O Verdadeiro Tesouro
Alguns dizem que é uma lenda, outros dizem que é apenas uma história contada pelos antigos para entreter seus filhos. Mas conta-se que há muito tempo atrás existia um país cheio de encantos e magias, onde todos aqueles seres pequenos e imaginários eram reais. Existiam os seres do bem (as fadas que governavam o reino, as ninfas e os duendes) e os seres do mal (as feiticeiras, os ogros e os dragões selvagens). E claro, existiam os seres humanos que viviam sua vida o mais normal possível, tanto quanto lhes permitiam esses seres fantásticos. Às vezes era terrível. Quando o bem e o mal decidiam lutar, sempre as calamidades recaíam sobre os humanos.
Ora, certa vez, exatamente quando fadas e feiticeiras travavam a pior guerra que já se ouviu falar, um homem, cujo nome era Lourenço, viajava pela estrada real, retornando de uma viagem de negócios. Ele queria chegar à sua casa o quanto antes, pois desejava muito reencontrar sua mulher e seus filhos.
Havia um atalho que passava bem perto às terras da feiticeira. Era perigoso, mas era o caminho mais curto para sua casa. O sol estava quase se pondo, mas enquanto a luz do dia estivesse brilhando nenhum dos seres malignos que habitavam a região lhe fariam mal. Se fosse mais rápido, conseguiria chegar do outro lado em segurança. Respirou fundo, criou coragem e entrou na trilha estreita do reino da Feiticeira das Sombras. Muito a contragosto seu cavalo seguiu por aquele caminho, com as narinas infladas e as orelhas em pé.
Lourenço já havia cavalgado metade do caminho quando ouviu o murmúrio de uma cascata. Ele estava sedento. Sabia que não era certo parar, principalmente agora que os raios solares já penetravam com dificuldade na floresta, deixando-a escura. Mas quanto mais ouvia o barulho da água corrente, mais sua garganta implorava pelo precioso liquido.
Ignorando a voz da razão, Lourenço fez meia volta com seu cavalo, deixando um pouco a trilha para se aproximar da cascata. Desmontou e após mais alguns passos entre raízes e folhagens pode ver as águas límpidas que corriam desaguando em um rio. Sedento, Lourenço juntou as mãos em concha e bebeu abundantemente da água. Após ter se saciado, deu de beber a seu cavalo.
Já ia voltar para a trilha, quando percebeu algo brilhando nas margens. Aproximou-se para ver melhor o que era responsável por tamanho brilho. E qual não foi sua surpresa ao observar que eram lindas pedras de diamante. Fascinado pela beleza delas, aquele homem sequer pensou o quanto era anormal encontrar pedras já lapidadas e em tão grande quantidade às margens de um riacho.
Pegou seu alforje e começou a enchê-lo, pensando feliz como agora seria um homem rico, enquanto as possibilidades se descortinavam diante de seus olhos. Poderia dar uma casa melhor para seus filhos, belos vestidos para sua esposa, ter uma vida mais cheia de luxo e ostentação. Poderia gastar muito todos os dias e mesmo que vivesse cem anos ainda teria uma grande fortuna. Seria um homem respeitado em todo o reino, talvez até o quisessem como rei.
O alforje estava quase cheio quando seu cavalo deu um relincho agudo que causou um calafrio em Lourenço. Com um sobressalto percebeu que os últimos raios de sol terminavam de desaparecer enquanto a floresta mergulhava na escuridão. Ainda estava longe de casa. Precisava encontrar o quanto antes a trilha e fugir daquele lugar.
Já ia montar seu cavalo quando percebeu um novo brilho prateado atrás dele. Emergindo das águas surgiu uma linda mulher. Seus cabelos negros e longos desciam até a altura de sua cintura em ondas. Nenhuma mão humana poderia ter costurado o vestido que ela usava - tinha a leveza dos mais finos tecidos e o brilho dos diamantes. Mas apesar de ser uma figura tão bela, Lourenço reconhecia agora que estava em perigo. Pela descrição de todos que conseguiram escapar com vida, aquela só poderia ser a Feiticeira das Sombras.
Mas ela não parecia má, ao contrário parecia uma fada do bem. Era impossível que aquela criatura pudesse lhe fazer alguma maldade. Ele quis fugir, mas suas pernas estavam trêmulas e mal sustentavam seu corpo. Além disso, havia aqueles intensos olhos azuis que estavam fixos nele.
-Ora, ora! Um humano perdido em meus domínios! – disse a feiticeira com uma voz doce que apenas anjos poderiam ter. – Que honra recebê-lo em meu reino!
Lourenço queria dizer algo, mas havia perdido a fala. De repente, lembrou-se que estava com os diamantes que provavelmente pertenciam à Feiticeira. Olhou para ela, agora um pouco envergonhado.
-Perdoe-me senhora! Imagino que esses diamantes são seus. Achei que não tivessem dono.
-Não tem problema querido. Na verdade gosto de partilhar minha riqueza com os menos favorecidos. Fique com eles como um presente. Aliás, gostaria de convidá-lo a conhecer meu castelo. Já está tarde e a floresta é perigosa durante a noite. Por favor, aceite minha hospitalidade.
-Obrigado, senhora! - disse Lourenço encantado com a majestade e simpatia da bela mulher. Realmente não havia nada de maldade nela.
-Não tenha medo querido, minhas damas de companhia o levarão ao castelo. Infelizmente tenho muitas coisas a tratar essa noite e não poderei ficar com você. Mas acredito que teremos muito tempo para conversarmos.
Nesse momento, surgiram lindas sereias do fundo do rio e se aproximaram de Lourenço. Ele quis ter medo daquelas criaturas, mas assim como a feiticeira, elas eram muito dóceis. Seus cabelos eram intrigantes, com formas de ondas e tinham a cor do mar. Suas caudas de peixe não pareciam ásperas e eram incrustadas de diamantes. E com suas vozes harmoniosas elas cantavam canções em uma língua desconhecida.
Ele não sentiu dificuldade para respirar, enquanto afundava cada vez mais na água. O rio era tão profundo, que podia dizer que estava no fundo do oceano. Ele não conteve uma exclamação de surpresa quando pode vislumbrar o Castelo da Feiticeira. Jamais em sua vida vira algo tão bonito. A estrutura era parecida com outros castelos. Tinha três torres muito altas e era cercado por um grande muro, a única diferença é que ele era todo de diamante.
Assim que as sereias se aproximaram das portas elas se abriram e Lourenço pode adentrar num imenso salão. As luzes refletiam nas paredes dando ao ambiente uma atmosfera mágica. Havia mesas, onde varias sereias se serviam de deliciosos frutos e iguarias. Outras tocavam alaúdes e cantavam músicas lindas.”
Uma das sereias conduziu Lourenço até uma mesa a fim de que ele se servisse. Infelizmente elas apenas cantavam naquela língua estranha, então ele não pôde fazer-lhes as inúmeras perguntas que gostaria. Será que a feiticeira demoraria muito?
Assim que estava satisfeito, Lourenço levantou-se da mesa e começou a percorrer o salão observando a beleza e a decoração. Contudo, enquanto caminhava próximo a uma porta que dava para um corredor, pensou ouvir vozes alteradas. Quase teve um ataque de pânico, quando viu dois ogros que discutiam junto à porta de uma grande sala. Lourenço se escondeu em um canto enquanto acompanhava a discussão.
Não conseguiu entender nada. Os ogros discutiam sobre qual deles teriam a honra de pegar a taça. Finalmente desistiram de seus argumentos e jogaram a sorte para finalizar a disputa. Assim que ficou decidido o vencedor eles seguiram rapidamente pelo corredor. Provavelmente na pressa para resolver o que quer que fosse, esqueceram-se de fechar a porta da sala na qual estavam. Lourenço ia se afastar, mas nesse momento, algo chamou sua atenção.
No meio da sala, apoiado em um suporte, encontrava–se um espelho oval de pelo menos dois metros de comprimento por um metro e meio de largura. Sua superfície era estranha, como a consistência de uma gelatina.
Incapaz de deter sua curiosidade Lourenço se aproximou. Por alguns instantes apenas viu seu próprio reflexo, mas então a superfície começou a tremer e por um curto momento só pode distinguir vultos. Mas, logo a imagem tornou-se real e tão clara que parecia que ele tinha sido transportado para outra dimensão. Ele via a floresta na qual estivera há alguns instantes, mas agora ela era um intenso campo de batalha. Era estranho porque o horizonte já trazia manchas avermelhadas como se o sol estivesse quase para nascer. Estaria ele vendo o futuro ou o tempo passava em outro ritmo nesse lugar?
Pelo espelho ele via que a feiticeira das sombras liderava um grupo de ogros e dragões contra as fadas, ninfas e duendes. O chamado grupo do bem parecia prestes a sucumbir a qualquer momento e apenas resistia. Nesse momento a escuridão começou a ceder e os primeiros raios de sol foram se lançando sobre a terra.
A Feiticeira deu um olhar zangado para o astro dourado e em seguida fez um sinal para seu exército que se agrupou ao seu redor.
-Nos veremos a noite queridos! Até breve! Venham preparados, pois não terei piedade – disse a feiticeira naquela voz angelical, já galopando no sentido do lago.
Lourenço queria ver para onde a Feiticeira tinha ido, mas algo o distraiu. Ao fundo ele podia ver a Fada Mãe - a rainha do reino - caída. Ela lutara bravamente, mas agora suas forças a abandonavam.
Todo o seu exército se aproximou, as outras fadas apenas balançavam a cabeça. Não havia nada que pudessem fazer.
-Meus amados - disse a Fada quase sem forças – vocês lutaram bravamente. Mas a minha batalha termina aqui. Por favor, não desistam. Lutem até o fim. Não percam as esperanças.
E então a rainha perdeu a consciência. Algumas ninfas a ampararam.
-É impossível vencermos! - disse uma ninfa. – A feiticeira vem aumentando seu poder a cada dia. Descobrimos que ela está tentando fazer a poção das sete cobiças. Se conseguir sete homens cheios de cobiça ela terá sua poção. Pelo que sabemos seis homens estão desaparecidos de nosso reino. Todos vieram na direção dessa floresta. E segundo uma de nossas ninfas, na noite passada mais um homem entrou na floresta e dela não saiu. Com certeza foi atraído pelo brilho dos diamantes. Se a feiticeira conseguir fazer a poção, essa noite ela terá todo o poder que precisa para nos derrotar.
Lourenço sentiu um calafrio na espinha, porque entendia tudo o que elas estavam dizendo. Ele era o sétimo homem. A feiticeira das Sombras não queria ajudá-lo. Ela queria usá-lo e o havia atraído para uma miserável armadilha.
Nesse momento ele ouviu passos no corredor. Quis sair da sala, mas não havia mais tempo para fugir. Sua única opção era esconder-se atrás da porta.
Os dois ogros haviam retornado. Um deles trazia uma mesa, enquanto o outro trazia uma bela taça com o máximo de cuidado, tanto quanto permitia sua coordenação motora desengonçada. O primeiro colocou a mesa em frente ao espelho e o segundo depositou a taça sobre ela. Contudo, eles não pareciam nada calmos.
-Espero que aquelas sereias encontrem aquele humano logo. A feiticeira não vai ficar nada satisfeita se descobrir que ainda não fizeram todos os preparativos e ainda deixaram que ele fugisse.- disse o que trouxera a taça.
-Eu sempre disse à Senhora que não se deve confiar em sereias. Mas ele deve estar em algum lugar do castelo. É impossível sair daqui. - argumentou o outro.
-Vamos ajudar a encontrá-lo. A Senhora quer juntá-lo aos outros assim que chegar da batalha. – disse o primeiro enquanto olhava para a taça com uma expressão de desprezo.
Lourenço quase gritou de pavor ao entender o que o ogro havia dito. Os outros homens, de alguma forma, já haviam sido transformados no conteúdo daquela taça.
Com passos rápidos os ogros se dirigiram para fora à procura de Lourenço. Com certeza iriam vasculhar cada área do castelo. Desta vez eles haviam trancado a porta.
Lourenço aproximou-se novamente do espelho, com uma ideia se formando em sua mente. Quando virá a cena da batalha pelo espelho ela lhe parecerá bem real. Mas imagens que observara com certeza eram do futuro, pois a feiticeira ainda não havia chegado. Então, se o espelho mostrava o futuro, poderia de alguma forma ser um portal, que o levaria a outros lugares? Lourenço já havia escutado muito sobre objetos mágicos. Ele precisava tentar. E aquela era sua única esperança ou sua vida estaria perdida para sempre.
Pegou a taça com cuidado. A temperatura era quase glacial. Ela continha um líquido dourado e estava quase cheia. Sem aquela taça a Feiticeira não poderia fazer nada e talvez as fadas conhecessem alguma magia que fizesse aquelas pessoas voltarem à forma humana.
