apesar da idade e da aparente fragilidade, ela estava bem lúcida.
Como eu estava no firme propósito de continuar residindo na fazenda, propus:
— Posso ser o inventariante... — Sugeri, não colocando muita ênfase no oferecimento.
Papai foi o primeiro a concordar:
— Já que tem o compromisso de ficar com a mamãe, e quer se desincumbir do inventário, eu concordo. Que vocês acham? – perguntou, correndo o olhar por todos ali reunidos.
Tio Genival, o mais cordato e o mais distante (morava em Recife) concordou na hora:
— Sim, nós lhe passamos procurações e todos os poderes de inventariante. Acho que não tem de ser necessariamente um de nós, um dos filhos, não é mesmo? Você resolve tudo no cartório, na prefeitura, onde for necessário.
Os tios e meu pai entre eles, haviam se esquecido ou não sabiam do alto valor representados pelas ações da fábrica de cimento, em poder de vovô. Eu fiquei quieto para não atiçar a cobiça. Claro que na abertura do inventário, tais ações seriam mencionadas no rol dos bens deixados por vovô.
—Mas quero carta-branca para administrar a fazenda e tirar dela o máximo.
—Sim, claro, disse tio Edgar, como que falando em nome de todos. Conquanto que divida os resultados com todos os herdeiros.
Não mencionei uma só vez a existência da caverna onde havia a mina de prata, cujo imenso potencial deixara todos muito ricos. Se o fizesse, é claro que a ganância geral acabaria de vez com o aparente clima de tranqüilidade entre os presentes. Aliás, eu mesmo não sabia se manteria a mina em segredo, como meu avô manteve, ou se a exploraria em benefício de quem jamais valorizara o que haviam recebido de vovô. Pois fora das rendas de vovô, auferida da fazenda e da participação, como acionista, da fábrica de cimento, que tiveram ajuda para se formarem e capital para e se “engatarem” na vida.
ANTONIO ROQUE GOBBO - argobbo@yahoo.com.br
Belo Horizonte, 26 de Deembro de 2014
Conto # 880 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS