No topo da colina, descompensada menina.

No topo da colina, descompensada menina.

Foi subindo, caminhando, o chão estava orvalhado, o dia mal começara e as gotinhas de orvalho falavam sobre uma longa noite de chuva. De vez em quando seus pezinhos pequenos escorregavam, mas estava á vontade tateando com os pés aquele musgo húmido. Avistou um bichinho diminuto, ele era coberto de pintinhas vermelhas e tinha patinhas pretas. Deu uma carona para ele no seu dedo indicador. Mariana sempre gostou de bichos, ficou feliz em ter companhia naquela manhã nublada. Espero que você goste de lugares altos, falou aproximando o pequeno animal do próprio rosto. Grande foi seu espanto quando o inseto respondeu: geralmente vou voando, mas a chuva molhou muito minhas asas e agora não a sei a quem agradecer, se a chuva ou a você.

Agarrou-se a uma pedra para facilitar sua subida, mas o musgo a fez escorregar. Pensou se seria boba por contar àquele besouro, seus devaneios.

– Sabe, escaravelho, ser uma menina não é fácil. Eu me finjo de boba pra não assustar o Pedro. Pedro é o meu melhor amigo. Ele já subiu comigo no topo de outras colinas, mas há três dias ele se machucou e por isso não pude chamá-lo hoje. Mariana sentiu-se constrangida ao falar sobre Pedro, não sabia ao certo, talvez porque mal conhecia seu novo amigo.

– Foi um machucado muito sério Mariana? Você não podia carregá-lo como está fazendo comigo agora? Respondeu o escaravelho olhando fixamente o rosto meigo de Mariana.

– Ah não, não. Disse sorrindo a menina de cabelos longos e enrolados. – Pedro não é pequeno como você. Ele é maior que eu. E é bobo em igual proporção.

– Vocês são amigos. Você não deveria estar com ele, já que ele está machucado? Perguntou aquele enxerido besouro. Os olhos de Mariana denotaram incerteza, ficou pensando, aquele bichinho era bastante sensato.

– Ele precisa ficar só, o machucado dele, como toda ferida precisa de tempo para cicatrizar. Foi tudo culpa da Laurinha, ela e suas apostas bobas. Estávamos no recreio, começamos a pular corda. Eu sou a melhor nisso. Pedro costuma dizer que eu sou a melhor entre as meninas, e só. Gosta de dizer que é o melhor de todos, entre meninos e meninas lá do colégio.

O escaravelho ficou mudo, apenas observava a expressão viva e alegre no rosto da menina a cada vez que ela dizia o nome daquele estimado amigo.

– A Laurinha disse que deveríamos pular e quem primeiro errasse perderia e assim ficaria provado quem era o melhor. Se ela tivesse parado a aposta por ai ... mas ela tinha que completar...se você perder Mariana terá que dar um beijo no Pedro. Fiquei envergonhada, mas não podia demonstrar fraqueza na frente da turma inteira. Então eu disse: Tudo bem. Se eu ganhar você vai dizer no auditório para todo mundo ouvir que as meninas são melhores em tudo que fazem.

Mariana olhou para o bichinho esperando que ele dissesse algo. Porém ele só continuava a observá-la.

–Vermelhinho, eu tinha certeza que ganharia, mas eu tropecei na corda. Foi tudo tão rápido de repente todo mundo a nossa volta gritava: BEIJA, BEIJA, BEIJA. Eu fiquei paralisada e vi o Pedrinho se aproximar, seu rosto ficou bem próximo do meu. Eu sei que eu apostei, mas tudo que fiz foi empurrar o Pedro e sair correndo. Agora eu não entendo porque fiz isso, eu queria beijar o Pedro. Por que então besourinho eu fiquei tão zangada?

O besouro continuava a andar sobre o indicador da menina, porém nada disse.

Que bobagem Mariana, disse uma voz atrás daquela doce menina. Você sabe que a laje da sua casa, embora cheia de musgo, não é mais a colina dos seus devaneios de outrora. Os bichinhos, embora muito bonitinhos, não falam como nas fábulas que você tanto gosta de ler. E você é a ainda a melhor em pular corda. Você é a melhor de todos no colégio. Você é a minha melhor amiga. Eu pedi para o Júlio enroscar a corda no seu pé. Me desculpe. Talvez eu não seja assim mais tão bobo.

– Pedro, o que você faz aqui? Eu sabia. Eu não podia ter perdido para você na corda.

– Tá bem, tá bem. Eu queria muito beijar você. Você é minha melhor amiga, mas eu quero só quero se você quiser também. Eu espero Mari.

–Desçam os dois agora mesmo. Vamos jantar. Pedro você fica para o jantar tudo bem? Era a voz da Dona Maria, a mãe da bela Mariana.

– Vai lá cabeçudo, desce. Pedrinho começou a descer enquanto Mariana pensava, tenho que falar com o Júlio amanhã cedinho, tenho que pedir que ele não conte que eu também pedi para ele me fazer tropeçar na corda.

Suze Rodrigues
Enviado por Suze Rodrigues em 21/04/2015
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