Aproximou-se com reverência do espelho, tal qual um mago aproximar-se-ia. Viu novamente a superfície límpida e majestosa e dessa vez tentou focalizar o momento presente. Onde estariam as fadas do bem?
Com surpresa viu a rainha, em perfeita saúde, pegando sua vara enquanto se preparava para a batalha. Os dois exércitos ainda não haviam se encontrado. Olhou ao redor e percebeu que ela já estava bem próxima da floresta da Feiticeira. Ela não estava sozinha, podia ouvir passos ritmados a seguindo. Pode então visualizar as ninfas, duendes e outras fadas.
-Fada Mãe – disse um dos duendes – Nós recebemos a informação de que a feiticeira está se aproximando pela margem direita do rio. Seu exército está acampado na orla da floresta.
Reunindo toda a sua coragem, Lourenço aproximou-se ainda mais do espelho. Segurou a taça com uma mão e com a outra tocou o espelho. O que aconteceu em seguida foi surreal. Sentiu como se o seu corpo flutuasse no espaço, mas em nenhum momento perdeu a consciência. Num piscar de olhos viu-se ao lado da rainha.
-Quem é você? – ela exclamou sobressaltada ao vê-lo aparecendo repentinamente ao seu lado. Todos os duendes já tinham desembainhado suas espadas e se colocado em posição de luta.
- Por favor, me escutem – pediu Lourenço - Sou um homem de bem. Acabo de fugir do castelo da feiticeira. Eu sou o sétimo homem e nessa taça estão os outros seis. Por favor, permitam-me contar-lhes minha história.
Assim que eles se dispuseram a ouvi-lo, Lourenço contou-lhes em breves palavras o que lhe acontecera desde que entrará na floresta, até aquele momento em que conseguira como por milagre escapar das garras da feiticeira.
-Eu vi o futuro alteza e infelizmente, se a senhora for para a batalha irá morrer. – disse Lourenço por fim.
Diante daquele relato e daquela última informação, os duendes ficaram sem palavras. Alguns não queriam mais lutar naquela noite. A última coisa que queriam era ver a Fada Mãe morrendo.
-Temos que ir queridos- disse a Fada decidida – ou poderá acontecer algo muito pior ao nosso reino. Lembrem-se, não estamos simplesmente indo para uma batalha, estamos indo impedir a feiticeira de fazer o que quer que seja que ela tenha em mente. Não tenhamos medo. Com a chegada de Lourenço, o futuro talvez se altere. Quanto a esses pobres homens vertidos na taça, vamos libertá-los da morte.
Com delicadeza ela tocou sua varinha de condão e os fez voltar à forma humana. Todos pareciam perdidos, mas ao mesmo tempo surpresos e felizes por verem que estavam a salvo da feiticeira.
-Fada Mãe -disse Lourenço – por favor, permita-me lutar ao seu lado. Também quero ajudar a defender o Reino.
-Mas será muito perigoso. A feiticeira tem grandes poderes.
-Mas os ogros não têm- acrescentou um dos homens que saíra da taça. Nós podemos lutar com eles.
E assim o exército das fadas ganhou mais sete homens dispostos a lutar contra aquela que os enganara perversamente.
Foi uma grande batalha naquela noite. Assim que a feiticeira viu os sete homens que eram seus prisioneiros lutando bravamente, ela perdeu o controle. Eles eram sua esperança para que na noite seguinte tivesse a sua poção. Naquele momento ela via que não poderia vencer. Aproveitando-se dessa distração, as fadas, os duendes, as ninfas e os sete homens lutaram até fazerem o exército da feiticeira bater em retirada.
Sozinha, sem guerreiros e extenuada de seus poderes a feiticeira pediu clemência. Que a Fada Mãe preservasse a sua vida.
Como tinha o coração generoso, a Fada não decretou sentença de morte, mas a exilou em uma ilha deserta, onde não pudesse mais fazer maldade para ninguém.
E voltando se para Lourenço, a rainha disse com toda solenidade:
-Obrigada, valente humano. Você salvou o reino e salvou minha vida. Gostaria de oferecer-lhe a décima parte dos diamantes que recuperamos.
-Obrigado, Fada Mãe! –disse Lourenço – Mas não quero aceitá-los. Pode usar na melhoria e reforma do reino. Eu descobri que nada vale mais do que os diamantes que eu já tenho: a minha família.
