O show não pode parar

No coração dos Alpes Bávaros, um simpático chalé alpino cercado por pinheiros erguia-se a poucas centenas de metros de um pavoroso despenhadeiro. A única e estreita estrada que levava até o local, aparentemente construído como o retiro montanhês de algum milionário excêntrico, raramente registrava movimento, e alguém que a seguisse até seu início no sopé da montanha, não poderia deixar de perceber que cavaletes de ferro e rolos de arame farpado bloqueavam a passagem - além da presença de um pelotão de tanques, guarnecidos 24 h por dia. Tampouco a estrada estava desprotegida enquanto serpenteava rumo às alturas: ocultos na floresta que a circundava, tropas de montanha em uniformes camuflados a mantinham sob vigilância constante.

Naquela tarde de primavera, abril de 1943, um solitário VW Kommandeurwagen na tradicional pintura cinza-escura, estava estacionado em frente ao chalé. Carregando uma caixa de madeira, dois soldados, seguidos por um oficial da SS, saíram da casa e embarcaram no veículo, o oficial compartilhando com a caixa o assento traseiro. O VW arrancou, e minutos depois chegou ao entroncamento vigiado pelo pelotão de tanques, onde já era aguardado por dois caminhões Opel Blitz da Wehrmacht, com dez soldados cada. Os cavaletes e rolos de arame farpado foram removidos para que o VW passasse rumo à estrada principal, e repostos em seguida, enquanto este se afastava seguido de perto pelos caminhões. O destino dos veículos era um campo de pouso próximo, onde um transporte Fw 200 aguardava na cabeceira da pista pelo passageiro do VW cinza e sua caixa misteriosa.

Previsivelmente, minutos após levantar voo, o Fw 200 passou a ser escoltado por uma esquadrilha de caças Fw 190, todos com tanques de combustível extras sob as asas. O grupo de aeronaves tomou então o rumo de Munique, onde estava sendo esperado no aeroporto Munich-Riem pelo que poderia ser denominado sem qualquer exagero, como um verdadeiro aparato de guerra.

* * *

Do alto da tribuna de honra da qual pendia uma longa bandeira nazista, Leni Riefenstahl pôs as mãos nos quadris e saboreou por alguns instantes o seu momento de berlinda, encarando a multidão reunida em filas perfeitamente ordenadas no campo à sua frente sob um ameno sol de primavera. Finalmente, deu dois piparotes na barreira de microfones instalada para transmitir o discurso do Ministro da Propaganda e exclamou:

- Atenção, todos!

Milhares de cabeças ergueram-se para ela em expectativa.

- Já ensaiamos essa tomada duas vezes, e agora, vai ser para valer!

Não fez nenhuma referência ao fato de que havia efetivamente filmado os dois ensaios anteriores, até para prevenir problemas de última hora, e ter mais material com o qual trabalhar na montagem.

- Quando a música começar, quero que olhem para o corredor central que conduz ao palanque!

Fez uma ligeira pausa e prosseguiu:

- À medida em que a Mercedes-Benz do Reichsminister passar em direção à tribuna, todos deverão fazer a Hitlergruß acompanhando com a cabeça o movimento do carro, abaixando o braço somente após a passagem do mesmo!

Olhou para trás, onde uma assistente a aguardava, e após um sinal afirmativo da mesma, concluiu ao microfone:

- Liguem as câmeras!

* * *

Com o cair da noite, os céus acima do vasto campo tomado por batalhões em formação, assumiu uma coloração arroxeada, nuvens debruadas de carmesim e ouro amalgamando-se nas alturas. No centro da tribuna de honra, o Reichsminister ergueu e abaixou as mãos, para calar o coro da multidão que se espraiava abaixo dele.

- Ein Volk, ein Reich, ein Führer! - Repetiu, e ergueu novamente as mãos para impedir que o coro recomeçasse.

Olhou para as tropas perfiladas em fileiras simétricas com um sorriso de satisfação no rosto.

- Ainda não acabamos por hoje! Não! O coração do Führer ainda bate no seio do seu povo!

E apoiando as mãos na amurada da tribuna de honra:

- Esta não é uma frase puramente retórica!

Estendeu o braço direito para indicar um bloco compacto de garotas da Liga das Moças Alemãs, ostentando o seu uniforme tradicional azul-marinho, e exclamou:

- Gebietsmädelführerin Ada Raubal... queira subir à tribuna!

Uma das jovens, cabelos castanhos presos num coque sob o boné azul-marinho, deu um passo à frente da formação e começou a caminhar a passos seguros rumo à escadaria que levava ao alto da tribuna. À medida em que subia as escadas, iluminada pelos raios do sol poente, centenas, milhares de pares de olhos intrigados, a seguiam em sua ascensão.

[11-09-2015]