Fazendo uma reverência, Lourenço retirou-se em direção a estrada da qual nunca devia ter se desviado. Desejava chegar o quanto antes em casa e ver sua esposa e seus filhos, o verdadeiro tesouro que uma pessoa poderia ter na vida.
Ora, certa vez, exatamente quando fadas e feiticeiras travavam a pior guerra que já se ouviu falar, um homem, cujo nome era Lourenço, viajava pela estrada real, retornando de uma viagem de negócios. Ele queria chegar à sua casa o quanto antes, pois desejava muito reencontrar sua mulher e seus filhos.
Havia um atalho que passava bem perto às terras da feiticeira. Era perigoso, mas era o caminho mais curto para sua casa. O sol estava quase se pondo, mas enquanto a luz do dia estivesse brilhando nenhum dos seres malignos que habitavam a região lhe fariam mal. Se fosse mais rápido, conseguiria chegar do outro lado em segurança. Respirou fundo, criou coragem e entrou na trilha estreita do reino da Feiticeira das Sombras. Muito a contragosto seu cavalo seguiu por aquele caminho, com as narinas infladas e as orelhas em pé.
Lourenço já havia cavalgado metade do caminho quando ouviu o murmúrio de uma cascata. Ele estava sedento. Sabia que não era certo parar, principalmente agora que os raios solares já penetravam com dificuldade na floresta, deixando-a escura. Mas quanto mais ouvia o barulho da água corrente, mais sua garganta implorava pelo precioso liquido.
Ignorando a voz da razão, Lourenço fez meia volta com seu cavalo, deixando um pouco a trilha para se aproximar da cascata. Desmontou e após mais alguns passos entre raízes e folhagens pode ver as águas límpidas que corriam desaguando em um rio. Sedento, Lourenço juntou as mãos em concha e bebeu abundantemente da água. Após ter se saciado, deu de beber a seu cavalo.
Já ia voltar para a trilha, quando percebeu algo brilhando nas margens. Aproximou-se para ver melhor o que era responsável por tamanho brilho. E qual não foi sua surpresa ao observar que eram lindas pedras de diamante. Fascinado pela beleza delas, aquele homem sequer pensou o quanto era anormal encontrar pedras já lapidadas e em tão grande quantidade às margens de um riacho.
Pegou seu alforje e começou a enchê-lo, pensando feliz como agora seria um homem rico, enquanto as possibilidades se descortinavam diante de seus olhos. Poderia dar uma casa melhor para seus filhos, belos vestidos para sua esposa, ter uma vida mais cheia de luxo e ostentação. Poderia gastar muito todos os dias e mesmo que vivesse cem anos ainda teria uma grande fortuna. Seria um homem respeitado em todo o reino, talvez até o quisessem como rei.
O alforje estava quase cheio quando seu cavalo deu um relincho agudo que causou um calafrio em Lourenço. Com um sobressalto percebeu que os últimos raios de sol terminavam de desaparecer enquanto a floresta mergulhava na escuridão. Ainda estava longe de casa. Precisava encontrar o quanto antes a trilha e fugir daquele lugar.
Já ia montar seu cavalo quando percebeu um novo brilho prateado atrás dele. Emergindo das águas surgiu uma linda mulher. Seus cabelos negros e longos desciam até a altura de sua cintura em ondas. Nenhuma mão humana poderia ter costurado o vestido que ela usava - tinha a leveza dos mais finos tecidos e o brilho dos diamantes. Mas apesar de ser uma figura tão bela, Lourenço reconhecia agora que estava em perigo. Pela descrição de todos que conseguiram escapar com vida, aquela só poderia ser a Feiticeira das Sombras.
Mas ela não parecia má, ao contrário parecia uma fada do bem. Era impossível que aquela criatura pudesse lhe fazer alguma maldade. Ele quis fugir, mas suas pernas estavam trêmulas e mal sustentavam seu corpo. Além disso, havia aqueles intensos olhos azuis que estavam fixos nele.
-Ora, ora! Um humano perdido em meus domínios! – disse a feiticeira com uma voz doce que apenas anjos poderiam ter. – Que honra recebê-lo em meu reino!
Lourenço queria dizer algo, mas havia perdido a fala. De repente, lembrou-se que estava com os diamantes que provavelmente pertenciam à Feiticeira. Olhou para ela, agora um pouco envergonhado.
-Perdoe-me senhora! Imagino que esses diamantes são seus. Achei que não tivessem dono.
-Não tem problema querido. Na verdade gosto de partilhar minha riqueza com os menos favorecidos. Fique com eles como um presente. Aliás, gostaria de convidá-lo a conhecer meu castelo. Já está tarde e a floresta é perigosa durante a noite. Por favor, aceite minha hospitalidade.
-Obrigado, senhora! - disse Lourenço encantado com a majestade e simpatia da bela mulher. Realmente não havia nada de maldade nela.
-Não tenha medo querido, minhas damas de companhia o levarão ao castelo. Infelizmente tenho muitas coisas a tratar essa noite e não poderei ficar com você. Mas acredito que teremos muito tempo para conversarmos.
Nesse momento, surgiram lindas sereias do fundo do rio e se aproximaram de Lourenço. Ele quis ter medo daquelas criaturas, mas assim como a feiticeira, elas eram muito dóceis. Seus cabelos eram intrigantes, com formas de ondas e tinham a cor do mar. Suas caudas de peixe não pareciam ásperas e eram incrustadas de diamantes. E com suas vozes harmoniosas elas cantavam canções em uma língua desconhecida.
Ele não sentiu dificuldade para respirar, enquanto afundava cada vez mais na água. O rio era tão profundo, que podia dizer que estava no fundo do oceano. Ele não conteve uma exclamação de surpresa quando pode vislumbrar o Castelo da Feiticeira. Jamais em sua vida vira algo tão bonito. A estrutura era parecida com outros castelos. Tinha três torres muito altas e era cercado por um grande muro, a única diferença é que ele era todo de diamante.
Assim que as sereias se aproximaram das portas elas se abriram e Lourenço pode adentrar num imenso salão. As luzes refletiam nas paredes dando ao ambiente uma atmosfera mágica. Havia mesas, onde varias sereias se serviam de deliciosos frutos e iguarias. Outras tocavam alaúdes e cantavam músicas lindas.”
Uma das sereias conduziu Lourenço até uma mesa a fim de que ele se servisse. Infelizmente elas apenas cantavam naquela língua estranha, então ele não pôde fazer-lhes as inúmeras perguntas que gostaria. Será que a feiticeira demoraria muito?
Assim que estava satisfeito, Lourenço levantou-se da mesa e começou a percorrer o salão observando a beleza e a decoração. Contudo, enquanto caminhava próximo a uma porta que dava para um corredor, pensou ouvir vozes alteradas. Quase teve um ataque de pânico, quando viu dois ogros que discutiam junto à porta de uma grande sala. Lourenço se escondeu em um canto enquanto acompanhava a discussão.
Não conseguiu entender nada. Os ogros discutiam sobre qual deles teriam a honra de pegar a taça. Finalmente desistiram de seus argumentos e jogaram a sorte para finalizar a disputa. Assim que ficou decidido o vencedor eles seguiram rapidamente pelo corredor. Provavelmente na pressa para resolver o que quer que fosse, esqueceram-se de fechar a porta da sala na qual estavam. Lourenço ia se afastar, mas nesse momento, algo chamou sua atenção.
No meio da sala, apoiado em um suporte, encontrava–se um espelho oval de pelo menos dois metros de comprimento por um metro e meio de largura. Sua superfície era estranha, como a consistência de uma gelatina.
Incapaz de deter sua curiosidade Lourenço se aproximou. Por alguns instantes apenas viu seu próprio reflexo, mas então a superfície começou a tremer e por um curto momento só pode distinguir vultos. Mas, logo a imagem tornou-se real e tão clara que parecia que ele tinha sido transportado para outra dimensão. Ele via a floresta na qual estivera há alguns instantes, mas agora ela era um intenso campo de batalha. Era estranho porque o horizonte já trazia manchas avermelhadas como se o sol estivesse quase para nascer. Estaria ele vendo o futuro ou o tempo passava em outro ritmo nesse lugar?
Pelo espelho ele via que a feiticeira das sombras liderava um grupo de ogros e dragões contra as fadas, ninfas e duendes. O chamado grupo do bem parecia prestes a sucumbir a qualquer momento e apenas resistia. Nesse momento a escuridão começou a ceder e os primeiros raios de sol foram se lançando sobre a terra.
A Feiticeira deu um olhar zangado para o astro dourado e em seguida fez um sinal para seu exército que se agrupou ao seu redor.
-Nos veremos a noite queridos! Até breve! Venham preparados, pois não terei piedade – disse a feiticeira naquela voz angelical, já galopando no sentido do lago.
Lourenço queria ver para onde a Feiticeira tinha ido, mas algo o distraiu. Ao fundo ele podia ver a Fada Mãe - a rainha do reino - caída. Ela lutara bravamente, mas agora suas forças a abandonavam.
Todo o seu exército se aproximou, as outras fadas apenas balançavam a cabeça. Não havia nada que pudessem fazer.
-Meus amados - disse a Fada quase sem forças – vocês lutaram bravamente. Mas a minha batalha termina aqui. Por favor, não desistam. Lutem até o fim. Não percam as esperanças.
E então a rainha perdeu a consciência. Algumas ninfas a ampararam.
-É impossível vencermos! - disse uma ninfa. – A feiticeira vem aumentando seu poder a cada dia. Descobrimos que ela está tentando fazer a poção das sete cobiças. Se conseguir sete homens cheios de cobiça ela terá sua poção. Pelo que sabemos seis homens estão desaparecidos de nosso reino. Todos vieram na direção dessa floresta. E segundo uma de nossas ninfas, na noite passada mais um homem entrou na floresta e dela não saiu. Com certeza foi atraído pelo brilho dos diamantes. Se a feiticeira conseguir fazer a poção, essa noite ela terá todo o poder que precisa para nos derrotar.
Lourenço sentiu um calafrio na espinha, porque entendia tudo o que elas estavam dizendo. Ele era o sétimo homem. A feiticeira das Sombras não queria ajudá-lo. Ela queria usá-lo e o havia atraído para uma miserável armadilha.
Nesse momento ele ouviu passos no corredor. Quis sair da sala, mas não havia mais tempo para fugir. Sua única opção era esconder-se atrás da porta.
Os dois ogros haviam retornado. Um deles trazia uma mesa, enquanto o outro trazia uma bela taça com o máximo de cuidado, tanto quanto permitia sua coordenação motora desengonçada. O primeiro colocou a mesa em frente ao espelho e o segundo depositou a taça sobre ela. Contudo, eles não pareciam nada calmos.
-Espero que aquelas sereias encontrem aquele humano logo. A feiticeira não vai ficar nada satisfeita se descobrir que ainda não fizeram todos os preparativos e ainda deixaram que ele fugisse.- disse o que trouxera a taça.
-Eu sempre disse à Senhora que não se deve confiar em sereias. Mas ele deve estar em algum lugar do castelo. É impossível sair daqui. - argumentou o outro.
-Vamos ajudar a encontrá-lo. A Senhora quer juntá-lo aos outros assim que chegar da batalha. – disse o primeiro enquanto olhava para a taça com uma expressão de desprezo.
Lourenço quase gritou de pavor ao entender o que o ogro havia dito. Os outros homens, de alguma forma, já haviam sido transformados no conteúdo daquela taça.
Com passos rápidos os ogros se dirigiram para fora à procura de Lourenço. Com certeza iriam vasculhar cada área do castelo. Desta vez eles haviam trancado a porta.
Lourenço aproximou-se novamente do espelho, com uma ideia se formando em sua mente. Quando virá a cena da batalha pelo espelho ela lhe parecerá bem real. Mas imagens que observara com certeza eram do futuro, pois a feiticeira ainda não havia chegado. Então, se o espelho mostrava o futuro, poderia de alguma forma ser um portal, que o levaria a outros lugares? Lourenço já havia escutado muito sobre objetos mágicos. Ele precisava tentar. E aquela era sua única esperança ou sua vida estaria perdida para sempre.
Pegou a taça com cuidado. A temperatura era quase glacial. Ela continha um líquido dourado e estava quase cheia. Sem aquela taça a Feiticeira não poderia fazer nada e talvez as fadas conhecessem alguma magia que fizesse aquelas pessoas voltarem à forma humana.
Aproximou-se com reverência do espelho, tal qual um mago aproximar-se-ia. Viu novamente a superfície límpida e majestosa e dessa vez tentou focalizar o momento presente. Onde estariam as fadas do bem?
Com surpresa viu a rainha, em perfeita saúde, pegando sua vara enquanto se preparava para a batalha. Os dois exércitos ainda não haviam se encontrado. Olhou ao redor e percebeu que ela já estava bem próxima da floresta da Feiticeira. Ela não estava sozinha, podia ouvir passos ritmados a seguindo. Pode então visualizar as ninfas, duendes e outras fadas.
-Fada Mãe – disse um dos duendes – Nós recebemos a informação de que a feiticeira está se aproximando pela margem direita do rio. Seu exército está acampado na orla da floresta.
Reunindo toda a sua coragem, Lourenço aproximou-se ainda mais do espelho. Segurou a taça com uma mão e com a outra tocou o espelho. O que aconteceu em seguida foi surreal. Sentiu como se o seu corpo flutuasse no espaço, mas em nenhum momento perdeu a consciência. Num piscar de olhos viu-se ao lado da rainha.
-Quem é você? – ela exclamou sobressaltada ao vê-lo aparecendo repentinamente ao seu lado. Todos os duendes já tinham desembainhado suas espadas e se colocado em posição de luta.
- Por favor, me escutem – pediu Lourenço - Sou um homem de bem. Acabo de fugir do castelo da feiticeira. Eu sou o sétimo homem e nessa taça estão os outros seis. Por favor, permitam-me contar-lhes minha história.
Assim que eles se dispuseram a ouvi-lo, Lourenço contou-lhes em breves palavras o que lhe acontecera desde que entrará na floresta, até aquele momento em que conseguira como por milagre escapar das garras da feiticeira.
-Eu vi o futuro alteza e infelizmente, se a senhora for para a batalha irá morrer. – disse Lourenço por fim.
Diante daquele relato e daquela última informação, os duendes ficaram sem palavras. Alguns não queriam mais lutar naquela noite. A última coisa que queriam era ver a Fada Mãe morrendo.
-Temos que ir queridos- disse a Fada decidida – ou poderá acontecer algo muito pior ao nosso reino. Lembrem-se, não estamos simplesmente indo para uma batalha, estamos indo impedir a feiticeira de fazer o que quer que seja que ela tenha em mente. Não tenhamos medo. Com a chegada de Lourenço, o futuro talvez se altere. Quanto a esses pobres homens vertidos na taça, vamos libertá-los da morte.
Com delicadeza ela tocou sua varinha de condão e os fez voltar à forma humana. Todos pareciam perdidos, mas ao mesmo tempo surpresos e felizes por verem que estavam a salvo da feiticeira.
-Fada Mãe -disse Lourenço – por favor, permita-me lutar ao seu lado. Também quero ajudar a defender o Reino.
-Mas será muito perigoso. A feiticeira tem grandes poderes.
-Mas os ogros não têm- acrescentou um dos homens que saíra da taça. Nós podemos lutar com eles.
E assim o exército das fadas ganhou mais sete homens dispostos a lutar contra aquela que os enganara perversamente.
Foi uma grande batalha naquela noite. Assim que a feiticeira viu os sete homens que eram seus prisioneiros lutando bravamente, ela perdeu o controle. Eles eram sua esperança para que na noite seguinte tivesse a sua poção. Naquele momento ela via que não poderia vencer. Aproveitando-se dessa distração, as fadas, os duendes, as ninfas e os sete homens lutaram até fazerem o exército da feiticeira bater em retirada.
Sozinha, sem guerreiros e extenuada de seus poderes a feiticeira pediu clemência. Que a Fada Mãe preservasse a sua vida.
Como tinha o coração generoso, a Fada não decretou sentença de morte, mas a exilou em uma ilha deserta, onde não pudesse mais fazer maldade para ninguém.
E voltando se para Lourenço, a rainha disse com toda solenidade:
-Obrigada, valente humano. Você salvou o reino e salvou minha vida. Gostaria de oferecer-lhe a décima parte dos diamantes que recuperamos.
-Obrigado, Fada Mãe! –disse Lourenço – Mas não quero aceitá-los. Pode usar na melhoria e reforma do reino. Eu descobri que nada vale mais do que os diamantes que eu já tenho: a minha família.
Fazendo uma reverência, Lourenço retirou-se em direção a estrada da qual nunca devia ter se desviado. Desejava chegar o quanto antes em casa e ver sua esposa e seus filhos, o verdadeiro tesouro que uma pessoa poderia ter na vida.